Alguns vídeos e paginas na internet tem distorcido as falas de W. L. Craig sobre a Trindade e o acusam de Heresia.
Você pode conferir no video abaixo ou na pagina a seguir e em seguida a RESPOSTA:
VÍDEO ACUSATÓRIO:
TEXTO ACUSATÓRIO:
https://reformedarsenal.com/william-lane-craig-unitarianism-4/
"Da última vez , falamos sobre como a posição antirrealista do Dr. Craig mina a unidade fundamental da Divindade. Ela faz isso negando funcionalmente que tais naturezas existam como algo considerado diferentemente de pessoas. Enquanto o trinitarismo ortodoxo clássico se baseia na ideia de que naturezas, ou ousiai , existem e que pessoas, ou hipóstases , são mais ou menos instâncias de uma dada categoria de ousiai ... Craig nega que este seja o caso. Esta negação do realismo (ele hesita em chamá-lo de nominalismo, mas não vejo uma diferença substancial) termina em uma posição que torna a Trindade uma coisa subsistente, e cada pessoa uma parte componente discreta dessa coisa subsistente. Chamamos este erro de Parcialismo, mas, na verdade, é simplesmente uma espécie única de triteísmo que nega a unidade fundamental das pessoas divinas (ou, neste caso, substitui a unidade fundamental por algo insuficiente para tornar as pessoas unidas). No entanto, como mencionei, o Dr. Craig parece reconhecer que esse é um problema em potencial e, para evitar cair nesse fosso, ele volta para o outro lado e cai no fosso do unitarismo.Embora possa parecer improvável que o Dr. Craig, involuntariamente, afirme tanto o triteísmo quanto o unitarismo, na minha experiência, isso acontece com frequência. Há uma espécie de qualidade esquizofrênica na heresia que frequentemente resulta na pessoa afirmando posições aparentemente opostas. Como mencionei na introdução desta série , a principal apresentação sistemática do Dr. Craig encontra-se em "Fundamentos Filosóficos para a Cosmovisão Cristã" . Ambas as visões estão presentes em seu capítulo sobre a Trindade, então, por mais estranho que pareça, parece ser o caso.O Unitarismo Hipotatiza a TrindadeNo caso do Dr. Craig, o que vemos é uma consideração errônea da Trindade como algo subsistente... como uma hipóstase . Essa hipostasiação da Trindade resulta em uma forma de unitarismo que compartilha muitas características com o modalismo clássico.Lembre-se de que, em nossa discussão sobre o antirrealismo do Dr. Craig , ele nega a existência de uma natureza. Embora a linguagem seja inconsistente, na minha opinião, isso o leva a considerar a Trindade como "a única instância da natureza divina". (Moreland e Craig, 2003)Agora, para entender por que isso é um problema, precisamos voltar à definição de hipóstase . Fundamentalmente, uma hipóstase é uma instância da natureza divina.[H]ipóstase (uma subsistência individual com características próprias) era a palavra certa para distinguir as três pessoas da essência única. Embora portadora de uma essência compartilhada, uma hipóstase é uma entidade distinta com seus próprios atributos também. (Horton 2011, 97)O próprio Dr. Craig parece reconhecer que esta também é a definição clássica.Mesmo que pensemos no universal como a realidade primária, ainda assim é inegável que existem três exemplificações dessa realidade que, em um caso, são três homens distintos, como é óbvio pelo fato de que um homem pode deixar de existir sem que os outros deixem de existir. Da mesma forma, mesmo que a natureza divina seja a realidade primária, ela ainda é inegavelmente exemplificada por três hipóstases, cada uma das quais deveria ser uma instância da divindade. (Moreland e Craig 2003)Ao explicar uma passagem de Gregório de Nissa, ele reconhece que o Capadócio está articulando que cada hipóstase é uma instância da natureza divina. Portanto, quando argumenta que a Trindade não é apenas uma instância da natureza divina... mas é, de fato, "a única instância da natureza divina" (Moreland e Craig 2003, grifo meu), ele está, na verdade, dizendo, quer pretenda ou não, que a Trindade não é apenas uma hipóstase /pessoa... mas é a única hipóstase /pessoa. As outras três são simplesmente partes componentes dessa única pessoa... de forma análoga a como o esqueleto de um gato é uma parte componente desse único gato. Como há apenas uma coisa em toda a existência que realmente se qualifica para ser chamada de "Deus", isso resulta no erro do unitarismo.O Unitarismo Rebaixa as Pessoas a Sub DivinasNão vou me estender no assunto. Isso não é trinitarismo ortodoxo. O Dr. Craig argumentou que cada pessoa não é a plenitude da divindade explicitamente, e agora, por implicação, argumentou que cada pessoa não é, de fato, uma pessoa distinta. Em vez de sustentar que adoramos um Deus na Trindade, e a Trindade na unidade... ele articulou que adoramos um Deus na unidade, e a unidade na desunião. Ao afirmar um Deus único (a Trindade), ele considera cada pessoa inferior ao Deus único. Ao argumentar que cada um é parte do Deus único, ele mina e nega a maneira como Deus é de fato um.Mais poderia ser dito sobre a teologia trinitária do Dr. Craig, e talvez retornemos em breve. No entanto, já dedicamos tempo suficiente por enquanto. Nos próximos posts, voltaremos nossa atenção para a Cristologia do Dr. Craig e como os erros que ele cometeu nessa área da Teologia Sistemática também se transformam em heresia cristológica."
RESPOSTA:
O livro citado acima de forma descontextualizada segue abaixo em seus trechos que refutam o video e site acima:
- Craig acredita que Deus é uma Trindade, ou seja, existe 3 pessoas que são chamadas Deus,
- Craig não acredita em um triteísmo (3 deuses)
- Craig não acredita que Deus não seja mais de uma pessoa como é o caso do Unitarismo (que nega a divindade de Jesus ou do Unicismo que afirma que Deus se manifesta de 3 modos, e que Jesus é a unica pessoa da divindade. Inclusive o link e o vídeo confundem Unitarismo como Unicismo.
- Craig mostra que Deus é trino, mas cada pessoa da divindade (Pai, Filho e Espírito Santo) é unitária, ou seja, elas não são trinas. Neste sentido que ele diz que cada pessoa da divindade não é plenamente Deus. Craig afirma que cada pessoa é onisciente , onipresente e onipotente, etc. mas cada pessoa não é trina. A teologia ortodoxa afirma o mesmo. As pessoas da Trindade não possuem a propriedade de serem trinas e sim de serem unas e unidas, formando 3 pessoas
- Qaundo Craig diz que o Pai não é toda a divindade , ele está dizendo que o Pai não é trino, assim como o Filho não é toda a divindade (TRINDADE) pois também não é trino, do mesmo modo o Espírito Santo. Quem diz que o Pai é toda a divindade ou que o Filho é toda a divindade são os UNICISTAS
- NENHUM concilio jamais declarou que Jesus é plenamente Deus no sentido de se afirmar que Jesus é trino. Inclusive os concilios declaravam a divindade de Jesus sendo a mesma de Deus Pai, assim como do Espirito.
- A confusão vem do fato do termo DEUS ser uma polissemia, assim como o termo natureza divina. O termo Deus pode se referir as d 3 pessoas da divindade ao mesmo tempo (TRINDADE) ou a cada uma delas em separado. O termo natureza divina se refere aos atributos exclusivos da divindade como onisciencia, onipresença, onipotencia, eternidade, etc. mas também alem disso ao fato de so a trindade (as 3 pessoas em conjunto ) ser trina.
- Por fim Craig não crê na doutrina da eterna geração do filho, assim como o Inácio e nem no subordinacionismo defendido por Waine Grudem que acredita que Jesus sempre foi submisso ao Pai O Salmo 2:7 em conexão com Hb 1:5,6 mostra que Jesus foi gerado na encarnação recebendo o título de “Filho”(Mt 1:20) ,e em conexão com At 13:31-33 evidencia que Jesus foi gerado na ressurreição com corpo espiritual glorioso (I Co 15:43-45). Isso não quer dizer que Jesus Cristo foi gerado. Inclusive Inácio no ano 110 d.C diz: “Existe apenas um médico, carnal e espiritual, gerado e ingênito (não gerado), Deus feito carne, flho de Maria e Filho de Deus, vida verdadeira na morte, , um tempo passível e agora impassível, Jesus Cristo nosso Senhor." Padres Apostólicos. Inácio aos Efésios 7, São Paulo:Paulus, 2008, p. 84. Aristóteles dizia que nada que é gerado pode ser eterno : E aquilo que é eterno é não gerado e imperecível" Etica a Eudemo livro v, 3, São Paulo:Edipro, 2015,p. 181
"Por que, então, Deus criou o mundo? Tem-se dito que se Deus é essencialmente caracterizado pelo amor que se entrega, então a criação se torna necessária. Mas a doutrina cristã da Trindade sugere outra possibilidade. À medida que ele existe sem a criação, Deus não é, de acordo com a concepção cristã, uma mônada solitária, mas, na triunidade do próprio ser, Deus desfruta da plena e imutável relação amorosa entre as pessoas da Trindade. A criação é, assim, desnecessária para Deus e é um fino presente, concedido a favor das criaturas, para que possamos experimentar a alegria e a satisfação de conhecer a Deus. Como sempre fez, ele nos convida ao relacionamento amoroso intratrinitário na condição de seus filhos adotados. Desse modo, a criação, assim como a salvação, é sola gratia. p. 680
Na doutrina cristã, Deus não é uma única pessoa, o conceito tradicional, mas é tripessoal. Existem três pessoas, chamadas Pai, Filho e Espírito Santo, que merecem ser chamadas Deus e, mesmo assim, existe apenas um Deus, e não três. p. 696
Além disso, a igreja neotestamentária, não satisfeita apenas com o uso da nomenclatura divina para Cristo, também atribuía a ele o papel de Deus como Criador e Sustentador de toda realidade à parte de Deus (Cl 1.15-20; Hb 1.1-14; Jo 1.1-3). O que antes era restrito, agora é proclamado aos quatro
ventos, e Jesus é explicitamente certificado como o {ho) theos (Jo 1.1, 18; 20.28; Rm 9.5; T t 2.13; H b 1.8-12; ljo 5.20). Percebendo que o mais antigo sermão cristão, o mais antigo relato de um mártir cristão, o mais antigo relato pagão sobre a igreja e a mais antiga oração litúrgica (IC o 16.22) se referem a Cristo como Senhor e Deus, conclui Jaroslav Pelikan, o grande historiador do pensamento cristão: “Estava claro na mensagem crida pela igreja e no que ela ensinava que ‘Deus’ era um nome adequado para Jesus Cristo”.3 Por fim, o Espírito Santo, também identificado como Deus (At 5.3,4)‘e o Espírito de Deus (M t 12.28; IC o 6.11), é considerado pessoalmente distinto do Pai e do Filho (M t 2 8 .1 9 ; Lc 11.13; Jo 1 4 .2 6 ; 1 5 .2 6 ; Rm 8 .2 6 , 27; 2Co 13.13; IPe 1.1, 2). Como essas e outras passagens deixam claro, o Espírito Santo não é uma força impessoal, mas uma realidade pessoal que ensina e intercede pelos crentes, possui uma mente, pode ser entristecido, que é alguém para quem se pode mentir e é considerado parceiro igual ao Pai e o Filho.
Em resumo, a igreja do Novo Testamento estava certa da existência somente de um Deus. Mas os crentes também acreditavam que o Pai, o Filho e o Espírito Santo, embora pessoalmente distintos, mereciam ser chamados Deus. p. 698
Monoteísmo Trinitário
Chegamos por fim ao monoteísmo trinitário, que afirma: embora as pessoas da Trindade sejam divinas, a Trindade como um todo é propriamente Deus. Para que essa visão seja considerada ortodoxa, é necessário que ela afirme que apenas a Trindade seja Deus, e que Pai, Filho e Espírito Santo, embora divinos, não sejam Deuses. Leftow apresenta o seguinte desafio a essa visão:
Ou a Trindade é um quarto caso da natureza divina, em adição às pessoas, ou não é. Caso seja, temos casos de deidade para a ortodoxia. Caso não seja isso, mas permaneça divina, existem duas maneiras de sê-lo: um caso de deidade e um a Trindade desses casos. Se existe mais de uma maneira de ser divino, o monoteísmo trinitário se torna o arianismo de Plantinga. Mas se realmente existe apenas uma maneira de ser divino, então existem duas opções. U m a é que somente a Trindade é Deus, e Deus é com posto de pessoas não divinas. A outra é que a soma de todas as pessoas divinas é, de alguma maneira, não-
divina. Aceitar a última afirmação seria também abdicar do monoteísmo trinitário.7
O dilema de Leftow é mostrado no diagrama 29.1
De que maneira o defensor do monoteísmo trinitário responderia a este dilema?
Começando com a primeira disjunção, ele claramente quererá dizer que a Trindade não é o quarto exemplo da natureza divina, pois não existem quatro pessoas divinas. Caminhando na direção do próximo conjunto de opções, ele deve dizer que a Trindade é divina, uma vez que isto está implicado pelo monoteísmo trinitário.
Agora, se a Trindade é divina, mas não é um quarto exemplo da natureza divina, isto sugere a existência de mais de uma maneira de ser divino. Diz-se que essa alternativa leva ao arianismo de Plantinga. O que é isso? Leftow o define simplesmente como “a postulação de mais de uma maneira de ser divino”.
7 Anti social trinitarianism. In: D a v is , Stephen T.; K e n d a l l , Daniel; O ’C o l l in s , Gerald
(Eds.) The Trinity. Oxford: Oxford University Press, 1999, p. 221.
8 Ibidem, p. 208.
8 Isto não é instrutivo; o que queremos saber é por que a visão é questionável. Leftow responde: “Se levarmos a sério a afirmação de que a Trindade é Deus, [...] terminamos degradando a deidade das pessoas e/ou [sendo] não-ortodoxos”.
9 O problema alegado é que, se somente a Trindade exemplifica a completa natureza divina, então a maneira pela qual as pessoas são divinas é menos do que plenamente divina. Contudo, essa seria a inferência a se obter na condição de haver apenas uma maneira de ser divino (a saber, exemplificando a natureza divina); mas a posição assevera mais de uma maneira de ser divino. As pessoas da Trindade não são divinas em virtude da exemplificação da natureza divina pois, presumivelmente, ser trino é propriedade da natureza divina (Deus não é trino por acaso); contudo, as pessoas da Trindade não possuem essa propriedade. Agora fica claro que a razão pela qual a Trindade não é o quarto exemplo da natureza divina é que não há outros exemplos da natureza divina. O Pai, o Filho e o Espírito Santo não são exemplos da natureza divina, e por isso não existem três Deuses. A Trindade é o único exemplo da natureza divina e, portanto, existe apenas um Deus. Desse modo, embora a declaração “a Trindade é Deus” seja uma declaração de identidade, declarações sobre as pessoas — como “o Pai é Deus” — não são declarações de identidade. Em vez disso, elas
realizam outras funções, tais como atribuir um título ou um ofício a uma pessoa (tal como “Belsazar é rei”, fato que não é incompatível com a existência de co-regentes) ou atribuir uma propriedade a uma pessoa (uma maneira de dizer “o Pai é divino”, do mesmo modo como alguém poderia dizer “Belsazar
é da realeza”).
Assim, se as pessoas da Trindade não são divinas em virtude de serem exemplificações da natureza divina, em razão de quê elas são divinas? Considere a seguinte analogia: Uma maneira de ser felino é exemplificar a natureza de um gato. Mas também existem outras maneiras de ser felino. Tanto o
DNA de um gato quanto seu esqueleto são felinos, mesmo que não sejam um gato. Isto também não é um tipo de degradação ou de atenuação do carater felídio: o esqueleto de um gato é plena e inequivocamente felino. De fato, um gato simplesmente é um felino, assim como o esqueleto de um gato é um esqueleto felino. Se um gato é felino em virtude de ser um exemplo da natureza do gato, em virtude do quê o DNA ou o esqueleto de um gato são felinos? Uma resposta plausível é que eles são partes de um gato. Isto sugere a possibilidade de pensar nas pessoas da Trindade como divinas por ser parte da Trindade, ou seja, partes de Deus. É óbvio, porém, que as pessoas não são partes de Deus no mesmo sentido em que um esqueleto é parte de um gato, mas, dado que o Pai, por exemplo, não é toda a Divindade, parece inegável que existe algum tipo de relacionamento parte-todo obtido entre as pessoas da Trindade e toda a Divindade.
Longe de diminuir a deidade das pessoas, tal idéia pode ser muito esclarecedora de sua contribuição à natureza divina, pois partes podem possuir propriedades que o todo não tem, e o todo pode ter uma determinada propriedade porque algumas das partes a possuem. Desse modo, quando atribuímos onisciência e onipotência a Deus [trindade], não estamos fazendo da Trindade uma quarta pessoa ou um agente; em vez disso, Deus [trindade]tem essas propriedades porque as pessoas as têm. Atributos divinos como onisciência, onipotência e bondade são fundamentados no fato de as pessoas possuírem essas propriedades, enquanto os atributos divinos como necessidade, asseidade e eternidade não são fundamentados dessa maneira. Com respeito a essa última afirmação, as pessoas possuem essas propriedades porque Deus, como um todo, as tem, pois as partes podem ter algumas propriedades em virtude do todo dos quais elas fazem parte. A questão é que se pensarmos na deidade das pessoas em termos da relação parte— todo que Deus é, então sua deidade não parece de
modo algum diminuída, porque elas não são instâncias da natureza divina.
Essa solução é não ortodoxa? É verdade que os pais da igreja insistiram diversas vezes que a expressão "e da substância do Pai” não deveria ser entendida como indicação de que o Filho fosse formado pela divisão ou separação da substância do Pai. Mas a preocupação aqui era claramente evitar imaginar
a substância divina como um tipo de “objeto” que poderia ser fracionado em pedaços menores. Tal crítica é totalmente compatível com nossa sugestão de que nenhuma pessoa é idêntica à Trindade como um todo, pois o relacionamento parte-todo em questão aqui não envolve partes inseparáveis. É simplesmente dizer que o Pai, por exemplo, não é toda a Divindade. Hilário, o pai da igreja de origem latina, parece captar a idéia muito bem quando afirma que “cada pessoa divina está na Unidade, contudo nenhuma pessoa é o único Deus” (On the Trinity 7,2; cf. 7.13,32).
Deve-se admitir, em contrapartida, que um número de credos pós-nicenos, provavelmente influenciados pela doutrina da simplicidade divina, realmente incluíram afirmações que podem ser construídas para identificar cada pessoa da Trindade como totalmente divina. Exemplos: o 11.° Concilio de Toledo (675) afirma que “Cada pessoa é totalmente Deus em si mesma”; o Credo atanasiano (5.° séc.) concita o cristão a “confessar que cada Pessoa é por si mesma Deus e Senhor” e o 4 .° Concílio de Latrão, ao condenar a idéia da Quaternidade divina, declara que “cada uma das Pessoas é essa realidade, viz, essa substância divina, essência ou natureza [...] o que o Pai é, essa mesma realidade o é também o Filho, essa o Espírito Santo”. Se essas declarações tinham o propósito de implicar que afirmações como “o Pai é Deus” são declarações de identidade, então elas ameaçam a doutrina da Trindade com incoerência lógica, pois a lógica da identidade exige que, se o Pai é idêntico a Deus e se o Filho é idêntico a Deus, então o Pai é idêntico ao Filho, o que os mesmos concílios também negaram.
Peter van Inwagen procurou defender a coerência de tais afirmações dos credos apelando para a identidade relativa. De acordo com essa idéia, a relação de identidade não é absoluta, mas é relativa a um tipo de coisa. Dizemos, por exemplo, “O sofá é da mesma cor da cadeira” (e não “O sofô é a cadeira”) ou “O prefeito João é uma pessoa igual ao aluno Joãozinho” (e não “O prefeito é
o aluno Joãozinho”). Dadas certas pressuposições, Van Inwagen mostra que podemos fàzer de maneira coerente não apenas declarações como “O Pai é o mesmo ser que o Filho”, “O Pai não é a mesma pessoa que o Filho”, mas até mesmo declarações paradoxais como “Deus é uma pessoa”, “Deus é a mesma pessoa que o Pai”, “Deus é a mesma pessoa que o Filho” e “o Filho não é a mesma pessoa que o Pai”. O problema fundamental do apelo à identidade relativa, porém, é que a própria noção de identidade relativa é reconhecida como espúria. O próprio van Inwagen admite que, à parte da teologia trihitária, não existem casos conhecidos de identidades alegadas relativas que não possam ser analisadas em termos da identidade clássica. Nosso exemplo do sofá e da cadeira não é de modo algum uma declaração de identidade, pois nenhuma das peças de mobília é de feto uma cor; em vez disso, elas possuem a mesma cor como uma propriedade. O exemplo do senhor prefeito é resolvido ao se levar a sério o tempo da sentença. Deveríamos dizer: “O senhor prefeito era o aluno Joãozinho”. Os alegados casos de identidade relativa nãosão apenas espúrios, mas existe um poderoso argumento teórico contrário à criação da identidade relativa. Suponha que duas coisas, x e y, pudessem ser o mesmo N, mas não pudessem ser o mesmo P. Num caso assim, x não poderia deixar de ser o mesmo P como o próprio x, mas y poderia. Portanto, x e y são discerníveis e, assim, não podem ser a mesma coisa. Mas então se segue que eles não podem ser o mesmo N, uma vez que eles não podem ser o mesmo
qualquer coisa. A identidade, portanto, deve ser absoluta.
Por último, mesmo admitindo a identidade relativa, sua aplicação à doutrina trinitária envolve pressuposições altamente dúbias. Deve-se supor, por exemplo, que x ey podem ser idênticos sem ser a pessoa idêntica. Note quão diferente isto é de se dizer que x ey são partes do mesmo ser, mas que são pessoas diferentes. A ultima declaração é semelhante à afirmação de que x e y são partes do
mesmo corpo, mas são mãos diferentes; a primeira é semelhante à afirmação de que x e y são corpos idênticos, mas são diferentes mãos. Van Inwagen confessa que ele não tem resposta para a pergunta de como x e y podem ser o mesmo ser sem serem a mesma pessoa ou, mais genericamente, de que maneira x ey podem ser o mesmo N sem serem o mesmo P. Parece, portanto, que a habilidade de declarar coerentemente as afirmações trinitárias discutidas que usam o aparato da identidade relativa é uma vitória apenas aparente.
Os protestantes levam diante do tribunal das Escrituras todas as declarações doutrinárias, até mesmo os credos conciliares, especialmente os credos deconcílios não ecumênicos. Nada nas Escrituras nos garante pensar que Deus é simples e que cada pessoa da Trindade é idêntica a toda a Trindade. Nada nas
Escrituras nos proíbe de sustentar que as três pessoas da Divindade se colocam em algum tipo de relação parte— todo com a Trindade. Portanto, o monoteísmo trinitario não pode ser condenado como não-ortodoxo num sentido bíblico. O monoteísmo trinitário parece, portanto, ser bastante justificado.
Tudo isso ainda nos deixa imaginando de que maneira três pessoas podem ser partes do mesmo ser, em vez de três seres separados. Qual é a diferença saliente entre tres pessoas divinas que são, individualmente, um ser, e três pessoas divinas que são juntas um único ser? 716
Talvez possamos dar início a essa questão por meio de uma analogia (não há razão para imaginar a existência de qualquer analogia com a Trindade entre as coisas criadas, mas analogias podem se mostrar úteis como trampolim para reflexões e formulações filosóficas). A mitologia greco-romana afirma que os portões do Hades são guardados por um cão de três cabeças chamado Cérbero. Podemos supor que Cérbero tenha três cérebros e, portanto, três estados distintos de consciência sobre qualquer coisa que venha a ser um cachorro.
Portanto, Cérbero, embora seja perceptivo, não possui uma consciência unificada. Ele tem três consciências. Poderíamos até mesmo atribuir nomes a cada uma delas: Rex, Bidu e Sapeca. O s centros de consciência são totalmente distintos e podem muito bem entrar em conflito um com o outro. Ainda
assim, com o objetivo de que Cérbero seja biologicamente viável — sem mencionar o objetivo de que ele funcione eficazmente como um cão de guarda —deve haver um considerável grau de cooperação entre Rex, Bidu e Sapeca. Apesar da diversidade de seus estados mentais, Cérbero é claramente um cão.
Ele é um organismo biológico único, possuidor da natureza canídea. Pode-se dizer que Rex, Bidu e Sapeca também sejam canídeos, embora não sejam três cachorros, mas partes do cão único Cérbero. Se Hércules tentasse entrar no Hades e Sapeca rosnasse para ele ou mordesse sua perna, Hércules poderia
muito bem relatar o fato dizendo “Cérbero rosnou para mim” ou “Cérbero me atacou”. Embora os pais da igreja respeitassem analogias como essa de Cérbero, uma vez que abandonamos a simplicidade divina, Cérbero parece representar o que Agostinho chamou imagem da Trindade entre as criaturas.
Podemos melhorar a história de Cérbero investindo-o de racionalidade e autoconsciência. Nesse caso, Rex, Bidu e Sapeca são plausivelmente agentes pessoais e Cérbero é um ser tripessoal. Se nos fosse perguntado o que torna Cérbero um ser único apesar de suas múltiplas mentes, sem dúvida
deveríamos responder: porque ele tem um único corpo físico. Mas suponha que Cérbero fosse morto e que suas mentes sobrevivessem à morte do corpo. Em que sentido elas ainda constituiriam um único ser? De que modo elas poderiam diferir intrinsecamente de três mentes exatamente similares sem-
pre corporificadas? Uma vez que, antes da Encarnação, as pessoas divinas são três mentes não corporificadas, em virtude do quê elas são um ser em vez de três seres individuais?
A questão do que faz com que várias partes constituam um único objeto, em vez de vários objetos distintos, é bastante difícil. Contudo, neste caso, talvez possamos ter algum entendimento ao refletir sobre a natureza da alma. Argumentamos que as almas são substâncias imateriais e vimos a possibilidade de os animais terem almas (v. cap. 11). As almas se apresentam em um grande espectro de capacidades e de faculdades variadas. Animais mais elevados, como chimpanzés e golfinhos, possuem almas mais ricamente dotadas de poderes do que a dos iguanas e das tartarugas. O que faz da
alma humana uma pessoa é que a alma humana é equipada com faculdades racionais de intelecto e volição que a capacitam a ser um agente auto-reflexivo autodeterminado. p. 717
Deus é muito semelhante a uma alma corporificada; o fato é que, como substância mental, Deus simplesmente parece uma alma. Naturalmente igualamos uma alma racional a uma pessoa, uma vez que a alma humana com a qual estamos acostumados são pessoas. Mas a razão de as almas humanas serem pessoas individuais se deve ao fato de que cada alma está equipada com um conjunto de faculdades racionais suficientes para ser uma pessoa. Suponha, então, que Deus é uma alma que recebeu três con-
juntos completos de faculdades cognitivas racionais, cada um deles suficiente para uma personalidade. Desse modo, Deus, embora seja uma alma, não seria uma pessoa, mas três, pois Deus teria três centros de autoconsciência, intencionalidade e volição, como afirmam os defensores do trinitarismo social. Está claro que Deus não seria três almas distintas porque as faculdades cognitivas em questão são todas as faculdades pertencentes a apenas uma alma, uma única substância imaterial. Portanto, Deus seria um ente que dá suporte a três pessoas, assim como nosso próprio ser, individualmente dá
suporte a uma pessoa. Tal modelo do monoteísmo trinitário parece dar um sentido claro à forma clássica “três pessoas em uma substância”.
Tal modelo, por fim, não caracteriza (embora não impeça) a derivação de uma pessoa da outra, incrustada na confissão de que o Filho é “gerado do Pai antes de todos os séculos, Luz de Luz, Verdadeiro Deus de Verdadeiro Deus, gerado, não feito” (Credo constantinopolitano). Deus poderia simplesmente existir eternamente com suas múltiplas faculdades e capacidades cognitivas. Em nossa visão, isto é o melhor, pois embora afirmada por meio de um credo, a doutrina da geração do Filho (e a processão do Espírito) é uma relíquia da cristologia do Logos que praticamente não encontra garantia no texto bíblico e apresenta a questão do subordinacionismo em relação à divindade a tal ponto que qualquer um que afirme a deidade de Cristo deve considerá-la bastante problemática.10
10 Pode-se encontrar o argumento de um especialista em teologia sistemática favorável ao
abandono da questão da geração eterna do Filho e a processão do Espírito em F e in b e r g , John S.
No one like him : the doctrine o f God. Wheaton, III.: Crossway, 2001, p. 488-92. Feinberg se
coloca ao lado da tradição de teólogos evangelicais como J . Oliver Buswelljr., que têm mostrado
apreensão em relação a essa doutrina. p. 718
Em conclusão, embora a doutrina da Trindade pertença à teologia revelada, e não à teologia natural, podemos perguntar se existe algum argumento positivo que possa ser oferecido a favor da plausibilidade dessa doutrina. Encerramos com um argumento que um grande número de filósofos cristãos têm
defendido a fàvor de Deus ser uma pluralidade de pessoas. Por definição, Deus é o maior ser concebível. Como o maior ser concebível, Deus deve ser perfeito. Um ser perfeito deve ser amoroso, pois o amor é uma perfeição moral — é melhor para uma pessoa ser amorosa do que não ser. Portanto, Deus deve ser um ser perfeitamente amoroso. É da própria natureza do amor doar de si mesmo. O amor alcança outra pessoa em vez de centrar-se totalmente em si mesmo. Desse modo, se Deus é perfeitamente amoroso pela própria natureza, ele deve dar de si mesmo em amor a outro. Mas quem é este outro? Não pode ser nenhuma pessoa criada, uma vez que a criação é resultado do livre-arbítrio
divino, não o resultado de sua natureza. Amar pertence à essência de Deus, mas criar, não. Assim, podemos imaginar um mundo possível no qual Deus seja perfeitamente amoroso e, ainda assim, não exista nenhuma pessoa criada. Desse modo, pessoas criadas não podem explicar suficientemente a quem Deus ama. Além do mais, a cosmologia contemporânea torna plausível que pessoas criadas nem sempre tenham existido. Mas Deus é eternamente amoroso. Desse modo, o conjunto de pessoas criadas, tomado isoladamente, não é suficiente para ser responsável pelo fato de Deus ser perfeitamente amoroso. O que
resulta, portanto, é que “o outro” a quem o amor de Deus é necessariamente direcionado deve ser interior ao próprio Deus.
Em outras palavras, Deus não é uma pessoa única e isolada, como formas unitárias de teísmo afirmam, p. ex., o islã; em vez disso, Deus é uma pluralidade de pessoas, como a doutrina cristã da Trindade afirma. Na visão unitária, Deus é uma pessoa que não dá de si mesmo essencialmente em
amor por outro; ele está concentrado em si mesmo. Conseqüentemente, não é possível que ele seja o ser mais perfeito. Contudo, na visão cristã, Deus é uma tríade de pessoas em relacionamentos eternos de amor altruísta. Desse modo, por ser Deus essencialmente amoroso, a doutrina da Trindade é mais
plausível que a doutrina unitária de Deus.
R e s u m o d o c a p í t u l o
A doutrina da Trindade surge da reflexão sobre os dados escriturísticos que estabelecem a distinção pessoal e a divindade do Pai, do Filho e do Espírito Santo. A antiga cristologia do Logos procurou explicar a pessoa do Filho em termos da projeção externa da razão imanente de Deus. Rejeitando a negação que o modalismo faz da distinção das pessoas e a negação ariana da plena deidade das pessoas, a igreja articulou a posição de que em Deus existem três pessoas da mesma substância. O pensamento contemporâneo sobre a Trindade, tende a dividir-se entre dois campos: o trinitarismo social e o trinitarismo anti-social. De acordo com o primeiro, existem três centros de autoconsciência em Deus, e o último tende a pensar em Deus em termos de uma consciência unitária. O trinitarismo anti-social acha difícil evitar o modalismo, ao passo que o perigo assolador do trinitarismo social é o triteísmo. Das várias formas de trinitarismo social — como o monoteísmo funcional, o monoteísmo da mente grupal e o monoteísmo trinitário — , o último tem as melhores perspectivas para facilitar uma explicação ortodoxa de como o Deus único pode ser três pessoas. Uma vez que Deus é essencialmente amor altruísta, a doutrina da Trindade é mais plausível que a doutrina unitária de Deus." p. 719
Moreland,J.P.
Filosofia e cosmovisão cristã / J . P. Moreland,
W illiam Lane Craig. — São Paulo : Vida Nova, 2005.
Título original: Philosophical Foundations for
a Chistian Worldview.
Vários tradutores.
Bibliografia.
IS B N 978-85-2 7 5 -0 3 3 3 -4
1. Cristianismo - Filosofia 2 . Filosofia e
religião I. Graig, William Lane. II.T ítulo.
Conclusão:
Craig não é herege, a leitura preciptada e parcial de sua obra leva a esse tipo de equívoco
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