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quarta-feira, 26 de abril de 2023

MITOS SOBRE A FELICIDADE DESFEITOS PELA PESQUISA ACADEMICA

 

Felicidade- como obter?




TEXTO ADAPTADO DE:

Felicidade: uma revisão / Happiness: a review
Ferraz, Renata Barboza; Tavares, Hermano; Zilberman, Monica L.
Rev. psiquiatr. clín. (São Paulo) ; 34(5): 234-242, 2007.


FELICIDADE CULTURA E PAÍSES RICOS

Comparações feitas entre grandes amostras populacionais de diferentes países demonstram diferenças robustas e estáveis nos níveis de felicidade. Um grande estudo (Ingleman e Klingemann, 2000) realizado em países da União Européia entre os anos de 1973 e 1998 demonstrou que, ano após ano, cidadãos dinamarqueses tinham cinco vezes maior probabilidade de se declararem “muito satisfeitos” com suas vidas quando comparados a cidadãos italianos ou franceses, e doze vezes mais se comparados a portugueses. Nações mais ricas costumam reportar índices mais elevados de felicidade em comparação a nações mais pobres (Ingleman e Klingemann, 2000). Isto é, de modo geral, indivíduos que vivem nas regiões mais ricas do globo (América do Norte, Austrália, Europa Ocidental e Japão) reportam escores de felicidade mais altos do que aqueles que vivem em regiões mais pobres (África e Ásia). Isso, porém, não explica o caso de muitos países da América Latina, onde os índices médios de felicidade são comparáveis aos da Austrália e do Japão (Veenhoven, 1991). No campo das ciências sociais, o World Values Surveys (WVS) é a maior pesquisa internacional já realizada, abordando de forma abrangente o sistema de valores humanos em mais de 60 países. O último estudo publicado, referente aos anos de 1999 a 2002, apontou que os escores mais elevados de felicidade foram encontrados, por ordem decrescente, em Porto Rico, México, Dinamarca e Colômbia. O Brasil é o 32o país do ranking, e os Estados Unidos, o 15o (Inglehart et al., 2004; World Values Survey Association, 2006)


RIQUEZA E FELICIDADE 

A literatura aponta que tanto para nações quanto para indivíduos, superado um limiar de subsistência com dignidade (incluindo comida, água e saneamento básico), o aumento do poder aquisitivo não se correlaciona com um incremento significativo nos níveis de felicidade (Csikszentmihalyi, 1999; Veenhoven, 1991). Isto foi confirmado em um trabalho de revisão publicado em 2002 por Diener e Biswas-Diener. Mais recentemente, Kahneman et al. (2006) demonstraram que pessoas com poder aquisitivo acima da média não são mais felizes do que a população geral, quando se medem experiências momento a momento. Esses indivíduos são mais tensos e não destinam mais tempo a atividades prazerosas. Nessa linha de investigação, Diener et al. (1985a) avaliaram os níveis de felicidade, satisfação com a vida, afetos positivos e negativos reportados por uma amostra de indivíduos selecionada a partir de uma lista publicada na revista Forbes, que apontou as pessoas mais ricas dos Estados Unidos. Tal amostra relatou apenas um pequeno incremento nos níveis de bem-estar quando comparados com a média norte-americana; e 37% dos sujeitos reportaram níveis de felicidade inferiores aos da média. Não existem pesquisas científicas sobre felicidade na população brasileira, exceto os dados de pesquisas internacionais já mencionados. Ainda dispomos de estudos mercadológicos, realizados com intenções voltadas para o jornalismo ou o marketing, porém tais pesquisas não foram incluídas nessa revisão por estarem fora dos nossos objetivos.


 CONFIANÇA E MORBIDADE E MORTALIDADE

A associação entre saúde física e felicidade também já foi bastante testada e, a esse respeito, Salovey et al. (2000) publicaram uma revisão, na qual concluem que muito mais se sabe acerca de como estados psicológicos negativos afetam a saúde física (especialmente fragilizando o sistema imunológico) do que como estados positivos podem protegê-la. Ainda assim, argumentam que substituir emoções negativas por emoções positivas pode ter efeitos terapêuticos e preventivos. Pressman e Cohen (2005) revisaram as publicações que analisam a relação entre saúde e afetos positivos, concluindo que há evidência de menor mortalidade em populações com altos índices de afetos positivos mensurados como traço. Por outro lado, afirmam que índices excessivamente elevados de afetos positivos  podem estar associados a um aumento de morbidade e mortalidade. Isso poderia ser explicado por uma tendência a subestimar riscos, diminuindo os cuidados dispensados à saúde. 

IDADE E FELICIDADE

Quanto ao efeito da idade nos escores de felicidade, Watson (2000) observa que, embora haja a crença popular de uma típica “crise da meia-idade”, ou da “síndrome do ninho vazio” que diminuiria a felicidade em determinadas fases da vida, as pesquisas relatam uma variação muito pequena ao longo dessas etapas. Inglehart (1990) analisou seis faixas etárias distintas (dos 15 aos 24 anos, 25 a 34, 35 a 44, 45 a 54, 55 a 64, 65 ou mais anos), obtendo níveis de satisfação com a vida virtualmente idênticos. Stock et al. (1983) conduziram uma meta-análise investigando a correlação entre idade e bem-estar e concluíram que é praticamente nula.   

GÊNERO E FELICIDADE

 Embora as mulheres sejam mais predispostas a transtornos ansiosos e depressivos (American Psychiatric Association, 2000), o gênero é outra característica sociodemográfica que não prediz felicidade (Watson, 2000). Haring et al. (1984) realizaram uma meta-análise composta por 146 estudos e apontam que o gênero contribuiu com menos de 1% para a variação dos índices de bem-estar reportados. Inglehart (1990) entrevistou mais de 150 mil pessoas ao longo de 16 países, obtendo índices equivalentes de satisfação com a vida entre os dois gêneros. Isso não quer dizer que eles se comportem de maneira idêntica afetivamente, pois se sabe que as mulheres tendem a reportar índices de afetos positivos e negativos discretamente mais elevados do que os homens (Argyle, 1987; Diener, 1984; Myers e Diener, 1995). 

GENERO E ESTADO CIVEL

Em relação ao estado civil, pesquisas indicam que o casamento tem pouca influência na felicidade. Por meio de uma meta-análise de 58 estudos realizados nos Estados Unidos, Haring-Hidore et al. (1985) concluíram que o efeito representado pelo casamento nos níveis de felicidade é de apenas 0,14. Demo e Acock (1996) compararam mães solteiras, casadas e re-casadas e chegaram a uma conclusão semelhante. Lykken e Tellegen (1996) reportaram que o estado civil predisse menos de 1% da variação de felicidade em sua amostra, que era composta por gêmeos na idade adulta. Watson (2000) observa, no entanto, que entre pessoas “muito felizes”, há uma maior representação de pessoas casadas, sugerindo que a felicidade cause casamento, e não o oposto. 

FILHOS E CASAMENTO

Quanto à presença de filhos, algumas pesquisas apontam que eles têm um efeito nulo ou fracamente negativo nos níveis de bem-estar (Diener, 1984). Myers e Diener (1995) aferiram que os filhos tendem a funcionar como um estressor da relação conjugal, de forma que o casamento costuma melhorar quando eles passam a morar fora da casa dos pais. Ainda em relação a aspectos sociodemográficos e culturais, Diener et al. (1995) concluíram que a atratividade física foi responsável por uma variância pequena nos níveis de satisfação com a vida, afetos positivos e negativos de sua amostra, composta por jovens estudantes. 

APARENCIA FÍSICA E FELICIDADE

De maneira análoga, Satterfield (2001) aferiu uma correlação fracamente positiva entre felicidade e aparência física. 

ESPIRITUALIDADE E FELICIDADE

Um fator que está moderadamente associado a maiores índices de felicidade é o comprometimento com a fé, seja por meio da religiosidade, seja por meio da espiritualidade. Enquanto a religiosidade pressupõe um sistema organizado de crenças e de práticas ritualísticas, a espiritualidade consiste numa busca pelo significado da vida e pelo estabelecimento de uma relação com o sagrado e o transcendental, sem necessariamente passar pelo desenvolvimento de práticas religiosas ou da participação numa comunidade. As pesquisas atestam que pessoas que se descrevem como religiosas ou espiritualistas tendem a reportar maiores índices de felicidade e satisfação com a vida (Argyle, 1987; Myers e Diener, 1995; Moreira-Almeida et al., 2006). Além disso, tais indivíduos parecem lidar melhor com eventos adversos que ocorram no curso de suas vidas, como desemprego, doenças ou luto (McIntosh et al., 1993). Acredita-se que existam pelo menos dois motivos que explicariam essa associação. Primeiro: a espiritualidade provê um sentido e um propósito para as vidas das pessoas, respondendo a uma série de questionamentos existenciais que comumente levam à angústia e à infelicidade.  O se gundo motivo é que, ao participarem de ritos em que há uma congregação de fiéis, os religiosos tendem a sentir-se menos solitários, e talvez por isso mais felizes (Watson, 2000). Moreira-Almeida et al. (2006), em artigo que inclui dados a respeito da população brasileira, revisaram mais de 800 pesquisas que enfocaram a relação entre saúde mental e religiosidade. Concluíram que há evidência suficiente para se afirmar que o envolvimento religioso habitualmente se associa à melhor saúde mental (conforme aferido por indicadores de bem-estar psicológico, tais como: satisfação com a vida, felicidade, afeto positivo e moral mais elevado) e a menor índice de transtornos psiquiátricos (menores índices de depressão, pensamentos e comportamentos suicidas e uso/abuso de álcool/ drogas). Esses achados foram replicados em diferentes culturas e religiões (Shapiro, 1994; Levin et al., 1996; Levin e Chatters, 1998; Levin et al., 2005).

EVENTOS EXTERNOS E FELICIDADE

 Os índices de felicidade costumam ser relativamente estáveis ao longo do tempo na vida de cada indivíduo, dependendo menos de eventos externos do que se imagina. Mesmo eventos dramáticos ou extraordinários – como uma lesão medular causando tetraplegia, ou ganhar um prêmio de loteria – não influem tanto nos níveis de felicidade reportados a longo prazo, como demonstraram Brickman et al. (1978) em um artigo que se tornou histórico. Esse trabalho conclui que as pessoas reagem intensamente a eventos bons ou ruins, porém tendem a adaptar-se a estes rapidamente, voltando para um nível de felicidade relativamente estável e semelhante ao que era previamente.


ASPECTOS PSICOLOGICOS E FELICIDADE

 Diener e Seligman (2002) realizaram uma pesquisa com 222 estudantes universitários utilizando diferentes escalas de felicidade, algumas de autopreenchimento e outras preenchidas por colegas, de modo a comparar os 10% mais felizes com a média e com o grupo de pessoas mais infelizes dentro dessa amostra. Esse foi o primeiro estudo de pessoas “muito felizes” na literatura, observando que tais indivíduos eram muito sociáveis, além de reportar relacionamentos românticos e interpessoais mais fortalecidos do que os grupos menos felizes. 

Quanto à personalidade, os “muito felizes” tinham maior porcentagem de traços como extroversão, afabilidade, além de terem um menor índice de neuroticismo e menores escores de psicopatologia em diferentes escalas. Por outro lado, não observaram diferenças em relação a atividade física, envolvimento em atividades religiosas ou ocorrência de eventos positivos entre os grupos. 

 Os autores concluíram que, isoladamente, nenhuma das variáveis testadas foi suficiente para a felicidade, mas que ter boas relações sociais foi necessário. Membros do grupo de pessoas mais felizes relatavam sentimentos positivos – mas não de euforia – a maior parte do tempo, além de humores negativos ocasionalmente.       Os estudos que avaliam a correlação entre personalidade e felicidade comprovam que traços como extroversão e auto-estima estão relacionados com maiores índices de felicidade, enquanto neuroticismo associa-se a níveis menores (Diener et al., 2003). Tellegen et al. (1988) estudaram gêmeos separados ao nascimento, concluindo que metade da variância do bem-estar subjetivo era explicada por fatores herdados geneticamente, como o temperamento. 


CARÁTER E FELICIDADE

Cloninger (2006) aponta que, se dinheiro, poder e fama não ajudam as pessoas a serem mais felizes, o desenvolvimento do caráter pode fazê-lo. Apresenta evidências demonstrando que altos níveis dos componentes do caráter (autodirecionamento, cooperatividade e autotranscendência) correlacionam-se com maior freqüência de emoções positivas e menor freqüência de emoções negativas.    Ainda a respeito do caráter na composição da personalidade, um conceito bastante estudado por autores da psicologia positiva nos Estados Unidos é a autodeterminação. Isto pode relacionar-se ao fato de a cultura norteamericana valorizar muito a autonomia, a liberdade e a autodeterminação humanas. 

Ryan e Deci (2000) discutem essa questão e acreditam que o desenvolvimento social e o bem-estar subjetivo de um indivíduo estariam otimizados quando houvesse o cumprimento de três necessidades humanas fundamentais: (1) a necessidade de competência; (2) a necessidade de pertencimento; (3) a necessidade de autonomia. Segundo os autores, pessoas nessas condições estariam internamente motivadas, sendo capazes de expressar suas potencialidades e de perseguir desafios progressivamente maiores. Satterfield (2001) observa que valores yuppies – como dar maior ênfase ao dinheiro e ao sucesso profissional do que ter amigos íntimos ou um bom casamento – estão intensamente associados a menores índices de felicidade, enquanto Larson (2000) sugere que o tédio, a alienação e a falta de conexão com atividades e valores levam crianças e adolescentes a níveis de infelicidade preocupantes, e que, nesse sentido, o envolvimento com esportes e artes poderia ajudar a motivá-los e envolvê-los em atividades capazes de trazer maior satisfação

 Csikszentmihalyi estuda a felicidade há cerca de 35 anos, tendo criado o conceito de flow. O termo ainda não foi padronizado na língua portuguesa, mas a própria palavra “fluxo” expressa o significado conceitual que o autor propôs: um estado mental operacional em que o indivíduo está completamente imerso e concentrado no que está fazendo, sendo bem-sucedido na atividade e derivando dela um grande prazer. Construiu esse conceito por meio de um grande número de entrevistas qualitativas nas quais as “pessoas felizes” relatavam suas percepções e experiências. O autor acredita que o fluxo é uma forma do que denominou optimal experience, isto é, uma vivência de funcionamento mental e psicológico ótimo (Csikszentmihalyi, 1990).  Vaillant (2000) investigou a felicidade enquanto traço, estudando três grandes amostras de adultos ao longo de várias décadas. Criou uma “escala de funcionamento defensivo”, capaz de mensurar diferentes defesas psicológicas, concluindo que o desenvolvimento do que chama de “defesas da maturidade” – como o altruísmo, a sublimação, o humor e a antecipação – tem um grande papel na manutenção de uma vida plena de alegria e de sucesso.  

FELICIDADE E PATOLOGIAS PSÍQUICAS

Outro aspecto discutido pela literatura é a relação entre felicidade e psicopatologia. Watson (2000) pontua que altos índices de afetos negativos estão amplamente associados com psicopatologia de diferentes tipos, constituindo-se como um fator de suscetibilidade inespecífico. Baixos índices de afetos positivos, por sua vez, parecem estar relacionados com transtornos do humor, particularmente a depressão melancólica (Watson, 2000).  

OTIMISMO E FELICIDADE 

As pesquisas têm demonstrado que a relação entre eventos externos e o bem-estar gerado por estes é pequena (Brickman et al., 1978; Scheier et al., 1986; Scheier et al., 2001; Kahneman et al., 2006). Isto é, semelhante ao que diziam filósofos da Antigüidade, como Demócrito e Epiteto, não é o que acontece com o indivíduo que pode deixá-lo feliz, mas a maneira como ele interpreta esses acontecimentos

Um dos traços que medeia a interpretação da realidade pelo indivíduo é o otimismo. Seligman e Csikszentmihalyi (2000) apontam que podemos nos referir desde a um otimismo circunstancial (“Hoje vou achar uma boa vaga para estacionar meu carro”) até um otimismo mais generalizado (“A humanidade está evoluindo inequivocamente para melhor”). A relação entre a felicidade e esse segundo tipo de otimismo, como traço, é especialmente estudada pela psicologia positiva. Tais pesquisadores acreditam que é o otimismo que leva ao sucesso, e não o oposto. Peterson (2000) considera que o otimismo tem componentes cognitivos, emocionais e motivacionais. 

Observa que pessoas que tendem a explicar eventos negativos como externos à sua pessoa (“não é minha culpa”), instáveis (“não acontecerá novamente”) e específicos (“isso se aplica apenas a esse evento”) geralmente têm melhor humor, mais motivação, mais perseverança, além de alcançarem maior sucesso e experimentarem melhores condições de saúde física


Taylor et al. (2000) realizaram um estudo que concluiu que ter crenças otimistas acerca do futuro pode proteger contra o agravamento de determinadas doenças. De fato, esses resultados mostram que pacientes portadores de Aids que se mantêm otimistas (mesmo que contra os dados de realidade) sobrevivem mais tempo do que os que têm uma visão mais objetiva e realista em relação à  sua saúde. Os pesquisadores explicam que o efeito positivo do otimismo seria intermediado primordialmente por mecanismos cognitivos: um paciente otimista tem maior probabilidade de aderir a hábitos que promovam sua saúde, além de estar mais motivado, investindo ativamente no seu tratamento. Além disso, sabe-se que uma atitude otimista costuma estimular mais a rede de suporte social adjacente ao doente, o qual pode ficar mais bem amparado para enfrentar as adversidades. 

Existem pesquisas que demonstram uma relação do otimismo com: (1) aumento no bem-estar subjetivo (Scheier et al., 1989; Khoo e Bishop, 1997); (2) elevação da auto-estima (Dunn, 1996); (3) baixo índice de depressão (Carver e Gaines, 1987; Marshall e Lang, 1990);  (4) baixo índice de emoções negativas (Curbow et al., 1993; King et al., 1998); (5) alto índice de satisfação com a vida (Chang, 1998); (6) boa saúde (Scheier et al., 1999); (7) menor taxa de mortalidade associada a câncer (Schulz et al., 1996); e (8) melhor qualidade de vida (Wrosch e Scheier, 2003).   

RESILIENCIA E FELICIDADE

  Outra linha de investigação pesquisa questões ligadas à resiliência. Tal conceito refere-se à capacidade de o indivíduo enfrentar e vencer situações adversas, saindo fortalecido e transformado dessas experiências. Luthar et al. (2000) definem resiliência como “um processo dinâmico que tem como resultado a adaptação positiva em contextos de grande adversidade”. A resiliência é estudada especialmente nas crianças, sendo considerada por Grotberg (2005) como uma característica da saúde mental. O trabalho de Werner e Smith (1992) representou um marco na estruturação do conceito. As autoras realizaram um estudo longitudinal no Havaí, acompanhando por mais de 30 anos a vida de cerca de 500 pessoas, do período pré-natal à idade adulta. Muitos desses sujeitos acabaram sendo submetidos a situações de grande estresse, tais como: condições de pobreza extrema, dissolução da rede familiar, alcoolismo, situações de abuso e de fome. Apesar disso, uma parte deles foi capaz de superar as dificuldades, saindo fortalecida das adversidades. As autoras assinalaram que, mais do que portadores de uma condição genética especial ou de condições cognitivas privilegiadas, os resilientes tiveram o apoio irrestrito de algum adulto significativo, familiar ou não, durante o seu desenvolvimento (Werner e Smith, 1992). Vaillant e Davis (2000), também por meio de um estudo longitudinal, concluem que a resiliência não se relaciona com a inteligência nem a classe socioeconômica. Kaplan (1999) e Infante (2005) afirmam a existência de duas gerações de pesquisadores em resiliência. A primeira geração, iniciada na década de 1970, concentrou-se na investigação de fatores protetores que operam na adaptação positiva a situações adversas, como a autoestima e a autonomia (Werner e Smith, 1992; Kaplan, 1999), mais tarde ampliando o foco para a investigação de fatores externos ao indivíduo (nível socioeconômico, estrutura familiar, presença de um adulto próximo). 

Esse grupo se identificou com um modelo triádico que se apóia: (1) nos atributos individuais da pessoa resiliente; (2) nos aspectos familiares; e (3) nas características sociais circundantes. A partir da década de 1990, uma segunda geração retomou o interesse inicial em estudar aspectos individuais dos resilientes. Rutter (1987) propôs o conceito de mecanismos protetores, enquanto Grotberg (1999) formulou o conceito que dá base ao Projeto Internacional de Resiliência, postulando que tal atributo requer a interação de recursos advindos de três níveis: (1) suporte social (o que denominou “eu tenho”); (2) habilidades (“eu posso”); e (3) força interna (“eu sou”).  

GRATIDÃO E FELICIDADE

  Um outro aspecto psicológico que está relacionado com índices mais elevados de felicidade é a gratidão. Estudos demonstram que pessoas que reportam uma freqüência aumentada desse sentimento têm maiores índices de afetos positivos, bem-estar e felicidade (McCullough et al., 2002; Emmons e McCullough, 2003; McCullough et al., 2004).  Emoções positivas Watson (2000) considera que as emoções positivas são tanto causa como conseqüência da felicidade. Huppert e Whittington (2003) aferiram que o “bemestar positivo” e o “bem-estar negativo” são variáveis independentes, isto é, podem não se encontrar em oposição. Assim, pode-se estar imerso num estado neutro, não sentindo particularmente bem nem mal-estar, assim como experimentar emoções positivas e negativas concomitantemente. Tais autores apontam que morbidade e mortalidade estão mais intensamente associadas à ausência de emoções positivas do que à presença de emoções negativas. Larsen e Diener (1992) descrevem estados afetivos agradáveis associados a baixo e a alto nível de excitação autonômica, ou seja, dois tipos de felicidade: uma excitada (com sensações de êxito, surpresa, júbilo) e outra relaxada (paz de espírito, serenidade, saciedade).  Diener (2000) observa que as pessoas mais felizes reportam maior freqüência de afetos positivos, mas não maior intensidade. Assim, afirma que buscar sentimentos de êxtase relacionados a novos acontecimentos (por exemplo: na carreira ou nas relações amorosas) conduz muito mais para a decepção do que para a felicidade



CONCLUSÕES

  Conclui-se que a felicidade é um fenômeno predominantemente subjetivo, estando subordinada mais a traços de temperamento e postura perante a vida do que a fatores externamente determinados. Isto coloca a questão da felicidade dentro dos campos da Psiquiatria e da Psicologia, os quais vêm ampliando seus horizontes para além do mero alívio dos sintomas mentais. Porém, essa expansão ainda é incipiente, particularmente no que se refere a estudos em nosso meio, até o momento inexistentes. Resultados nesse sentido podem vir a orientar estratégias de promoção da saúde mental que sejam específicas à nossa população.