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segunda-feira, 1 de janeiro de 2024

Você foi criado para adorar? Ou foi te dado o privilégio de contemplar o ser mais sublime do universo? C.S.Lewis





VOCÊ FOI CRIADO PARA ADORAR OU PARA TER O PRIVILEGIO DA AUTOCONSCIENICA, CONSCIENCIA  DO MUNDO E DO CRIADOR?

ADORAR É UMA CONSEQUENCIA DA CRIAÇÃO HUMANA AO CONTEMPLAR O CRIADOR OU UMA FINALIDADE?



"UMA PALAVRASOBRE LOUVOR É POSSÍVEL (e eu até espero que seja assim) que este capítulo seja desnecessário para a maioria das pessoas. Quem nunca foi sensível o bastante para enfrentar as dificuldades das quais ele trata talvez até o ache engraçado. Se alguma dessas pessoas rir, eu não me incomodarei com isso; uma dose de comicidade, em qualquer discussão, não faz mal, por mais sério que seja o assunto. (Em minha própria experiência, as coisas mais engraçadas aconteceram durante as conversas mais sérias e sinceras). Quando comecei a me aproximar da crença em Deus, e mesmo depois de ter sido totalmente convertido a ela, encontrei uma dificuldade no fato de que as pessoas religiosas, todas elas, costumam exigir, muito abertamente, que "louvemos" a Deus, inclusive sugerindo que o próprio Deus exige que seja assim. 


 Todos nós costumamos desprezar aqueles que fazem questão de continuamente afirmar a própria virtude, inteligência ou prazer; costumamos desprezar com mais intensidade as multidões que se reúnem ao redor de todo ditador, de todo milionário, de toda celebridade que satisfaça essa exigência. Por isso, começou a surgir em minha mente um retrato ao mesmo tempo ridículo e horrível tanto de Deus quanto de seus adoradores. Nesse sentido, os salmos eram particularmente incômodos: "Louve ao Senhor"; "ó louvai ao Senhor comigo"; "Louvai-o". (E por que cargas d'água louvar a Deus consiste, frequentemente, em dizer às outras pessoas que o louvem? Por que até mesmo dizer às baleias, tempestades de neve etc. que continuem fazendo o que certamente fariam, quer disséssemos a elas ou não?) Pior ainda foi a declaração colocada na boca do próprio Deus: "Quem me oferece sua gratidão como sacrifício, honra-me" (Sl 50.23). Foi tão medonho quanto dizer: "O que mais quero ouvir é que sou bom e grande''. O pior de tudo foi a sugestão da mais tola barganha pagã, a do selvagem que faz ofertas ao seu ídolo quando a pesca é boa e que bate nele quando não pesca nada. Por mais de uma vez, os salmistas parecem estar dizendo: "Você gosta de elogios. Faça isso para mim e receberá alguma coisa em trocà'. Assim, no Salmo 54 o poeta começa dizendo: "Salva-me"(v. 1) e, no versículo 6, acrescenta uma persuasão: "Eu te oferecerei um sacrifício voluntário; louvarei o teu nome, ó Senhor''. Repetidas vezes, o narrador pede para ser salvo da morte com base no fato de que, se Deus permitir que seus suplicantes morram, ele não receberá mais louvor deles, pois os fantasmas no Sheol não podem louvar (30.9; 88.10; 1 19.175). E até mesmo a quantidade de louvor parecia ser importante: "Sete vezes por dia eu te louvo" ( 119.164). Era extremamente angustiante. Fazia com que as pessoas pensassem naquilo em que elas menos queriam pensar. Eu até poderia compreender a gratidão, a reverência e a obediência a Deus, mas não entendia  esse elogio perpétuo.


 E houve um autor contemporâneo que em nada ajudou a apaziguar os nossos ânimos ao falar sobre o "direito" de Deus de ser louvado. Eu ainda considero "direito" uma palavra ruim para expressar essa ideia, mas acredito que agora entendo o que o autor quis dizer. Talvez seja mais fácil começar com objetos inanimados, que não têm direitos. O que queremos dizer quando afirmamos que um quadro é "admirável"? Certamente não queremos dizer que ele é admirado (e talvez seja), pois uma obra ruim é admirada por milhares e uma obra boa pode ser ignorada. Nem que ele "mereça" admiração no mesmo sentido que um candidato "merece" que notas altas lhe sejam atribuídas pela banca de examinadores - ou seja, que um ser humano sofrerá uma injustiça se não for recompensado. O sentido no qual o quadro "merece" ou "exige" admiração é o seguinte: a admiração é a resposta correta, adequada ou apropriada a ele, e essa admiração, se satisfeita, não será "jogada fora"; por outro lado, se não o admirarmos, seremos estúpidos, insensíveis e grandes derrotados, pois teremos perdido algo. Desse modo, muitos obj etos que conhecemos, tanto na natureza quanto no mundo da arte, podem merecer, ser dignos de ou exigir admiração. Foi a partir desse raciocínio, que para alguns pode até parecer irreverente, que achei melhor abordar a ideia de que Deus "exige" o louvor. Ele é aquele objeto a ser admirado (ou, se você preferir, apreciado), o que significa simplesmente despertá-lo, trazê-lo para o mundo real. Por outro lado, não apreciá-lo significa perder a maior das experiências e, no fim, perder tudo. As vidas incompletas e mutiladas dos que estão fora do tom, que nunca se apaixonaram, nunca conheceram a verdadeira amizade, nunca se envolveram com um bom livro, nunca desfrutaram do sentimento do ar da manhã em seus rostos, nunca (e eu sou um desses) apreciaram futebol, são imagens débeis disso. 


Mas, é claro, isso não é tudo. Deus não "exige" louvor somente como o objeto supremamente belo e totalmente satisfatório a ser louvado. Ele aparentemente o ordena como legislador que é. Os judeus foram orientados a oferecer sacrifícios. Nós sentimos que temos o dever de ir à igreja. Mas, por outro lado, isso foi uma dificuldade pelo simples fato de eu não entender nada do que tentei dizer anteriormente, no capítulo 5. Não enxergava que é no processo de ser adorado que Deus comunica sua presença aos homens. E o louvor não é, de fato, o único modo de adorar a Deus. No entanto, para muitas pessoas, em muitas épocas, a "beleza do Senhor" é revelada principalmente ou somente enquanto nós o adoramos juntos. Mesmo no judaísmo, a essência do sacrifício não era, em verdade, o fato de os homens oferecerem bois e bodes a Deus, mas o fato de que, ao fazê-lo, Deus se apresentaria aos homens. No ato central de nossa própria adoração, é claro, isso se torna bem mais evidente: De uma forma patente e até física, existe, por um lado, o Deus que concede e, por outro, nós, os que recebemos. A infeliz ideia de que Deus deveria, de um jeito ou de outro, precisar da nossa adoração ou desejá-la da mesma forma como uma mulher vaidosa deseja receber elogios, ou um autor vaidoso oferece seus novos livros a pessoas que nunca o conheceram ou ouviram falar dele, é implicitamente respondida com as seguintes palavras: "Se eu tivesse fome, precisaria dizer a você?" (Sl 50.12). Mesmo se fosse possível conceber tal deidade absurda, ela dificilmente viria a nós, as mais inferiores das criaturas racionais, para satisfazer seu apetite. Eu não quero que o meu cachorro lata em sinal de aprovação aos meus livros. E agora que parei para pensar nisso, existem algumas pessoas cuja crítica, por mais favorável que seja, não me seria tão gratificante. No entanto, o mais óbvio sobre o louvor - quer dirigido a Deus ou a qualquer outra coisa - eu estranhamente não consegui compreender. Pensei nele como se fosse um elogio,  aprovação ou honraria.


 Nunca havia notado que toda apreciação transborda espontaneamente em forma de louvor quando (e às vezes até mesmo se) a timidez ou o medo de incomodar os outros são deliberadamente admitidos e analisados. O mundo está cercado de louvor: amantes elogiam seus amados e suas amadas; os leitores elogiam seu poeta preferido; os caminhantes elogiam o campo; os jogadores elogiam seus jogos favoritos; há o louvor ao clima, aos vinhos, às louças, aos atores, aos carros, aos cavalos, às faculdades, aos países, a personagens históricos, a crianças, flores, montanhas, selos e insetos raros e, às vezes, até mesmo a políticos e estudiosos. Eu não havia notado como as mentes mais humildes e, ao mesmo tempo, mais equilibradas e capazes prestavam mais louvores, enquanto as excêntricas, desajustadas e descontentes elogiavam menos. Os bons críticos encontraram algo para elogiar em muitas obras imperfeitas; os maus continuamente limitavam-se à lista de livros que tínhamos a permissão de ler. O homem saudável e sincero, mesmo se educado no luxo e com bastante experiência em boa gastronomia, seria capaz de elogiar uma refeição muito modesta; os que sofrem de indigestão e que são arrogantes, por sua vez, acham defeito em tudo. Exceto onde as circunstâncias intoleravelmente adversas interferem, o louvor parece quase ser uma manifestação de saúde interior. E isso também acontece nos casos em que, por conta da falta de habilidade, as formas pelas quais o louvor se expressa são muito grosseiras ou mesmo ridículas. Deus sabe como muitos poemas de louvor dirigidos a um ser amado e terreno são tão ruins quanto os nossos piores hinos, e que uma antologia de poemas de amor que pudessem ser lidos por todos e por toda a eternidade seria provavelmente um teste tão doloroso ao gosto literário quanto os Hinos Antigos e Modernos. Eu não havia notado que, assim como os homens espontaneamente elogiam as coisas todas que valorizam, eles também espontaneamente nos conclamam a juntar-se a eles  nesse louvor: "Ela não é adorável? Aquilo não foi glorioso? Você não acha que isso é maravilhoso?". 

Ao conclamar todas as pessoas a louvar a Deus, os salmistas estão fazendo o que todos os homens fazem quando falam sobre as coisas com as quais se importam. Toda a minha dificuldade, a mais ampla dificuldade sobre o louvor a Deus, baseava-se em minha absurda resistência - no que diz respeito àquele que é o que há de mais valioso - ao que temos prazer em fazer, ao que não conseguimos deixar de fazer e em relação a tudo o mais que valorizamos. Penso que temos prazer em louvar o que apreciamos porque o louvor não somente expressa como também complementa a apreciação; ele é a própria consumação dessa apreciação. Quando amantes continuamente dizem um ao outro o quão belo ele (ou ela) é, não o fazem apenas por dever; o prazer é incompleto até que seja expresso. É frustrante descobrir um novo autor e não poder dizer a ninguém quão bom ele é; chegar de repente em uma curva de uma estrada que corta um vale encravado na montanha, contemplar uma paisagem de esplendor inesperado e então ter de manter silêncio porque as pessoas que estão com você não dão a mínima para aquele cenário; ouvir uma boa piada e não encontrar ninguém para compartilhá-la (o ouvinte perfeito morreu um ano antes). Isso acontece quando as formas pelas quais nos expressamos são inadequadas, como elas efetivamente são na maioria das vezes. Mas e se uma pessoa encontrasse a maneira adequada de louvar a essas coisas com perfeição, de modo pleno e sincero, transformando em poesia, música ou pintura o sentimento de admiração que quase explode dentro dela? Assim, o objeto seria, de fato, plenamente apreciado e o nosso prazer teria chegado ao auge de sua perfeição. Quanto mais digno o objeto, mais intenso seria esse prazer. Se fosse possível a uma alma criada (eu quero dizer, na máxima medida concebível para um ser finito) "apreciar" plenamente, ou seja, amar e ter prazer no mais digno de todos os objetos existentes e, ao mesmo tempo, em todos os momentos expressar perfeitamente esse prazer, então essa alma estaria em suprema bem-aventurança.


 É ao longo destas linhas que descubro a maneira mais fácil de entender a doutrina cristã de que o "céu" é um estado no qual os anjos agora - e os homens no futuro - estão perpetuamente empenhados em louvar a Deus. Isso não significa que, como se pode tão tristemente sugerir, seja como "estar na igrejà', pois nossos "cultos", tanto em sua conduta quanto em nossa capacidade de participação, são meras tentativas de adorar, tentativas nunca plenamente bem-sucedidas, constituindo, na maioria das vezes, 99,9% de fracasso e, outras vezes, fracasso total. Não somos cavaleiros, mas aprendizes na escola de montaria, pois boa parte das nossas quedas e escoriações, bem como os músculos doloridos e a severidade do exercício, em muito superam aqueles poucos momentos nos quais estivemos, para nosso espanto, verdadeiramente galopando, sem temor e sem desastres. Para absorver o real significado da doutrina, devemos supor estar em perfeito amor com Deus - inebriados, inundados; dissolvidos por esse prazer que, longe de permanecermos presos e incomunicáveis em nós mesmos, nos torna imersos em uma felicidade quase intolerável que flui incessantemente de dentro de nós por meio de uma expressão natural e perfeita, fazendo com que a nossa alegria não mais se separe do louvor no qual ela se libera e se expressa, assim como o brilho que um espelho recebe não se separa do brilho que reflete. O catecismo escocês diz que o fim supremo do homem é "glorificar a Deus e desfrutá-lo para sempre''. Mas então saberemos que essas coisas são a mesma coisa. Desfrutar plenamente é glorificar. Ao ordenar que o glorifiquemos, Deus está nos convidando a desfrutarmos dele. Enquanto isso, é claro, estamos simplesmente, como Donne diz, afinando os nossos instrumentos. A afinação da orquestra pode ser prazerosa, mas somente para os que, em certa medida, embora pequena, conhecem a sinfonia e a absorvem. .


Os sacrifícios judaicos e mesmo os nossos próprios ritos mais sagrados, à medida que ocorrem na experiência humana, são, como o processo de afinação, uma promessa, não um desempenho. Assim sendo, como na afinação, eles podem ter em si muita responsabilidade e pouco prazer ou nenhum prazer. Mas a responsabilidade existe para o prazer. Quando cumprimos nossas "responsabilidades religiosas': somos como pessoas que abrem canais em uma terra seca a fim de que, quando a água finalmente brotar, possam estar prontas para tirar proveito dela. Ou, ao menos, parcialmente. Mesmo agora, há momentos felizes quando uma corrente desliza pelos berços secos; assim como são felizes as almas nas quais isso acontece com frequência. Quanto ao elemento de barganha proposto nos salmos ("faça isso e eu o louvarei"), esse arroubo tolo de paganismo certamente existiu. A chama não sobe pura do altar. As impurezas, no entanto, não são a sua essência. E não estamos todos em posição de desprezar mesmo os salmistas mais brutos no que diz respeito a esse quesito. É claro que não cometeríamos gafes em nossas palavras como eles cometem. Mas há, para o bem e para o mal, uma oração que dispensa palavras. Por muitas vezes, e de joelhos, fico chocado ao descobrir os tipos de pensamento que, em alguns momentos, dirijo a Deus - que ofertas infantis lhe fiz de fato, que pedidos realmente apresentei ou mesmo os acordos ou comprometimentos absurdos que eu propus, alguns deles conscientemente. Há, em algum lugar dentro de mim, um coração pagão e selvagem, pois, infelizmente, a perspicácia ao mesmo tempo idiota e tola do paganismo parece ter muito mais poder de sobrevivência do que os seus elementos inocentes e até mesmo belos. Uma vez que você tenha poder, é fácil silenciar os instrumentos, calar as danças, desfigurar as estátuas e esquecer as histórias; mas não é fácil matar a criatura selvagem, insaciável e assustada que se contorce e grita em nossa alma - a criatura a quem Deus pode muito bem perguntar: "Você pensa que eu sou como você?" (SI 50.21). 


 Mas tudo isso, como eu disse, é algo que ficará claro para apenas alguns dos meus leitores. Em outros, uma comédia de erros como essa e uma jornada assim tão tortuosa em busca do óbvio se traduzirão em uma ocasião perfeita para que se dê generosos risos."