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segunda-feira, 31 de maio de 2021

Antropologia Introdução



Esse texto é tirado do livro abaixo e mostra dentre muitas coisas o erro em teorizar um evolucionismo da religião que começa de formas simples como  totem e animismo, passado por politeísmo, monolatria (henoteísmo) até chegar no monoteísmo

Livro texto:

Aprender Antropologia. François Laplantine. São Paulo: Brasiliense, 2000.

 Conceito de Antropologia

 a) o estudo do homem inteiro; 

b) o estudo do homem em todas as sociedades, sob todas as latitudes em todos os seus estados e em todas as épocas. p. 16 


A antropologia não é apenas o estudo de tudo que compõe uma sociedade. Ela é o estudo de todas as sociedades humanas (a nossa inclusive 5 ), ou seja, das culturas da humanidade como um todo em suas diversidades históricas e geográficas. p. 20


Áreas da Antropologia

Só pode ser considerada como antropológica uma abordagem integrativa que objetive levar em considerar as múltiplas dimensões do ser humano em sociedade. Certamente, o acúmulo dos dados colhidos a partir de observações diretas, bem como o aperfeiçoamento das técnicas de investigação, conduzem necessariamente a uma especialização do saber. Porém, uma das vocações maiores de nossa abordagem consiste em não parcelar o homem mas, ao contrário, em tentar relacionar campos de investigação frequentemente separados. 

Ora, existem cinco áreas principais da antropologia, que nenhum pesquisador pode, evidentemente, dominar hoje em dia, mas `as quais ele deve estar sensibilizado quando trabalha de forma profissional em algumas delas, dado que essas cinco áreas mantém relações estreitas entre si. p.16

A antropologia biológica (designada antigamente sob o nome de antropologia física) consiste no estudo das variações dos caracteres biológicos do homem no espaço e no tempo. Sua problemática é a das relações entre o patrimônio genético e o meio (geográfico, ecológico, social), ela analisa as particularidades morfológicas e fisiológicas ligadas a um meio ambiente, bem como a evolução destas particularidades. O que deve, especialmente, a cultura a este patrimônio, mas também, o que esse patrimônio (que se transforma) deve `a cultura? Assim, o antropólogo biologista levará em consideração os fatores culturais que influenciam o crescimento e a maturação do indivíduo.


Ele se perguntará, por exemplo: por que o desenvolvimento psicomotor da criança africana ´e mais adiantado do que o da criança europeia? Essa parte da antropologia, longe de consistir apenas no estudo das formas de crânios, mensurações do esqueleto, tamanho, peso, cor da pele, anatomia comparada as raças c dos sexos, interessa-se em especial - desde os anos 50 - pela genética das populações, que permite discernir o que diz respeito ao inato e ao adquirido, sendo que um e outro estão interagindo continuamente. Ela tem, a meu ver, um papel particularmente importante a exercer para que não sejam rompidas as relações entre as pesquisas das ciências da vida e as das ciências humanas. p.17


A antropologia pré-histórica é o estudo do homem através dos vestígios materiais enterrados no solo (ossadas, mas também quaisquer marcas da atividade humana). Seu projeto, que se liga `a arqueologia, visa reconstituir as sociedades desaparecidas, tanto em suas técnicas e organizações sociais, quanto em suas produções culturais e artísticas. Notamos que esse ramo da antropologia trabalha com uma abordagem idêntica `as da antropologia histórica e da antropologia social e cultural de que trataremos mais adiante. O historiador é antes de tudo um historiógrafo, isto é, um pesquisador que trabalha a partir do acesso direto aos textos. O especialista em pré-história recolhe, pessoalmente, objetos no solo. Ele realiza um trabalho de campo, como o realizado na antropologia social na qual se beneficia de depoimentos vivos.3 


A antropologia linguística. A linguagem é, com toda evidencia, parte do patrimônio cultural de uma sociedade. E através dela que os indivíduos ´ que compõem uma sociedade se expressam e expressam seus valores, suas preocupações, seus pensamentos. Apenas o estudo da língua permite compreender:

  •  o como os homens pensam o que vivem e o que sentem, isto ´e, suas categorias psicoafetivas e psicocognitivas (etnolinguistica); 
  •  como eles expressam o universo e o social (estudo da literatura, não apenas escrita, mas também de tradição oral); 
  •  como, finalmente, eles interpretam seus próprios saber e saber-fazer (área das chamadas etnociências). p. 18


A antropologia linguística, que ´e uma disciplina que se situa no encontro de várias outras, 4 não diz respeito apenas, e de longe, ao estudo dos dialetos (dialetologia). Ela se interessa também pelas imensas ´áreas abertas pelas novas técnicas modernas de comunicação (mass media e cultura do audiovisual). p.19


A antropologia psicológica. Aos três primeiros polos de pesquisa que foram mencionados, e que são habitualmente os únicos considerados como constitutivos (com antropologia social e a cultural, das quais falaremos a seguir) do campo global da antropologia, fazemos questão pessoalmente de acrescentar um quinto polo: o da antropologia psicológica, que consiste no estudo dos processos e do funcionamento do psiquismo humano. De fato, o antropólogo é em primeira instancia confrontado não a conjuntos sociais, e sim a indivíduos. Ou seja, somente através dos comportamentos - conscientes e inconscientes - dos seres humanos particulares podemos apreender essa totalidade sem a qual não ´e antropologia. E a razão pela qual a dimensão psicológica (e também ´ psicopatológica) é absolutamente indissociável do campo do qual procuramos aqui dar conta. Ela é parte integrante dele. 


A antropologia social e cultural (ou etnologia). Assim sendo, toda vez que utilizarmos a partir de agora o termo antropologia mais genericamente, estaremos nos referindo `a antropologia social e cultural (ou etnologia), mas procuraremos nunca esquecer que ela é apenas um dos aspectos da antropologia. Um dos aspectos cuja abrangência é considerável, já que diz respeito a tudo que constitui uma sociedade: seus modos de produção econômica, suas técnicas, sua organização política e jurídica, seus sistemas de parentesco, seus sistemas de conhecimento, suas crenças religiosas, sua língua, sua psicologia, suas criações artísticas. Isso posto, esclareçamos desde já que a antropologia consiste menos no levantamento sistemático desses aspectos do que em mostrar a maneira particular com a qual estão relacionados entre si e através da qual aparece a especificidade de uma sociedade. E precisamente esse ponto de vista da totalidade, é  o fato de que o antropólogo procura compreender, como diz Lévi-Strauss, aquilo que os homens ”não pensam habitualmente em fixar ria pedra ou no papel”(nossos gestos, nossas trocas simbólicas, os menores detalhes dos nossos comportamentos), que faz dessa abordagem um tratamento fundamentalmente diferente dos utilizados setorial- mente pelos geógrafos, economistas, juristas, sociólogos, psicólogos. . .


História da Antropologia


A reflexão do homem sobre o homem e sua sociedade, e a elaboração de um saber são, portanto, tão antigos quanto a humanidade, e se deram tanto na Ásia como na  África, na América, na Oceania ou na Europa. Mas o projeto ´ de fundar uma ciência do homem - uma antropologia - é, ao contrário, muito recente. De fato, apenas no final do século XVIII ´e que começa a se constituir um saber científico (ou pretensamente científico) que toma o homem como objeto de conhecimento, e não mais a natureza; apenas nessa ´época ´e que o espírito científico pensa, pela primeira vez, em aplicar ao próprio homem os m´métodos até então utilizados na ´área física ou da biologia. p. 13


 Será preciso esperar o século XVIII para que se constitua o projeto de fundar uma ciência do homem, isto ´e, de um saber não mais exclusivamente especulativo, e sim positivo sobre o homem. Enquanto encontramos no século XVI elementos que permitem compreender a pré-história da antropologia, enquanto o século XVII (cujos discursos não nos são mais diretamente acessíveis hoje) interrompe nitidamente essa evolução, apenas no século XVIII ´e que entramos verdadeiramente, como mostrou Michel Foucault (1966), na modernidade. Apenas nessa ´época, e não antes, ´e que se pode apreender as condições históricas, culturais e epistemológicas de possibilidade daquilo que vai se tornar a antropologia p. 54


O final do século XVIII teve um papel essencial na elaboração dos fundamentos de uma ”ciência humana”. Não podia ir mais longe, e não poderíamos creditá-lo aquilo que só será possível um século depois. p. 60

Ora, no século XIX, o contexto geopolítico é totalmente novo: é o período da conquista colonial, que desembocará em especial na assinatura, em 1885, do Tratado de Berlim, que rege a partilha da África entre as potencias europeias ´ e põe um fim `as soberanias africanas p. 64


E no movimento dessa conquista que se constitui a antropologia moderna,  o antropólogo acompanhando de perto, como veremos, os passos do colono. Nessa época, a África, a Índia, a Austrália, a Nova Zelândia passam a ser ´ povoadas de um número considerável de emigrantes europeus; não se trata mais de alguns missionários apenas, e sim de administradores. Uma rede de informações se instala. São os questionários enviados por pesquisadores das metrópoles (em especial da Grã-Bretanha) para os quatro cantos do mundo,1 e cujas respostas constituem os materiais de reflexão das primeiras grandes obras de antropologia que se sucederão em ritmo regular durante toda a segunda metade do século. Em 1861, Maine publica Ancient Law, em 1861, Bachofen, Das Mutterrecht; em 1864, Fustel de Coulanges, La Cit´e Antique; em .1865, MacLennan, O Casamento Primitivo; em 1871, Tylor, A Cultura Primitiva-, em 1877, Morgan, A Sociedade Antiga; em 1890, Frazer, os primeiros volumes do Ramo de Ouro. Todas essas obras, que têm uma ambição considerável – seu objetivo não ´e nada menos que o estabelecimento de um verdadeiro corpus etnográfico da humanidade – caracterizam-se por uma mudança radical de perspectiva em relação `a época das ”luzes” o indígena das sociedades extra-europeias não ´e mais o selvagem do século XVIII, tornou-se o primitivo, isto ´e, o ancestral do civilizado, destinado a reencontrá-lo. A colonização atuará nesse sentido. 

Assim a antropologia, conhecimento do primitivo, fica indissociavelmente ligada ao conhecimento da nossa origem, isto ´e, das formas simples de organização social e de mentalidade que evoluíram para as formas mais complexas das nossas sociedades. Procuremos ver mais de perto em que consiste o pensamento teórico dessa antropologia que se qualifica de evolucionista. Existe uma espécie humana idêntica, mas que se desenvolve (tanto em suas formas tecnoeconômicas como nos seus aspectos sociais e culturais) em ritmos desiguais, de acordo com as populações, passando pelas mesmas etapas, para alcançar o n´nível final que ´e ´o da ”civilização”. A partir disso, convém procurar determinar cientificamente a sequencia dos estágios dessas transformacões. p. 65

O evolucionismo encontrará sua formulação mais sistemática e mais elaborada na obra de Morgan 2 e particularmente em Ancient Society, que se tornará o documento de referencia adotado pela imensa maioria dos antropólogos do final do século XIX, bem como na lei de Haeckel. Enquanto para de Pauw ou Hegel as populações ”não civilizadas” são populações que, além de se situarem enquanto espécies fora da História, não têm história em sua existência individual (não são crianças que se tornaram adultos atrasados, e sim crianças que permanecerão inexoravelmente crianças), Haeckel afirma rigorosamente o contrário: a ontogênese reproduz a filogênese; ou seja, o indivíduo atravessa as mesmas fases que a história das espécies. Disso decorre a identificação – absolutamente incontestada tanto pela primeira geração de marxistas quanto pelo fundador da psicanálise –dos povos primitivos aos vestígios da infância da humanidade3 O que é também muito característico dessa antropologia do século XIX, que pretende ser científica, ´e a considerável atenção dada: 

1) a essas populações que aparecem como sendo as mais ”arcaicas" do mundo: os aborígines australianos, 

2) ao estudo do ”parentesco”, 

3) e ao da religião. 

3Se o evolucionismo antropológico tende a aparecer hoje como a transposição ao nível das ciências humanas do evolucionismo biológico (A Origem das Espécies, de Darwin, 1859) que teria servido de justificação ao primeiro, notemos que o primeiro ´e bem anterior ao segundo. Vico elabora sua teoria das três idades (que anuncia Condorcet, Comte, Morgan, Frazer) no século XVIII, e Spencer. fundador da forma mais radical de evolucionismo sociológico, publica suas próprias teorias antes de ter lido A Origem das Espécies. 


Parentesco e religião são, nessa época, as duas grandes áreas da antropologia, ou, mais especificamente, as duas vias de acesso privilegiadas ao conhecimento das sociedades não ocidentais; elas permanecem ainda, notamo-lo, os dois n´núcleos resistentes da pesquisa dos antropólogos contemporâneos. 

1) A Austrália ocupa um lugar de primeira importância na própria constituição da nossa disciplina (cf. Elkin, l967), pois é lá que se pode apreender o que foi a origem absoluta das nossas próprias instituições.4 

2) No estudo dos sistemas de parentesco, os pesquisadores dessa época procuram principalmente evidenciar a anterioridade histórica dos sistemas de filiação matrilinear sobre os sistemas patrilineares. Por deslize do pensamento, imagina-se um matriarcado primitivo, ideia que exerceu tal Influencia que ainda hoje alguns continuam inspirando-se nela (cf. em especial Evelyn Reed, Feminismo e Antropologia, (trad. franc. 1979), um dos textos de referencia do movimento feminista nos Estados Unidos). 

3) A ´área dos mitos, da magia e da religião deterá mais nossa atenção, pois parece-nos reveladora ao mesmo tempo da abordagem e do espírito do evolucionismo. Notemos em primeiro lugar que a maioria dos antropólogos desse período, absolutamente confiantes na racionalidade científica triunfante, são não apenas agnósticos mas também deliberadamente anti-religiosos. Morgan, por exemplo, não hesita em escrever que ”todas as religiões primitivas são grotescas e de alguma forma ininteligíveis”, e Tylor deve parte de sua vocação a uma reação visceral contra o espiritualismo de seu meio. Mas ´e certamente o Ramo de Ouro, de Frazer (trad. fr. 1981-1984),5 que realiza a melhor síntese de todas as pesquisas do século XIX sobre as ”crenças” e ”superstições” p. 65-68

Nessa obra gigantesca, publicada em doze volumes de 1890 a 1915 e que ´e uma das obras mais célebres de toda a literatura antropol´ogica,6 Frazer retraça o processo universal que conduz, por etapas sucessivas, da magia `a religião, e depois, da religião `a ciência.A magia”, escreve Frazer, ”representa uma fase anterior, mais grosseira, da história do espírito humano, pela qual todas as raças da humanidade passaram, ou estão passando, para dirigir-se para a religião e a ciência”. Essas crenças dos povos primitivos permitem compreender a origem das ”sobrevivências”(termo forjado por Tylor) que continuam existindo nas sociedades civilizadas. Como Hegel, Frazer considera que a magia consiste num controle ilusório da natureza, que se constitui num obstáculo `a razão. Mas, enquanto para Hegel, a primeira ´e um impasse total, Frazer a considera como religião em potencial, a qual dará lugar por sua vez `a ciência que realizará (e está até começando a realizar) o que tinha sido imaginado no tempo da magia. * * *

 O pensamento evolucionista aparece, da forma como podemos vê-lo hoje, como sendo ao mesmo tempo dos mais simples e dos mais suspeitos, e as objeções de que foi objeto podem organizar-se em torno de duas séries de críticas:

 1) mede-se a importância do ”atraso "das outras sociedades destinadas, ou melhor, compelidas a alcançar o pelotão da frente, em relação aos ´únicos critérios do Ocidente do século XIX, o progresso t´técnico e econômico da nossa sociedade sendo considerado como a prova brilhante da evolução histórica da qual procura-se simultaneamente acelerar o processo e reconstituir os estágios. Ou seja, o ”arcaísmo” ou a ”primitividade” são menos fases da História do que a vertente simétrica e inversa da modernidade do Ocidente; o qual define o acesso entusiasmante `a civilização em função dos valores da ´época: produção econômica, religião monoteísta, propriedade privada, família monogâmica, moral vitoriana 

2) o pesquisador, efetuando de um lado a definição de seu objeto de pesquisa através do campo empírico das sociedades ainda não ocidentalizadas, e, de outro, identificando-se `as vantagens da civilização `a qual pertence, o evolucionismo aparece logo como a justificação teórica de uma prática: o colonialismo. Livingstone, missionário que, enquanto branco, isto é, civilizado, não dissocia os benefícios da t´técnica e os da religião, pode exclamar: ”Viemos entre eles enquanto membros de uma raça superior e servidores de um governo que deseja elevar as partes mais degradadas da família humana”.

A antropologia evolucionista, cujas ambições nos parecem hoje desmedidas, não hesita em esboçar em grandes traços afrescos imponentes, através dos quais afirma com arrogância julgamentos de valores sem contestação possível. A convicção da marcha triunfante do progresso é tal que, juntando e interpretando fatos provenientes do mundo inteiro (`a luz justamente dessa hipótese central), julga-se que será possível extrair as leis universais do desenvolvimento da humanidade. Assim, encontramo-nos frente a reconstituições conjunturais que têm, pelo volume dos fatos relatados, a aparência de um corpus científico, mas assemelham-se muito, na realidade, `a filosofia do século anterior; a qual não tinha porém a preocupação de fundamentar sua reflexão na documentação enorme que será pela primeira vez reunida pelos homens do século XIX. 

Essa preocupação de um saber cumulativo visa na realidade a demonstrar a veracidade de uma tese mais do que a verificar uma hipótese, os exemplos etnográficos sendo frequentemente mobilizados apenas para ilustrar o processo grandioso que conduz as sociedades primitivas a se tornarem sociedades civilizadas. Assim, esmagados sob o peso dos materiais, os evolucionistas consideram os fenômenos recolhidos (o totemismo, a exogamia, a magia, o culto aos antepassados, a filiação matrilinear. . .) como costumes que servem para exemplificar cada estágio. E quando faltam documentos, alguns (Frazer) fazem por intuição a reconstituição dos elos ausentes; procedimento absolutamente oposto, como veremos mais adiante, ao da etnografia contemporânea, que procura, através da introdução de fatos minúsculos recolhidos em uma ´única sociedade, analisar a significação e a função de relações sociais. Isso colocado, como ´e fácil – e até irrisório – desacreditar hoje todo o trabalho que foi ralizado pelos  pesquisadores - eruditos da época evolucionista. Não custa muito denunciar o etnocentrismo que eles demonstraram em ralção aos povos 'atrasados' 68-71

Os Pais Fundadores Da Etnografia: Boas e Malinowski

Se existiam no final do século XIX homens (geralmente missionários e administradores) que possuíam um excelente conhecimento das populações no meio das quais viviam – ´e o caso de Codrington, que publica em 1891 uma obra sobre os melanésios, de Spencer e Gillen, que relatam em 1899 suas observações sobre os aborígines australianos, ou de Junod, que escreve A Vida de uma Tribo Sul-africana (1898) – a etnografia propriamente dita só começa a existir a partir do momento no qual se percebe que o pesquisador deve ele mesmo efetuar no campo sua própria pesquisa, e que esse trabalho de observação direta ´e parte integrante da pesquisa. 

A revolução que ocorrerá da nossa disciplina durante o primeiro terço do século XX é considerável: ela põe fim `a repartição das tarefas, até então habitualmente divididas entre o observador (viajante, missionário, administrador) entregue ao papel subalterno de provedor de informações, e o pesquisador erudito, que, tendo permanecido na metrópole, recebe, analisa e interpreta – atividade nobre! – essas informações. O pesquisador compreende a partir desse momento que ele deve deixar seu gabinete de trabalho para ir compartilhar a intimidade dos que devem ser considerados não mais como informadores a serem questionados, e sim como hóspedes que o recebem e mestres que o ensinam. Ele aprende então, como aluno atento, não apenas a viver entre eles, mas a viver como eles, a falar sua língua e a pensar nessa língua, a sentir suas próprias emoções dentro dele mesmo. Trata-se, como podemos ver, de condições de estudo radicalmente diferentes das que conheciam o viajante do século XVIII e até o missionário ou o administrador do século XIX, residindo geralmente fora da sociedade indígena e obtendo informações por intermédio de tradutores e informadores: este ´ultimo termo merece ser repetido. Em suma, a antropologia se torna pela primeira vez uma atividade ao ar livre, levada, como diz Malinowski, ”ao vivo”, em uma ”natureza imensa, virgem e aberta”. 75-76


Os Primeiros Teóricos Da Antropologia: Durkheim e Mauss


Boas e Malinowski, nos anos que antecederam a Primeira Guerra Mundial, fundaram a etnografia. Mas o primeiro, recolhendo com a precisão de um naturalista os fatos no campo, não era um teórico. Quanto ao segundo, a parte teórica de suas pesquisas é provavelmente, como acabamos de ver, o que há de mais contestável em sua obra. A antropologia precisava ainda elaborar instrumentos operacionais que permitissem construir um verdadeiro objeto científico. E precisamente nisso que se empenharam os pesquisadores franceses dessa época, que pertenciam `a chamada ”escola francesa de sociologia”. Se existe uma autonomia do social, ela exige, para alcançar sua elaboração científica, a constituição de um quadro teórico, de conceitos e modelos que sejam próprios da investigação do social, isto é, independentes tanto da explicação histórica (evolucionismo) ou geográfica (difusionismo), quanto da explicação biológica (o funcionalismo de Malinowski) ou psicológica (a psicologia clássica e a psicanálise principiante). p. 87-88

Durkheim e Mauss, ...– que forneceram `a antropologia o quadro teórico e os instrumentos que lhe faltavam ainda. 

Durkheim, nascido em 1858, o mesmo ano que Boas, mostrou em suas primeiras pesquisas preocupações muito distantes das da etnologia, e mais ainda da etnografia. Em As Regras do Método Sociológico (1894), ele opõe a ”precisão” da história `a ”confusão” da etnografia, e se dá como objeto de estudo ”as sociedades cujas crenças, tradições, hábitos, direito, incorporaram-se em movimentos escritos e autênticos”. Mas, em As Formas Elementares da Vida Religiosa (1912), ele revisa seu julgamento, considerando que é não apenas importante, mas também necessário estender o campo de investigação da sociologia aos materiais recolhidos pelos etnólogos nas sociedades primitivas. Sua preocupação maior é mostrar que existe uma especificidade do social, e que convém consequentemente emancipar a sociologia, ciência dos fenômenos sociais, dos outros discursos sobre o homem, e, em especial, do da psicologia. Se não nega que a ciência possa progredir por seus confins, considera que na sua ´época ´e vantajoso para cada disciplina avançar separadamente e construir seu próprio objeto. ”A causa determinante de um fato social deve ser buscada nos fatos sociais anteriores e não nos estados da consciência individual”

Durkheim não procura de forma alguma questionar a existência desta, nem a pertinência da psicologia. Mas opõe-se `as explicações psicológicas do social (sempre ”falsas”, segundo sua expressão). Assim, por exemplo, a questão da relação do homem com o sagrado não poderia ser abordada psicologicamente estudando os estados afetivos dos indivíduos, nem mesmo através de alguma psicologia ”coletiva”. Da mesma forma , que a linguagem, também fenômeno coletivo, não poderia encontrar sua explicação na psicologia dos que a falam, sendo absolutamente independente da criança que a aprende, ´é-lhe exterior, a precede e continuará existindo muito tempo depois de sua morte. Essa irredutibilidade do social aos indivíduos (que ´e a pedra-de-toque de qualquer abordagem sociológica) tem para Durkheim a seguinte consequência: os fatos sociais são ”coisas” que só podem ser explicados sendo relacionados a outros fatos sociais. Assim, a sociologia conquista pela primeira vez sua autonomia ao constituir um objeto que lhe ´e próximo, por assim dizer arrancado ao monopólio das explicações históricas, geográficas, psicológicas, biológicas. . . da época. Esse pensamento durkheimiano – que, observamos, é tão funcionalista quanto o de Malinowski, mas não deve nada ao modelo biológico – vai através de suas novas exigências metodológicas, renovar profundamente a epistemologia das ciências humanas da primeira metade do século XX, ou, mais exatamente, das ciências sociais destinadas a se separar destas. Vai exercer uma influência considerável sobre a pesquisa antropológica, particularmente na Inglaterra e evidentemente na França, o país de Durkheim, onde, ainda hoje. nossa disciplina não se emancipou realmente da sociologia. p. 88-89

Marcel Mauss (1872-1950) nasceu, como Durkheim, em Epinal, quatorze anos após este, de quem é sobrinho. Suas contribuições teóricas respectivas na constituição da antropologia moderna são ao mesmo tempo muito próximas e muito diferentes. Se Mauss faz, tanto quanto Durkheim, questão de fundar a autonomia do social, separa-se muito rapidamente do autor de As Regras do Método Sociológico a respeito de dois pontos essenciais: o estatuto que convém atribuir `a antropologia, e uma exigência epistemológica que hoje qualificaríamos de pluridisciplinar. Durkheim considerava os dados recolhidos pelos etnólogos nas sociedades ”primitivas” sob o ângulo exclusivo da sociologia, da qual a etnologia (ou antropologia) era destinada a se tornar uma ramo. 

Mauss vai trabalhar incansavelmente, durante toda sua vida (com Paul Rivet), para que esta seja reconhecida como uma ciência verdadeira, e não como uma disciplina anexa. Em 1924, escreve que ”o lugar da sociologia” está ”na antropologia” e não o inverso,. Um dos conceitos maiores forjados por Mareei Mauss é o do fenômeno social total, consistindo na integração dos diferentes aspectos (biológico, econômico, jurídico, histórico, religioso, estético. . .) constitutivos de uma dada realidade social que convém apreender em sua integralidade. ”Após ter forçosamente dividido um pouco exageradamente”, escreve ele, ”´e preciso que os sociólogos se esforcem em recompor o todo”. Ora, prossegue Mauss, os fenômenos sociais são ”antes sociais, mas também conjuntamente e ao mesmo tempo fisiológicos e psicológicos”. Ou ainda: ”O simples estudo desse fragmento de nossa vida que ´e nossa vida em sociedade não basta”. Não se pode, ainda, afirmar que todo fenômeno social ´e também um fenômeno mental, da mesma forma que todo fenômeno mental ´e também um fenômeno social, devendo as condutas humanas ser apreendidas em todas as suas dimensões, e particularmente em suas dimensões sociológica, histórica e psicofisiológica.


Cinco polos teóricos da Antropologia Contemporânea

1) A antropologia simbólica. 

Seu objeto ´e essa região da linguagem que chamamos símbolo e que ´e o lugar de m´múltiplas significações,5 que se expressam em especial através das religiões, das mitologias e da percepção imaginária do cosmos. Esse primeiro eixo da pesquisa caracteriza-se mais, como veremos, por um tipo de preocupações do que por um método propriamente dito. Trata-se de apreender o objeto que se pretende estudar do ponto de vista do sentido. O que significam as instituições ou os comportamentos que encontramos em tal sociedade? O que se pode dizer a respeito daquilo que uma sociedade expressa através da lógica de seus discursos? p. 105


Foi a antropologia que se empenhou essencialmente em mostrar a lógica precisa dos sistemas de pensamento mitológicos, teológicos, cosmológicos, que são os das sociedades qualificadas de ”tradicionais”. Toda uma corrente de pesquisas aparece na França, particularmente representativa dessas preocupações: ´e a que, a partir dos anos 30, leva Mareei Griaule e seus colaboradores a efetuar estudos sistemáticos, primeiro da mitologia dos Dogons, e depois, da religião dos Bambaras. Esses trabalhos1 vão marcar duradouramente, não apenas o africanismo francês, mas também a prática etnológica dos pesquisadores franceses.p. 111

Como estamos longe do tempo era que Morgan considerava que ”todas as religiões primitivas são grotescas e de alguma forma ininteligíveis”. Mas como estamos longe também das apreciações que são no entanto as de muitos pesquisadores contemporâneos de Griaule. De Frazer, por exemplo, que, interrogando-se sobre os mitos e as práticas rituais aos quais havia no entanto dedicado sua vida, escreve: ”loucuras, vãos esforços, tempo perdido, esperanças frustradas”. Ou de L´evy-.Bruhl, que anota em seus Carnets: os mitos são ”estórias estranhas, para não dizer absurdas e incompreensíveis”, e acrescenta: ”É preciso um esforço para se interessar por eles”. p. 113


Toda essa tendência do pensamento antropológico de que procuramos aqui dar conta coloca-se (a partir de observações minuciosas) contra esses julgamentos. Da mesma forma, opõe-se totalmente `a busca de uma determinação pela economia, que explicaria a função dos mitos dentro do sistema social. As práticas simbólicas em questão não tem de ser fundamentadas sociologicamente, pois são, pelo contrário, fundadoras da ordem cósmica e social. São elas que devem ser tomadas como fundamentais, se aceitarmos finalmente compreende-las de dentro, impregnando-nos de sua sabedoria, recolhendo o mais fielmente possível o discurso dos iniciados, e não projetando, de fora, categorias caracteristicamente ocidentais. Percebe-se então que o conjunto do edifício das sociedades africanas baseia-se numa filosofia (cf., por exemplo, Tempels, 1949) e até numa ”ontologia” que comanda a concepção toda que se tem do mundo e das relações dos homens na sociedade. p. 114


2) A antropologia social. Seu objeto situa-se claramente no campo epistemológico oriundo da economia (cf. acima M. Foucault). Nada distingue realmente seu território do território do sociólogo. Um dos conceitos operatórios a partir do qual essa perspectiva de início se instaurou, ´e o de função (Malinowski, mas também Durkheim), frequentemente ligado ao estudo dos processos de normalização destas funções (= as instituições). E um eixo ´ de pesquisa que não se interessa diretamente para as maneiras de pensar, conhecer, sentir, expressar-se, em si, e mais para a organização interna dos grupos, a partir da qual podem ser estudados o pensamento, o conhecimento, a emoção, a linguagem. Qual a finalidade de tal instituição? Para que serve tal costume? A que classe social pertence aquele que tem tal discurso, e qual ´e o n´nível de integração dessa classe na sociedade global?  p. 106

Uma outra característica desse segundo eixo de pesquisa, estreitamente vinculada ao que acabamos de dizer, merece ser sublinhada: um certo número de autores, e não dos menores (Radcliffe-Brown (1968), Evans-Pritchard (1969), ou ainda na Franca, para o período contemporâneo, Rogei Bastide (1970), Henri Desroche (1973), Georges Balandier (1974), Louis-Vincent Thomas (1975)), recusam-se a conceder uma pertinência `a distinção entre a antropologia social e a sociologia. A antropologia social não ´e profundamente diferente da sociologia, considera Radcliffe-Brown. E uma ”sociologia comparativa”.p. 116-117 

3) A antropologia cultural. Seja o modelo utilizado, biológico, psicológico (Kardiner, 1970), ou linguístico (Sapir, 1967), ´e uma antropologia frequentemente empírica, que se situa do lado da função ou, mais ainda, do sentido, em detrimento da norma e do sistema. Mas o que permite essencialmente caracterizar essa tendência de nossa disciplina ´e o critério da continuidade ou descontinuidade entre a natureza e a cultura de um lado, e entre as próprias culturas, de outro.

 a) Enquanto autores como Bateson ou Lévi-Strauss, de quem falaremos adiante, esforçam-se em pensar a continuidade (ou, mais exatamente, no caso de Lévi-Strauss, a articulação) entre a ordem da natureza e a da cultura, os que chamamos ”aculturalistas”, com autores de quem estão, no que diz respeito ao essencial, muito afastados, como Evans-Pritchard ou Devereux, privilegiam claramente a solução da descontinuidade.

 b) Enquanto um grande número de antropólogos salienta a universalidade da cultura (para Morgan, as sociedades só são pensáveis porque pertencem a um tronco comum, para Malinowski, há uma permanência das funções, e para Devereux uma ”universalidade da cultura”), os culturalistas mais uma vez, sobretudo a respeito disso, privilegiam a descontinuidade, isto ´e a coerência interna e a diferença irredutível de cada cultura.p. 106

A passagem da antropologia social (particularmente desenvolvida na França e mais ainda na Inglaterra) para a antropologia cultural (especialmente americana) corresponde a uma mudança fundamental de perspectiva. De um lado, a antropologia se torna uma disciplina autônoma, totalmente independente da sociologia. De outro, dedica-se uma atenção muito grande menos ao funcionamento das instituições do que aos comportamentos dos próprios indivíduos, que são considerados reveladores da cultura `a qual pertencem p.119


A antropologia social e a antropologia cultural têm portanto um mesmo  campo de investigação. Além disso, utilizam os mesmos m´métodos (etnográficos) de acesso a este objeto. Finalmente, são animadas por um objetivo e uma ambição idênticos: a análise comparativa.1 Mas, o que se compara no primeiro caso ´e o social enquanto sistema de relações sociais, sendo que, no segundo, trata-se do social tal como pode ser apreendido através dos comportamentos particulares dos membros de um determinado grupo: nossas maneiras específicas, enquanto homens e mulheres de uma determinada cultura, de pensar, de encontrar, trabalhar, se distrair, reagir frente aos acontecimentos (por exemplo, o nascimento, a doença, a morte).p. 120 

1) A antropologia cultural estuda os caracteres distintivos das condutas dos seres humanos pertencendo a uma mesma cultura, considerada como uma totalidade irredutível `a outra. Atenta `as descontinuidades (temporais, mas sobretudo espaciais), salienta a originalidade de tudo que devemos `a sociedade `a qual pertencemos. 

2) Ela conduz essa pesquisa a partir da observação direta dos comportamentos dos indivíduos, tais como se elaboram em interação com o grupo e o meio no qual nascem e crescem estes indivíduos. Procurando compreender a natureza dos processos de aquisição e transmissão, pelo indivíduo, de uma cultura, sempre singular (a forma como esta não apenas informa, mas modela o comportamento dos indivíduos, sem que estes o percebam), encontra várias preocupações comuns aos psicólogos, psicanalistas e psiquiatras. Utiliza portanto frequentemente os modelos conceituais destes, bem como suas t´técnicas de investigação (por exemplo, os testes projetivos, utilizados pela primeira vez em etnologia por Cora du Bois). Assim, esse campo de pesquisa, designado pela expressão ”cultura e personalidade”, extremamente desenvolvido nos Estados Unidos e relativamente negligenciado na França e Gr˜a-Bretanha, impõe-se, a partir dos anos 30, como uma das ´areas da antropologia na qual a colaboração pluridisciplinar se torna sistemática. 

3) Finalmente, a antropologia cultural estuda o social em sua evolução, e particularmente sob o ângulo dos processos de contato, difusão, interação e aculturação, isto ´e, de adoção (ou imposição) das normas de uma cultura por outra. p. 121-122


 4) A antropologia estrutural e sistêmica. 


Para a antropologia cultural, cada cultura particular, caracterizada por um conjunto de tendências tais como aparecem empiricamente ao observador, ´e um pouco comparável `as peças de um quebra-cabeça. São entidades parceladas, frutos de uma prática parceladora. E nessas condições, a cultura é concebida como uma espécie de mosaico, um traje de Arlequim. Na perspectiva na qual nos situaremos agora, as culturas são apreendidas, ou melhor, tratadas, em um nível que não é mais dado, e sim construído: o do sistema. Não se trata mais de estudar tal aspecto de uma sociedade em si, relacionando-o ao conjunto das relações sociais (antropologia social),’e muito menos tal cultura particular na lógica que lhe é própria (antropologia cultural, mas também simbólica): trata-se de estudar a lógica da cultura. Ou seja, além da variedade das culturas e organizações sociais, procuraremos explicar a variabilidade em si da cultura: o que dizem e inventem os homens deve ser compreendido como produções do espírito humano, que se elaboram sem que estes tenham consciência disso. p. 129


Estudaremos aqui não só uma, mas várias correntes do pensamento antropológico. Uns utilizam um modelo psicanalítico; outros um modelo proveniente do que Foucault designa como o campo epistemológico da economia (Mauss elabora, como vimos, as regras explicativas da troca); outros finalmente, os mais numerosos, escolhem um modelo linguístico, matemático, cibernético (L´evi-Strauss, Bateson). Mas qualquer que seja o modelo adotado, ele realiza uma passagem do consciente para o inconsciente: passagem da função para a norma (Roheim), do conflito para a regra (Mauss), do sentido para o sistema (Lévi-Strauss). 

Enquanto nos situávamos por exemplo do lado da função, o alteridade sempre corria o risco de ser considerada (e rejeitada) no espaço da extraterritorialidade: ao lado, fora. isto ´e, para sempre diferente. Assim, para a psicologia pre-freudiana, o normal e o anormal não têm nada em comum. Para a etnologia de L´evy-Bruhl (1933), existe uma ”mentalidade primitiva” exclusiva de tudo que ´e próprio do homem da lógica. Para Griaule, finalmente (1966), `as instituições e mitologias plenamente significantes da África tradicional,  opõe-se a insignificância do Ocidente industrial. Inversão de perspectiva neste caso, em relação ao anterior, mas que se inscreve no mesmo horizonte epistemológico. Ao contrário, quando a atividade epistemológica começa a situar-se do lado da norma (e não mais da função), da regra (e não mais do conflito), do sistema (e não mais do sentido), não ´e mais possível pensar que os doentes mentais são ”loucos”, a ”mentalidade primitiva”, ”absurda”, e os mitos ”insignificantes”. O que desmorona, então, é a pertinência dos pares antinômicos do normal e do patológico, do lógico e do ilógico, do sentido e do não sentido. Se insistimos tanto desde já sobre esse quarto polo da pesquisa, ´e porque, com ele, o campo epistemológico do sabei sobre o homem muda radicalmente pela segunda vez desde o final do século XVIII (cf. p. 53 deste livro). E ´e, de fato, em torno das obras de Freud (o inconsciente explicativo do consciente), Saussure, e depois Jakobson (a língua explicativa da palavra), de Lévi-Strauss e dos estruturalistas (a prioridade dada ao sistema sobre o sentido), que se reorganizará o conhecimento antropológico contemporâneo. 

Na antropologia psicanalítica, como na antropologia estrutural, estima-se que além da surpreendente diversidade das formações psicológicas ou das produções culturais localizadas a nível empírico existe o que Bastian já chamava de ”unidade psíquica da humanidade”. Mas esta deve doravante ser pensada, não mais ao nível das significações vividas, mas ao nível do sistema (inconsciente). Uma das principais questões que se colocará então ´éa seguinte: quais são as estruturas inconscientes do espírito que atuam, tanto nas formas elementares e complexas do parentesco, quanto no mito, na obra de arte?. . . p. 107-108



5) A antropologia dinâmica. Reunimos nesse termo um eixo da pesquisa antropológica contemporânea que se situa no horizonte do que Foucault6 chama de campo sociológico, e que procura estudar as relações de poder.

As interrogações dos autores dos quais trataremos não estão distantes das da sociologia, e alguns inclusive preferem qualificar-se de sociólogos. Uma das características de suas contribuições para a antropologia do século XX, e mais especificamente, da segunda metade do século XX, consiste, a meu ver, em reorientar a antropologia social, operando uma ruptura total com o funcionalismo em seus pressupostos, ao mesmo tempo a históricos (sociedades imóveis que podem ser estudadas como se a colonização não existisse) e finalistas (instituições visando satisfazer as necessidades). Para esses autores, pelo contrário, convém não isolar essa ´área particular do homem que seria a história. Esta ´e parte integrante do campo antropológico. Por isso, as questões colocadas são as seguintes: qual é a dinâmica de tal sistema social? De onde vem? Quais são as modalidades atuais de suas transformações? Esses cinco polos em torno dos quais se organiza a antropologia contemporânea não têm nada de exclusivo. São convém de pesquisa que podem coexistir dentro de uma mesma escola de pensamento, ou mesmo de um ´único pesquisador.7


O que caracteriza essencialmente as diferentes tendências dessa antropologia que qualificamos aqui de dinâmica, é sua reação comum frente `a orientação, do seu ponto de vista conservadora, que pode ser encontrada dentro dos quatro polos de pesquisa que, para maior clareza, acabamos de distinguir. Praticamente, de fato, todas as perspectivas etnológicas que se elaboram a partir dos anos 30 (a antropologia social, simbólica, cultural) e que conhecem, para muitas, uma renovação durante os anos 50, com o impulso particularmente da análise estrutural, estão animadas por uma abordagem claramente antievolucionista. p. 141

https://pedropeixotoferreira.files.wordpress.com/2010/03/laplantine_aprender-antropologia.pdf

domingo, 30 de maio de 2021

Por que Deus tirou a vida de crianças? A doutrina da medida da maldade



A MEDIDA DA  MALDADE 


A bíblia usa a expressão medida da maldade ou medida dos pecados, por exemplo sobre a destruição de Jerusalém e seus destarramento desde o ano 70 d.C:

Mt 23:32  Enchei vós, pois, a medida de vossos pais.

33  Serpentes, raça de víboras! Como escapareis da condenação do inferno?

34 ¶ Por isso, eis que eu vos envio profetas, sábios e escribas. A uns matareis e crucificareis; a outros açoitareis nas vossas sinagogas e perseguireis de cidade em cidade;

35  para que sobre vós recaia todo o sangue justo derramado sobre a terra, desde o sangue do justo Abel até ao sangue de Zacarias, filho de Baraquias, a quem matastes entre o santuário e o altar.

36  Em verdade vos digo que todas estas coisas hão de vir sobre a presente geração.

37  Jerusalém, Jerusalém, que matas os profetas e apedrejas os que te foram enviados! Quantas vezes quis eu reunir os teus filhos, como a galinha ajunta os seus pintinhos debaixo das asas, e vós não o quisestes!

38  Eis que a vossa casa vos ficará deserta.

39  Declaro-vos, pois, que, desde agora, já não me vereis, até que venhais a dizer: Bendito o que vem em nome do Senhor!

Mt 24:1 ¶ Tendo Jesus saído do templo, ia-se retirando, quando se aproximaram dele os seus discípulos para lhe mostrar as construções do templo.

2  Ele, porém, lhes disse: Não vedes tudo isto? Em verdade vos digo que não ficará aqui pedra sobre pedra que não seja derribada.

3  No monte das Oliveiras, achava-se Jesus assentado, quando se aproximaram dele os discípulos, em particular, e lhe pediram: Dize-nos quando sucederão estas coisas e que sinal haverá da tua vinda e da consumação do século.

 Ts 2:16  a ponto de nos impedirem de falar aos gentios para que estes sejam salvos, a fim de irem enchendo sempre a medida de seus pecados. A ira, porém, sobreveio contra eles, definitivamente.



DEUS O JUSTO JUÍZ


Deus como juiz justo tem autoridade de julgamento sobre sua criação.

Julgou no dilúvio, em Sodoma e Gomorra e cidade vizinhas, em alguns povos de Canaã (visto a aliança com os heveus [gibeonitas] )



Ezequiel 18:23  Acaso, tenho eu prazer na morte do perverso? —diz o SENHOR Deus; não desejo eu, antes, que ele se converta dos seus caminhos e viva?

Ezequiel 18:32  Porque não tenho prazer na morte de ninguém, diz o SENHOR Deus. Portanto, convertei-vos e vivei.


Salmos 7:11  Deus é justo juiz, Deus que sente indignação todos os dias.

Deuteronômio 9:5  Não é por causa da tua justiça, nem pela retitude do teu coração que entras a possuir a sua terra, mas pela maldade destas nações o SENHOR, teu Deus, as lança de diante de ti; e para confirmar a palavra que o SENHOR, teu Deus, jurou a teus pais, Abraão, Isaque e Jacó.

1 Samuel 2:6  O SENHOR é o que tira a vida e a dá; faz descer à sepultura e faz subir.


Quais os povos Deus ordenou tirar a vida?

Habitantes de Canaã e Amalequitas

Dt 20:10 ¶ Quando te aproximares de alguma cidade para pelejar contra ela, oferecer-lhe-ás a paz.

11 Se a sua resposta é de paz, e te abrir as portas, todo o povo que nela se achar será sujeito a trabalhos forçados e te servirá.

12 Porém, se ela não fizer paz contigo, mas te fizer guerra, então, a sitiarás.

13 E o SENHOR, teu Deus, a dará na tua mão; e todos os do sexo masculino que houver nela passarás a fio de espada;

14 mas as mulheres, e as crianças, e os animais, e tudo o que houver na cidade, todo o seu despojo, tomarás para ti; e desfrutarás o despojo dos inimigos que o SENHOR, teu Deus, te deu.

15 Assim farás a todas as cidades que estiverem mui longe de ti, que não forem das cidades destes povos.

16 Porém, das cidades destas nações que o SENHOR, teu Deus, te dá em herança, não deixarás com vida tudo o que tem fôlego.

17 Antes, como te ordenou o SENHOR, teu Deus, destruí-las-ás totalmente: os heteus, os amorreus, os cananeus, os ferezeus, os heveus e os jebuseus,

18 para que não vos ensinem a fazer segundo todas as suas abominações, que fizeram a seus deuses, pois pecaríeis contra o SENHOR, vosso Deus.


Dt 25:17  Lembra-te do que te fez Amaleque no caminho, quando saías do Egito;
18  como te veio ao encontro no caminho e te atacou na retaguarda todos os desfalecidos que iam após ti, quando estavas abatido e afadigado; e não temeu a Deus.
19  Quando, pois, o SENHOR, teu Deus, te houver dado sossego de todos os teus inimigos em redor, na terra que o SENHOR, teu Deus, te dá por herança, para a possuíres, apagarás a memória de Amaleque de debaixo do céu; não te esqueças

1 Sm 15:2  Assim diz o SENHOR dos Exércitos: Castigarei Amaleque pelo que fez a Israel: ter-se oposto a Israel no caminho, quando este subia do Egito.
3  Vai, pois, agora, e fere a Amaleque, e destrói totalmente a tudo o que tiver, e nada lhe poupes; porém matarás homem e mulher, meninos e crianças de peito, bois e ovelhas, camelos e jumentos.




As maldades do povo de Canaã
O culto do povo de Canaã era centralizado no sexo, inclusive no culto  de filhos a Moloque e que envolvia também sacrifício de crianças


Deuteronômio 9:5  Não é por causa da tua justiça, nem pela retitude do teu coração que entras a possuir a sua terra, mas pela maldade destas nações o SENHOR, teu Deus, as lança de diante de ti; e para confirmar a palavra que o SENHOR, teu Deus, jurou a teus pais, Abraão, Isaque e Jacó.


Jeremias 32:35  Edificaram os altos de Baal, que estão no vale do filho de Hinom, para queimarem a seus filhos e a suas filhas a Moloque, o que nunca lhes ordenei, nem me passou pela mente fizessem tal abominação, para fazerem pecar a Judá.


Dt 12;29  Quando o SENHOR, teu Deus, eliminar de diante de ti as nações, para as quais vais para possuí-las, e as desapossares e habitares na sua terra,
30  guarda-te, não te enlaces com imitá-las, após terem sido destruídas diante de ti; e que não indagues acerca dos seus deuses, dizendo: Assim como serviram estas nações aos seus deuses, do mesmo modo também farei eu.
31  Não farás assim ao SENHOR, teu Deus, porque tudo o que é abominável ao SENHOR e que ele odeia fizeram eles a seus deuses, pois até seus filhos e suas filhas queimaram aos seus deuses.


Lv 18:1 ¶ Disse mais o SENHOR a Moisés:
2  Fala aos filhos de Israel e dize-lhes: Eu sou o SENHOR, vosso Deus.
3  Não fareis segundo as obras da terra do Egito, em que habitastes, nem fareis segundo as obras da terra de Canaã, para a qual eu vos levo, nem andareis nos seus estatutos.
4  Fareis segundo os meus juízos e os meus estatutos guardareis, para andardes neles. Eu sou o SENHOR, vosso Deus.
5  Portanto, os meus estatutos e os meus juízos guardareis; cumprindo-os, o homem viverá por eles. Eu sou o SENHOR.
6 ¶ Nenhum homem se chegará a qualquer parenta da sua carne, para lhe descobrir a nudez. Eu sou o SENHOR.
7  Não descobrirás a nudez de teu pai e de tua mãe; ela é tua mãe; não lhe descobrirás a nudez.
8  Não descobrirás a nudez da mulher de teu pai; é nudez de teu pai.
9  A nudez da tua irmã, filha de teu pai ou filha de tua mãe, nascida em casa ou fora de casa, a sua nudez não descobrirás.
10  A nudez da filha do teu filho ou da filha de tua filha, a sua nudez não descobrirás, porque é tua nudez.
11  Não descobrirás a nudez da filha da mulher de teu pai, gerada de teu pai; ela é tua irmã.
12  A nudez da irmã do teu pai não descobrirás; ela é parenta de teu pai.
13  A nudez da irmã de tua mãe não descobrirás; pois ela é parenta de tua mãe.
14  A nudez do irmão de teu pai não descobrirás; não te chegarás à sua mulher; ela é tua tia.
15  A nudez de tua nora não descobrirás; ela é mulher de teu filho; não lhe descobrirás a nudez.
16  A nudez da mulher de teu irmão não descobrirás; é a nudez de teu irmão.
17  A nudez de uma mulher e de sua filha não descobrirás; não tomarás a filha de seu filho, nem a filha de sua filha, para lhe descobrir a nudez; parentes são; maldade é.
18  E não tomarás com tua mulher outra, de sorte que lhe seja rival, descobrindo a sua nudez com ela durante sua vida.
19 ¶ Não te chegarás à mulher, para lhe descobrir a nudez, durante a sua menstruação.
20  Nem te deitarás com a mulher de teu próximo, para te contaminares com ela.
21  E da tua descendência não darás nenhum para dedicar-se a Moloque, nem profanarás o nome de teu Deus. Eu sou o SENHOR.
22  Com homem não te deitarás, como se fosse mulher; é abominação.
23  Nem te deitarás com animal, para te contaminares com ele, nem a mulher se porá perante um animal, para ajuntar-se com ele; é confusão.
24  Com nenhuma destas coisas vos contaminareis, porque com todas estas coisas se contaminaram as nações que eu lanço de diante de vós.

Lv 20:1 ¶ Disse mais o SENHOR a Moisés:

2  Também dirás aos filhos de Israel: Qualquer dos filhos de Israel, ou dos estrangeiros que peregrinam em Israel, que der de seus filhos a Moloque será morto; o povo da terra o apedrejará.

3  Voltar-me-ei contra esse homem, e o eliminarei do meio do seu povo, porquanto deu de seus filhos a Moloque, contaminando, assim, o meu santuário e profanando o meu santo nome.

4  Se o povo da terra fechar os olhos para não ver esse homem, quando der de seus filhos a Moloque, e o não matar,

5  então, eu me voltarei contra esse homem e contra a sua família e o eliminarei do meio do seu povo, com todos os que após ele se prostituem com Moloque.

6  Quando alguém se virar para os necromantes e feiticeiros, para se prostituir com eles, eu me voltarei contra ele e o eliminarei do meio do seu povo.

7  Portanto, santificai-vos e sede santos, pois eu sou o SENHOR, vosso Deus.

8  Guardai os meus estatutos e cumpri-os. Eu sou o SENHOR, que vos santifico.

9  Se um homem amaldiçoar a seu pai ou a sua mãe, será morto; amaldiçoou a seu pai ou a sua mãe; o seu sangue cairá sobre ele.

10 ¶ Se um homem adulterar com a mulher do seu próximo, será morto o adúltero e a adúltera.

11  O homem que se deitar com a mulher de seu pai terá descoberto a nudez de seu pai; ambos serão mortos; o seu sangue cairá sobre eles.

12  Se um homem se deitar com a nora, ambos serão mortos; fizeram confusão; o seu sangue cairá sobre eles.

13  Se também um homem se deitar com outro homem, como se fosse mulher, ambos praticaram coisa abominável; serão mortos; o seu sangue cairá sobre eles.

14  Se um homem tomar uma mulher e sua mãe, maldade é; a ele e a elas queimarão, para que não haja maldade no meio vós.

15  Se também um homem se ajuntar com um animal, será morto; e matarás o animal.

16  Se uma mulher se achegar a algum animal e se ajuntar com ele, matarás tanto a mulher como o animal; o seu sangue cairá sobre eles.

17  Se um homem tomar a sua irmã, filha de seu pai ou filha de sua mãe, e vir a nudez dela, e ela vir a dele, torpeza é; portanto, serão eliminados na presença dos filhos do seu povo; descobriu a nudez de sua irmã; levará sobre si a sua iniqüidade.

18  Se um homem se deitar com mulher no tempo da enfermidade dela e lhe descobrir a nudez, descobrindo a sua fonte, e ela descobrir a fonte do seu sangue, ambos serão eliminados do meio do seu povo.

19  Também a nudez da irmã de tua mãe ou da irmã de teu pai não descobrirás; porquanto descobriu a nudez da sua parenta, sobre si levarão a sua iniqüidade.

20  Também se um homem se deitar com a sua tia, descobriu a nudez de seu tio; seu pecado sobre si levarão; morrerão sem filhos.

21  Se um homem tomar a mulher de seu irmão, imundícia é; descobriu a nudez de seu irmão; ficarão sem filhos.

22 ¶ Guardai, pois, todos os meus estatutos e todos os meus juízos e cumpri-os, para que vos não vomite a terra para a qual vos levo para habitardes nela.

23  Não andeis nos costumes da gente que eu lanço de diante de vós, porque fizeram todas estas coisas; por isso, me aborreci deles.




Deus previu e assim profetizou  dos povos cananeus ao usar Noé na profecia dos descendentes de seus 3 filhos e do neto Canaã:

Gn 9:22  Cam, pai de Canaã, vendo a nudez do pai, fê-lo saber, fora, a seus dois irmãos.

23  Então, Sem e Jafé tomaram uma capa, puseram-na sobre os próprios ombros de ambos e, andando de costas, rostos desviados, cobriram a nudez do pai, sem que a vissem.

24 ¶ Despertando Noé do seu vinho, soube o que lhe fizera o filho mais moço

25  e disse: Maldito seja Canaã; seja servo dos servos a seus irmãos.

26  E ajuntou: Bendito seja o SENHOR, Deus de Sem; e Canaã lhe seja servo.

27  Engrandeça Deus a Jafé, e habite ele nas tendas de Sem; e Canaã lhe seja servo.


Deus deu 400 anos  para que o povo cananeu (amorreu) se arrependerem, pois a medida da maldade daquele povo estava no limite:

Gn 15:12 ¶ Ao pôr-do-sol, caiu profundo sono sobre Abrão, e grande pavor e cerradas trevas o acometeram;
13  então, lhe foi dito: Sabe, com certeza, que a tua posteridade será peregrina em terra alheia, e será reduzida à escravidão, e será afligida por quatrocentos anos.
14  Mas também eu julgarei a gente a que têm de sujeitar-se; e depois sairão com grandes riquezas.
15  E tu irás para os teus pais em paz; serás sepultado em ditosa velhice.
16  Na quarta geração, tornarão para aqui; porque não se encheu ainda a medida da iniqüidade dos amorreus.
17 ¶ E sucedeu que, posto o sol, houve densas trevas; e eis um fogareiro fumegante e uma tocha de fogo que passou entre aqueles pedaços.
18  Naquele mesmo dia, fez o SENHOR aliança com Abrão, dizendo: À tua descendência dei esta terra, desde o rio do Egito até ao grande rio Eufrates:
19  o queneu, o quenezeu, o cadmoneu,
20  o heteu, o ferezeu, os refains,
21  o amorreu, o cananeu, o girgaseu e o jebuseu.


Deuteronômio 9:4  Quando, pois, o SENHOR, teu Deus, os tiver lançado de diante de ti, não digas no teu coração: Por causa da minha justiça é que o SENHOR me trouxe a esta terra para a possuir, porque, pela maldade destas gerações, é que o SENHOR as lança de diante de ti.
Deuteronômio 9:5  Não é por causa da tua justiça, nem pela retitude do teu coração que entras a possuir a sua terra, mas pela maldade destas nações o SENHOR, teu Deus


A comparação dos objetos de culto e dos textos mitológicos dos cananeus com os dos egípcios e mesopotâmios, força uma única conclusão: de que a religião cananéia era muito mais centralizada no sexo e suas manifestações. Em nenhum outro país tem sido, relativamente tão grande o número de figuras da deusa nua da fertilidade, algumas distintamente obscenas, que se tem encontrado. Em nenhum outro lugar o culto da serpente aparece tão fortemente. As duas deusas Astartc fAstarote) e A na te são chamadas as grandes deusas que conceberam, mas não dão à luz\ Cortesãs sagradas e sacerdotes eunucos eram excessivamente comuns. O sacrifício humano era comum também. . .4 Arqueologia do Antigo Testamento. Merril Unger p. 38 IBR


Essa medida da maldade é citada em outras partes da Bíblia:




Os povo de Canaã sabia do Deus de Israel e seus feitos

Raabe (cananéia) e o gibeonitas (heveus) são preservados


a-Raabe e seus familiares foram preservados

Js 2:1 ¶ De Sitim enviou Josué, filho de Num, dois homens, secretamente, como espias, dizendo: Andai e observai a terra e Jericó. Foram, pois, e entraram na casa de uma mulher prostituta, cujo nome era Raabe, e pousaram ali.

2  Então, se deu notícia ao rei de Jericó, dizendo: Eis que, esta noite, vieram aqui uns homens dos filhos de Israel para espiar a terra.

3  Mandou, pois, o rei de Jericó dizer a Raabe: Faze sair os homens que vieram a ti e entraram na tua casa, porque vieram espiar toda a terra.

4  A mulher, porém, havia tomado e escondido os dois homens; e disse: É verdade que os dois homens vieram a mim, porém eu não sabia donde eram.

5  Havendo-se de fechar a porta, sendo já escuro, eles saíram; não sei para onde foram; ide após eles depressa, porque os alcançareis.

6  Ela, porém, os fizera subir ao eirado e os escondera entre as canas do linho que havia disposto em ordem no eirado.

7  Foram-se aqueles homens após os espias pelo caminho que dá aos vaus do Jordão; e, havendo saído os que iam após eles, fechou-se a porta.

8 ¶ Antes que os espias se deitassem, foi ela ter com eles ao eirado

9  e lhes disse: Bem sei que o SENHOR vos deu esta terra, e que o pavor que infundis caiu sobre nós, e que todos os moradores da terra estão desmaiados.

10  Porque temos ouvido que o SENHOR secou as águas do mar Vermelho diante de vós, quando saíeis do Egito; e também o que fizestes aos dois reis dos amorreus, Seom e Ogue, que estavam além do Jordão, os quais destruístes.

11  Ouvindo isto, desmaiou-nos o coração, e em ninguém mais há ânimo algum, por causa da vossa presença; porque o SENHOR, vosso Deus, é Deus em cima nos céus e embaixo na terra.

12  Agora, pois, jurai-me, vos peço, pelo SENHOR que, assim como usei de misericórdia para convosco, também dela usareis para com a casa de meu pai; e que me dareis um sinal certo

13  de que conservareis a vida a meu pai e a minha mãe, como também a meus irmãos e a minhas irmãs, com tudo o que têm, e de que livrareis a nossa vida da morte.

Josué 6:17  Porém a cidade será condenada, ela e tudo quanto nela houver; somente viverá Raabe, a prostituta, e todos os que estiverem com ela em casa, porquanto escondeu os mensageiros que enviamos.
Josué 6:23  Então, entraram os jovens, os espias, e tiraram Raabe, e seu pai, e sua mãe, e seus irmãos, e tudo quanto tinha; tiraram também toda a sua parentela e os acamparam fora do arraial de Israel.
Josué 6:25  Mas Josué conservou com vida a prostituta Raabe, e a casa de seu pai, e tudo quanto tinha; e habitou no meio de Israel até ao dia de hoje, porquanto escondera os mensageiros que Josué enviara a espiar Jericó.

Hebreus 11:31  Pela fé, Raabe, a meretriz, não foi destruída com os desobedientes, porque acolheu com paz aos espias.
Tiago 2:25  De igual modo, não foi também justificada por obras a meretriz Raabe, quando acolheu os emissários e os fez partir por outro caminho?

b-Gibeonitas (heveus)

2 Samuel 211 ¶ Houve, em dias de Davi, uma fome de três anos consecutivos. Davi consultou ao SENHOR, e o SENHOR lhe disse: Há culpa de sangue sobre Saul e sobre a sua casa, porque ele matou os gibeonitas.

2  Então, chamou o rei os gibeonitas e lhes falou. Os gibeonitas não eram dos filhos de Israel, mas do resto dos amorreus; e os filhos de Israel lhes tinham jurado poupá-los, porém Saul procurou destruí-los no seu zelo pelos filhos de Israel e de Judá.

Josué 9:1 ¶ Sucedeu que, ouvindo isto todos os reis que estavam daquém do Jordão, nas montanhas, e nas campinas, em toda a costa do mar Grande, defronte do Líbano, os heteus, os amorreus, os cananeus, os ferezeus, os heveus e os jebuseus,

2  se ajuntaram eles de comum acordo, para pelejar contra Josué e contra Israel.

3 ¶ Os moradores de Gibeão, porém, ouvindo o que Josué fizera com Jericó e com Ai,

4  usaram de estratagema, e foram, e se fingiram embaixadores, e levaram sacos velhos sobre os seus jumentos e odres de vinho, velhos, rotos e consertados;

5  e, nos pés, sandálias velhas e remendadas e roupas velhas sobre si; e todo o pão que traziam para o caminho era seco e bolorento.

6  Foram ter com Josué, ao arraial, a Gilgal, e lhe disseram, a ele e aos homens de Israel: Chegamos de uma terra distante; fazei, pois, agora, aliança conosco.

7  E os homens de Israel responderam aos heveus: Porventura, habitais no meio de nós; como, pois, faremos aliança convosco?

8  Então, disseram a Josué: Somos teus servos. Então, lhes perguntou Josué: Quem sois vós? Donde vindes?

9  Responderam-lhe: Teus servos vieram de uma terra mui distante, por causa do nome do SENHOR, teu Deus; porquanto ouvimos a sua fama e tudo quanto fez no Egito;

10  e tudo quanto fez aos dois reis dos amorreus que estavam dalém do Jordão, Seom, rei de Hesbom, e Ogue, rei de Basã, que estava em Astarote.

11  Pelo que nossos anciãos e todos os moradores da nossa terra nos disseram: Tomai convosco provisão alimentar para o caminho, e ide ao encontro deles, e dizei-lhes: Somos vossos servos; fazei, pois, agora, aliança conosco.

12  Este nosso pão tomamos quente das nossas casas, no dia em que saímos para vir ter convosco; e ei-lo aqui, agora, já seco e bolorento;

13  e estes odres eram novos quando os enchemos de vinho; e ei-los aqui já rotos; e estas nossas vestes e estas nossas sandálias já envelheceram, por causa do mui longo caminho.

14  Então, os israelitas tomaram da provisão e não pediram conselho ao SENHOR.

15 ¶ Josué concedeu-lhes paz e fez com eles a aliança de lhes conservar a vida; e os príncipes da congregação lhes prestaram juramento.

16  Ao cabo de três dias, depois de terem feito a aliança com eles, ouviram que eram seus vizinhos e que moravam no meio deles.

17  Pois, partindo os filhos de Israel, chegaram às cidades deles ao terceiro dia; suas cidades eram Gibeão, Cefira, Beerote e Quiriate-Jearim.

18  Os filhos de Israel não os feriram, porquanto os príncipes da congregação lhes juraram pelo SENHOR, Deus de Israel; pelo que toda a congregação murmurou contra os príncipes.

19  Então, todos os príncipes disseram a toda a congregação: Nós lhes juramos pelo SENHOR, Deus de Israel; por isso, não podemos tocar-lhes.

20  Isto, porém, lhes faremos: Conservar-lhes-emos a vida, para que não haja grande ira sobre nós, por causa do juramento que já lhes fizemos.



Josué defende os Gibeonitas contra seus vizinhos

Js 10:1 ¶ Tendo Adoni-Zedeque, rei de Jerusalém, ouvido que Josué tomara a Ai e a havia destruído totalmente e feito a Ai e ao seu rei como fizera a Jericó e ao seu rei e que os moradores de Gibeão fizeram paz com os israelitas e estavam no meio deles,
2  temeu muito; porque Gibeão era cidade grande como uma das cidades reais e ainda maior do que Ai, e todos os seus homens eram valentes.
3  Pelo que Adoni-Zedeque, rei de Jerusalém, enviou mensageiros a Hoão, rei de Hebrom, e a Pirã, rei de Jarmute, e a Jafia, rei de Laquis, e a Debir, rei de Eglom, dizendo:
4  Subi a mim e ajudai-me; firamos Gibeão, porquanto fez paz com Josué e com os filhos de Israel.
5  Então, se ajuntaram e subiram cinco reis dos amorreus, o rei de Jerusalém, o rei de Hebrom, o rei de Jarmute, o rei de Laquis e o rei de Eglom, eles e todas as suas tropas; e se acamparam junto a Gibeão e pelejaram contra ela.
6  Os homens de Gibeão mandaram dizer a Josué, no arraial de Gilgal: Não retires as tuas mãos de teus servos; sobe apressadamente a nós, e livra-nos, e ajuda-nos, pois todos os reis dos amorreus que habitam nas montanhas se ajuntaram contra nós.
7 ¶ Então, subiu Josué de Gilgal, ele e toda a gente de guerra com ele e todos os valentes.
8  Disse o SENHOR a Josué: Não os temas, porque nas tuas mãos os entreguei; nenhum deles te poderá resistir.
9  Josué lhes sobreveio de repente, porque toda a noite veio subindo desde Gilgal.
10  O SENHOR os conturbou diante de Israel, e os feriu com grande matança em Gibeão, e os foi perseguindo pelo caminho que sobe a Bete-Horom, e os derrotou até Azeca e Maquedá.
11  Sucedeu que, fugindo eles de diante de Israel, à descida de Bete-Horom, fez o SENHOR cair do céu sobre eles grandes pedras, até Azeca, e morreram. Mais foram os que morreram pela chuva de pedra do que os mortos à espada pelos filhos de Israel.
12  Então, Josué falou ao SENHOR, no dia em que o SENHOR entregou os amorreus nas mãos dos filhos de Israel; e disse na presença dos israelitas: Sol, detém-te em Gibeão, e tu, lua, no vale de Aijalom.
13  E o sol se deteve, e a lua parou até que o povo se vingou de seus inimigos. Não está isto escrito no Livro dos Justos? O sol, pois, se deteve no meio do céu e não se apressou a pôr-se, quase um dia inteiro.
14  Não houve dia semelhante a este, nem antes nem depois dele, tendo o SENHOR, assim, atendido à voz de um homem; porque o SENHOR pelejava por Israel.
15 ¶ Voltou Josué, e todo o Israel com ele, ao arraial, a Gilgal.


Este texto abaixo é um trecho do livro EM DEFESA DA FÉ- Lee Strobel




"Olhei atentamente para os olhos de Geisler. Minha voz deixou transparecer sarcasmo quando apresentei a objeção mais específica ao caráter de Deus.

- O senhor fala em compaixão e misericórdia - disse mas essas qualidades são difíceis de entender quando vemos Deus ordenar o genocídio, dizendo aos israelitas em Deuteronômio 7 que "destruam totalmente" os cananeus e seis outras nações, e "não tenham piedade delas".

Passei a apresentar uma lista.

- Esse não foi um incidente isolado - continuei, ganhando ímpeto à medida que prosseguia. - Deus ordenou a execução de cada primogênito egípcio; enviou o dilúvio e matou incontáveis milhares de pessoas; disse aos israelitas: "Agora vão, ataquem os amalequitas e consagrem ao SENHOR para destruição tudo o que lhes pertence. Não os poupem; matem homens, mulheres, crianças, recém-nascidos, bois, ovelhas, camelos e jumentos".10 (1 Sm 15:3)Isso mais parece um Deus violento e brutal que um Deus amoroso. Como se pode esperar que as pessoas o adorem se ele ordena que crianças sejam massacradas?

A despeito da severidade da pergunta, Geisler manteve um tom calmo e equilibrado.

- Isso mostra - disse -, que o caráter de Deus é absolutamente santo e que ele tem de punir o pecado e a rebeldia. Ele é um justo juiz; inquestionavelmente, isso é parte de sua essência. Mas, em segundo lugar, o seu caráter também é misericordioso.

Ouça: se alguém quer escapar, ele permite que o faça." Geisler fez uma pausa. Minhas perguntas obviamente exigiam uma resposta mais longa. merecem uma resposta consciente - redargüiu. - Você se

importa se analisarmos essas passagens com um pouco mais de cuidado? Porque, se assim o fizermos, creio que veremos a mesma postura, caso a caso.

Fiz um gesto para que prosseguisse.

- Por favor - eu disse - analise-as. Eu realmente quero entender.

- Vamos começar pelos amalequitas - ele disse. - Ouça, Lee, eles estavam longe de ser inocentes. Longe disso. Não eram boas pessoas. Na verdade, eram absoluta e totalmente depravados. Sua missão era destruir Israel. Em outras palavras, cometer genocídio. Como se isso não fosse suficiente, leve em conta o que estava pesando na balança. Os israelitas eram o povo escolhido por quem Deus traria salvação ao mundo todo através de Jesus Cristo.

- Então, o senhor está dizendo que mereciam ser destruídos?- perguntei.

- A destruição da nação foi uma exigência da gravidade do pecado - disse Geisler. - Se um remanescente empedernido tivesse sobrevivido, poderiam retomar sua agressão contra os israelitas e o plano de Deus. Era um povo persistente, cruel e belicoso. Para ilustrar como eram intoleráveis, haviam seguido os israelitas e massacrado covardemente as pessoas mais vulneráveis - os fracos, os idosos e os inválidos que tinham ficado para trás.

- Eles queriam eliminar até o último dos israelitas da face da terra. Deus podia ter lidado com eles por meio de um desastre natural, como uma enchente, mas em vez disso usou Israel como seu instrumento de juízo. Agiu não somente por causa dos israelitas, mas também, em última análise, em benefício de cada pessoa ao longo da história, cuja salvação seria oferecida pelo Messias que haveria de nascer entre eles.

- Mas as crianças - protestei. - Por que crianças inocentes tinham de ser mortas7"

- Vamos ter em mente - disse, - que estritamente ninguém é de fato inocente. A Bíblia diz no salmo 51 que todos nós nascemos em pecado, isto é, com a propensão para nos rebelarmos e cometer transgressões. Além disso, precisamos ter em mente a soberania de Deus sobre a vida. Certa vez, um ateu levantou esse assunto em um debate e eu respondi dizendo: "Deus criou a vida e ele tem o direito de tirá-la. Se você pode criar a vida, então você pode ter o direito de tirá-la. Mas se você não pode criá-la, você não tem esse direito". E a audiência aplaudiu. - As pessoas supõem que o que é errado para nós é errado para Deus. No entanto, é errado que eu tire a sua vida, porque não a fiz e não a possuo. Por exemplo, é errado que eu entre no seu jardim e arranque os seus arbustos, corte-os, mate-os, transplante-os ou mude-os de lugar. Eu posso fazer isso no meu jardim, porque eu sou o dono dos arbustos do meu jardim. - Pois bem, Deus é soberano sobre toda a vida e tem o direito de tirá-la se o quiser. De fato, nós temos a tendência de esquecer que Deus tira a vida de cada ser humano. Isso é chamado morte. A única questão é quando e como, coisas que devemos deixar para ele resolver.

E quanto às crianças? Intelectualmente, poderia até aqui entender a resposta de Geisler. Emocionalmente, todavia, ela não avançava o suficiente. Eu continuava inquieto.- Mas as crianças... - insisti.

Geisler, ele mesmo pai de seis filhos e avô de nove, simpatizava com a idéia.

- Física e socialmente, o destino das crianças ao longo da história sempre esteve ligado aos seus pais, seja para o bem ou para o mal - observou.

- Lee, você precisa compreender a situação dos amalequitas. Naquela cultura inteiramente ímpia, violenta e depravada, não havia esperança para aquelas crianças. Essa nação estava tão corrompida quanto uma gangrena que estivesse se apossando da perna de uma pessoa; Deus tinha de amputar a perna, senão a gangrena se espalharia e não sobraria nada.


Em certo sentido, a ação de Deus foi um ato de misericórdia.- Misericórdia? - espantei-me. - Como assim?

- De acordo com a Bíblia, toda criança que morre antes da idade da razão vai para o céu a fim de passar a eternidade na presença de Deus - respondeu. - Ora, se elas tivessem continuado a viver naquela sociedade horrível além da idade da razão, certamente iriam se corromper e assim perder-se para sempre.

- O que o faz pensar que as crianças vão para o céu quando morrem? - indaguei.

- Isaías 7.16 fala de certa idade antes que a criança seja moralmente responsável, antes que a criança "saiba rejeitar o erro e escolher o que é certo". O rei Davi falou em estar com o seu filho que morreu ao nascer. Jesus disse: "Deixem vir a mim as crianças, não as impeçam; pois o Reino de Deus pertence aos que são semelhantes a elas", o que indica que elas irão para o céu.!' Ainda existem muitas outras evidências bíblicas em defesa dessa posição.

Apontei uma aparente inconsistência.

- Se, em última análise, foi melhor que aquelas crianças morressem antes da idade da razão, porque assim elas iriam para o céu, por que não se pode dizer o mesmo quanto a crianças ainda não nascidas que são abortadas em nossos dias?

- perguntei. - Se elas forem abortadas, certamente irão para o céu, mas se nascerem e crescerem poderão rebelar-se contra Deus e acabar no inferno. Esse não é um forte argumento a favor do aborto?

A resposta de Geisler veio rapidamente.

- Não, essa é uma falsa analogia - insistiu. - Primeiro, Deus não ordena a ninguém que faça hoje em dia um aborto; de fato, isso é contrário aos ensinamentos da Bíblia. Lembrese, ele é o único que pode decidir tirar uma vida porque ele é o autor último da vida. Segundo, não temos hoje uma culturaque seja tão completamente corrompida como a sociedade amalequita. Naquela cultura, não havia esperança; hoje, existe esperança.

- Nesta ordem de idéias - disse, - o senhor não acha que Deus estava sendo pouco razoável ao ordenar a destruição dos amalequitas.

- Você precisa lembrar que essas pessoas tiveram muitas oportunidades para mudar seus caminhos e evitar tudo isto - afirmou. - De fato, se você considerar todos os cananeus junto com os amalequitas, tiveram quatrocentos anos para se arrepender. Isso é muitíssimo tempo. Finalmente, depois de

esperar por séculos para dar-lhes a oportunidade de abandonar o caminho para a autodestruição, a natureza de Deus exigiu que ele cuidasse da maldade intencional dos amalequitas. Certamente não agiu de modo precipitado. Agora, precisamos ter em mente que os que quiseram sair dessa situação já o tinham feito; tiveram amplas oportunidades ao longo dos anos. Certamente aqueles que quiseram ser salvos da destruição fugiram e foram poupados. Em Josué 6, onde a Bíblia fala sobre a destruição de Jericó e dos cananeus, você tem o mesmo modelo. Era uma cultura inteiramente má, tanto assim que a Bíblia diz que dava náuseas a Deus. Estavam envolvidos na brutalidade, crueldade, incesto, bestialidade, prostituição religiosa e até mesmo sacrifício de crianças na fogueira. Era uma cultura agressiva que queria aniquilar os israelitas. Novamente, eis pessoas malignas que foram destruídas, exceto os justos que viviam entre elas e foram salvos. Por exemplo, Raabe, que protegeu os espiões israelitas, não foi julgada ao lado de outras pessoas. E veja o que aconteceu com os corruptos habitantes da cidade de Nínive. Deus iria julgá-los porque mereciam, mas eles se arrependeram e Deus salvou todo mundo.

Assim, a questão é a seguinte: Deus está disposto a salvar a quem se arrepende. É importante lembrar disso.

- Veja, o propósito de Deus nesses exemplos foi destruir a nação corrupta porque a estrutura nacional era inerentemente má, e não destruir pessoas se elas estivessem dispostas a se arrepender. Muitos versículos indicam que o principal desejo de Deus era expulsar essas pessoas más da terra pois sabiam que havia sido prometida há muito tempo a Israel. Dessa maneira, Israel poderia entrar e ficar relativamente livre da corrupção externa que poderia destruí-lo como um câncer. Queria criar um ambiente em que o Messias poderia advir para o bem de milhões de pessoas ao longo da história."

- A norma, portanto, era que as pessoas tiveram um bocado de advertências? - perguntei.

- Certamente - respondeu. - E leve em conta o seguinte: a maior parte das mulheres e crianças teria fugido antecipadamente antes do início da luta propriamente dita, deixando atrás de si os guerreiros para enfrentar os israelitas. Os combatentes que permaneceram teriam sido os mais endurecidos, aqueles que se recusaram obstinadamente a partir, os defensores da cultura corrupta. De qualquer maneira é bastante questionável quantas mulheres e crianças poderiam estar envolvidas nisso.

- Além disso, face as regras de conduta que Deus havia estabelecido aos israelitas, sempre que entravam em uma cidade inimiga, primeiro deviam propor ao povo uma oferta de paz. O povo tinha uma escolha: podia aceitar a oferta, nesse caso não seriam mortos, ou podiam rejeitar o oferecimento por sua conta e risco. Isso é apropriado e justo.

Tive de admitir que essas considerações lançavam nova luz sobre a situação, especialmente os comentários sobre as muitas advertências que haviam sido dadas e a probabilidade de que as mulheres e crianças talvez tivessem deixado a região antes de qualquer batalha. Por mais inquietantes que sejam essas passagens, foi útil saber que Israel oferecia a paz antes de travar um combate e que a norma bíblica é que as pessoas arrependidas recebam a oportunidade de evitar o julgamento.

- Deus não estaria sendo caprichoso?- Ele não é caprichoso, não é arbitrário, não é cruel. Todavia,

Lee, preciso dizer-lhe uma coisa: ele é inegavelmente justo. Sua natureza exige que trate das pessoas corruptas que, de maneira obstinada e deliberada, persistem no mal. E não é issoo que ele deveria fazer? Não é isso o que nós queremos - que a justiça seja feita? Uma das principais coisas que devemos lembraré que ao longo da história, para os que se arrependem e se voltam para ele, Deus é compassivo, misericordioso, bondoso e generoso. No final, todos nós assistiremos à sua justiça.

Ainda assim, havia outro episódio perturbador - outra vez envolvendo crianças - que parecia questionar a opinião de Geisler de que Deus não age de modo arbitrário. Isto constitui-se num dos episódios mais estranhos de toda a Bíblia.

Massacre cósmico?

O profeta Eliseu estava percorrendo a estrada para Betel quando se encontrou com alguns meninos que o importunaram fazendo graça da sua calvície. "Suma daqui, careca!", eles caçoaram."Suma daqui, careca!" Ele reagiu amaldiçoando-os em nome de Deus. Então, em um impressionante ato de punição,duas ursas repentinamente saíram do bosque e despedaçaram 42 merrinos.P

- Dr. Geisler, o senhor insistiu que Deus não é caprichoso rebati.- Mas isso parece uma reação excessiva para uma ofensa pequena e tola. Despedaçar 42 criancinhas inocentes só porque fizeram troça de um indivíduo careca é rigoroso demais.

Geisler estava bem familiarizado com a questão.

- A pressuposição da sua pergunta está errada - respondeu.

- Não se tratava de criancinhas inocentes.

Tendo previsto sua resposta, peguei uma fotocópia desta passagem bíblica e a empurrei em sua direção.

- Sim, eram - retruquei. - Veja bem aí - disse apontando para as palavras. - Diz "criancinhas".

12V 2 Reis 2.23-25.

Geisler olhou rapidamente para a folha, reconhecendo imediatamente a fonte.

- Infelizmente, a VERSÃO DO REI TIAGO tem uma tradução equivocada - disse. - Os estudiosos verificaram que o original hebraico é melhor traduzido como "jovens". A NOVA VERSÃO

INTERNACIONAL traduz a palavra como "meninos". Até onde podemos saber, tratava-se de um bando violento de adolescentes perigosos, comparável a uma moderna gangue de rua.

A vida do profeta estava correndo perigo simplesmente pelo grande número deles - se 42 foram despedaçados, quem sabe quantos ao todo o estavam ameaçando?

- Ameaçando-o? - perguntei. - Tenha paciência! Eles só estavam fazendo graça de sua calvície.

- Quando você entender o contexto, verá que era algo muito mais sério que isso - Geisler respondeu. "Os comentaristas têm observado que os escárnios visavam questionar a condição de profeta de Eliseu. Em essência, estavam querendo dizer: "Se você é um homem de Deus, por que não sobe para o céu como fez o profeta Elias? Aparentemente, estavam zombando da obra anterior de Deus quando levou Elias para o céu. Desrespeitavam com sua incredulidade o que Deus havia feito por intermédio desses dois profetas. E o comentário de Eliseu ser calvo com toda a probabilidade era uma referência ao fato de que os leprosos daqueles dias raspavam a cabeça. Eles estavam injuriando Eliseu - um homem dotado de dignidade e autoridade como profeta de Deus - como um pária detestável e desprezível. Estavam lançando uma mancha não somente sobre o caráter dele, mas também sobre o caráter de Deus, uma vez que Eliseu era o representante de Deus.

- Ainda assim - reiterei -, não seria uma ofensa um tanto pequena?

- Não no contexto daqueles dias - explicou. - Eliseu com razão sentiu-se ameaçado pelo bando. A sua vida corria perigo. Eles estavam, com efeito, atacando-o e a Deus. Foi um tipo de golpe preventivo para infundir temor no coração de quem quisesse repetir o ato, que poderia ser um precedente perigoso. Se um bando ameaçador de adolescentes saísse ileso e Deus não viesse em auxílio do profeta, pense no efeito negativo que isso teria sobre a sociedade. Poderia abrir as portas para outros ataques contra profetas e conseqüentemente o desprezo da mensagem urgente de Deus que estavam tentando difundir. De fato, como disse um comentarista, "em vez de demonstrar crueldade desenfreada, o ataque das ursas mostra como Deus tenta repetidamente trazer o seu povo de volta por meio de juízos menores evitando

que o pecado do povo cresça demais e o juízo precise vir com força total [... ] A desastrosa queda de Samaria teria sido evitada caso o povo tivesse se arrependido após o ataque das ursas" .13

- Por último - Geisler acrescentou, - eu diria uma vez mais que precisamos considerar a soberania de Deus. Não foi Eliseu que tirou a vida deles; foi Deus que os criou e deixou as ursas à solta. Se ele criou a vida, tem todo o direito de tirá-la.

O ataque desse bando contra o profeta revelou a sua verdadeira atitude para com Deus e quando alguém amaldiçoa arrogantemente e se opõe obstinadamente a Deus sempre envereda por um caminho perigoso que leva à destruição."

Dobrei a fotocópia.

- Então é uma leitura incorreta do texto original considerar essas pessoas como simples crianças - disse.

- Certo - respondeu. - O termo hebraico usado para descrevê-los [ne'ãrim] indica que muito provavelmente estavam entre as idades de 12 e 30 anos. Com efeito, a mesma palavra hebraica é usada em outro trecho para descrever homens do exércíto.!" Como você pode ver, quando tudo é colocado

em perspectiva se tem uma imagem muito diferente do que se supunha originalmente.

13Walter C. lCAISER [r., Peter H. DAVIDS, F: E BRUCE & Manfred T. BRAUCH,

Hard sayings of the Bible, Downers Grave, Illinois: InterVarsity Press,

1996, p. 233-4.

14Ibid., V tb, 1 Reis 20.14,15.


A essa altura, as respostas de Geisler haviam esvaziado boa parte dos argumentos contra o caráter de Deus, trazendo algum equilíbrio e contexto para se entender a sua aparente intenção nesses episódios controvertidos. Embora essas passagens ainda fossem questões não inteiramente resolvidas,

ver o outro lado tornava mais fácil dar a Deus o benefício da dúvida, especialmente à luz da preponderância de outras evidências de sua compaixão e amor.

Todavia, também havia uma questão correlata acerca do caráter de Deus que preocupa a muitas pessoas nos dias de hoje: como ele tratou os animais. Por que ele criou um mundo em que os predadores constantemente espreitam as suas vítimas e no qual a morte violenta é uma parte integrante da vida?

Mais fundamentalmente, isso não revela algo inquietante sobre a atitude de Deus?