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quarta-feira, 14 de julho de 2021

Quando o voto nulo é a melhor opção? - Mitos sobre o voto nulo



 Perguntas introdutórias

Você acha que 1 (um ) em cerca de 150 milhões de eleitores pode mudar o resultado de uma eleição?

Se ele não muda a eleição, por que você votaria num candidato que não te agrada e não te representa para supostamente não deixar ganhar outro candidato pior, se de fato seu voto não vai mudar o resultado?

Essa seria a melhor escolha?



Diferenças entre Voto nulo, Voto Branco e Voto Válido




Voto em branco
De acordo com o Glossário Eleitoral do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o voto em branco é aquele em que o eleitor não manifesta preferência por nenhum dos candidatos. Antes do aparecimento da urna eletrônica, para votar em branco bastava não assinalar a cédula de votação, deixando-a em branco. Hoje em dia, para votar em branco é necessário que o eleitor pressione a tecla “branco” na urna e, em seguida, a tecla “confirma”.


Voto nulo

O TSE considera como voto nulo aquele em que o eleitor manifesta sua vontade de anular o voto. Para votar nulo, o eleitor precisa digitar um número de candidato inexistente, como por exemplo, “00”, e depois a tecla “confirma”.
Antigamente como o voto branco era considerado válido (isto é, era contabilizado e dado para o candidato vencedor), ele era tido como um voto de conformismo, na qual o eleitor se mostrava satisfeito com o candidato que vencesse as eleições, enquanto que o voto nulo (considerado inválido pela Justiça Eleitoral) era tido como um voto de protesto contra os candidatos ou contra a classe política em geral.  https://www.tre-es.jus.br/imprensa/noticias-tre-es/2014/Outubro/voto-branco-x-voto-nulo-saiba-a-diferenca



Votos válidos
Atualmente, vigora no pleito eleitoral o princípio da maioria absoluta de votos válidos, conforme a Constituição Federal e a Lei das Eleições. Este princípio considera apenas os votos válidos, que são os votos nominais e os de legenda, para os cálculos eleitorais, desconsiderando os votos em branco e os nulos.
A contagem dos votos de uma eleição está prevista na Constituição Federal de 1988 que diz: "é eleito o candidato que obtiver a maioria dos votos válidos, excluídos os brancos e os nulos".
Ou seja, os votos em branco e os nulos simplesmente não são contados. Por isso, apesar do mito, mesmo quando mais da metade dos votos forem nulos, não é possível cancelar uma eleição.
Como é possível notar, os votos nulos e brancos acabam constituindo apenas um direito de manifestação de descontentamento do eleitor, não tendo qualquer outra serventia para o pleito eleitoral, do ponto de vista das eleições majoritárias (eleições para presidente, governador e senador), em que o eleito é o candidato que obtiver a maioria simples (o maior número dos votos apurados) ou absoluta dos votos (mais da metade dos votos apurados, excluídos os votos em branco e os nulos). https://www.tre-es.jus.br/imprensa/noticias-tre-es/2014/Outubro/voto-branco-x-voto-nulo-saiba-a-diferenca

 



Motivos gerais para o voto nulo

Indiferença/apatia
Protesto/ Convicção
Indecisão


Na literatura politológica, nota-se claramente uma forte visão negativa contra essas ações eleitorais, que são mostradas como apatia ou anomalia estatística e lógica. Mostra-se que o abstencionista é estatisticamente pobre, com baixo nível de ensino, mora nas periferias do país e das cidades etc.
Até que os notórios Lijphart e Fruncillo vão além da descrição avaliativa (neutra) própria da ciência política e passam a afirmar explicitamente que o “abstencionismo deve ser combatido porque moralmente inaceitável”. A preocupação aqui parece ser mais política que científica. Ao contrário, dois grandes cientistas como Lipset e Burnham levantam a hipótese do “abstencionista satisfeito”, um agente que não vota porque, não obstante tudo, está satisfeito com o status quo, não é movido por grandes forças, não tem ou não percebe grandes motivos e objetivos para a mudança e para  votar. ...O voto branco é um voto de protesto. A Ciência da Política. Adriano Gianturco, Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2018, p. 327


Ou seja, os votos em branco e os nulos simplesmente não são contados. Por isso, apesar do mito, mesmo quando mais da metade dos votos forem nulos, não é possível cancelar uma eleição.
Como é possível notar, os votos nulos e brancos acabam constituindo apenas um direito de manifestação de descontentamento do eleitor, não tendo qualquer outra serventia para o pleito eleitoral, do ponto de vista das eleições majoritárias (eleições para presidente, governador e senador), em que o eleito é o candidato que obtiver a maioria simples (o maior número dos votos apurados) ou absoluta dos votos (mais da metade dos votos apurados, excluídos os votos em branco e os nulos). https://www.tre-es.jus.br/imprensa/noticias-tre-es/2014/Outubro/voto-branco-x-voto-nulo-saiba-a-diferenca

 




Mitos:

1- Votar nulo ou branco é ser omisso, não ser patriota?
Resposta:
O voto nulo ou  em branco é uma opção dos regimes democráticos, e sendo assim se faz presente como opção nas cédulas de papel ou na urna eletrônica.

O voto nulo ou em branco pode representar indecisão, apatia mas também pode demonstrar que a pessoa que escolheu, o  fez por convicção de que nenhum dos candidatos o representa.


Apesar de o voto no Brasil ser obrigatório, o eleitor, de acordo com a legislação vigente, é livre para escolher o seu candidato ou não escolher candidato algum. Ou seja: o cidadão é obrigado a comparecer ao local de votação, ou a justificar sua ausência, mas pode optar por votar em branco ou anular o seu voto. https://www.tre-es.jus.br/imprensa/noticias-tre-es/2014/Outubro/voto-branco-x-voto-nulo-saiba-a-diferenca




2- Votar nulo ou branco é abstencionismo?
Resposta:
O abstencionismo na verdade seria não comparecer para votar (nulo, branco ou em um candidato)

 

 O voto branco não é “abstencionismo ativo” ou “voto não expresso”, visto que: a) o abstencionismo é já uma ação (logo, já e sempre ativa por definição); b) o voto branco é um voto, logo não é abstencionismo; e expressa algo, mesmo que não expresse apoio a um dos candidatos /partidos disponíveis. O fato que o analista pode não entender não
significa que não expresse algo.
A Ciência da Política. Adriano Gianturco, Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2018,
p. 327

 

Abstenção eleitoral
Termo usado para definir a não-participação [do eleitor] no ato de votar
O índice de abstenção eleitoral é calculado como o percentual de eleitores que, tendo direito, não se apresentam às urnas. É diferente dos casos em que o eleitor, apresentando-se, vota em branco ou anula o votohttps://www.tse.jus.br/eleitor/glossario/termos-iniciados-com-a-letra-a#abstencao-eleitoral acessso em 13/07/2021

3- Votar nulo é indecisão
Resposta:
O voto nulo ou em branco pode representar indecisão, apatia mas também pode demonstrar que a pessoa que escolheu, o  fez por convicção de que nenhum dos candidatos o representa.


4- Não votar num candidato X, anulando o voto faz com que o candidato Y seja eleito?
Resposta:
 Quando um candidato Y ganha uma eleição significa que a maioria das pessoas o elegeram (escolheram). Desta forma a pessoa que anula ou vota em branco não escolheu o candidato X ou Y, ela decidiu anular ou tornar seu voto não válido, ou seja, ela não escolheu nenhum candidato.

Além disso nenhum voto individual é relevante estatisticamente, o candidato X ou Y não vai ganhar por causa de um voto, deve-se votar em candidatos que representam nossos ideais, se nenhum deles preenche este requisito uma boa opção é anular ou votar em branco.



Em 1951, Anthony Downs demonstrou em um trabalho seminal que, saindo  para ir votar, há mais probabilidades de morrer em um acidente de carro que mudar o resultado. Isso porque o número de pessoas que votam é enorme, logo cada voto tem um peso ínfimo. Para seu voto poder afetar o resultado, deveria haver um empate perfeito, exceto seu veto; nesse caso, um voto faria a diferença. Obviamente isso é altamente improvável. Maior é o número de pessoas que votam, mais é improvável; menor é o peso de cada voto, menor é a chance de você mudar o resultado. É claro que, se ninguém votasse, seu voto pesaria estatisticamente mais. 
A Ciência da Política. Adriano Gianturco, Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2018,
p. 326


É considerado voto nulo quando o eleitor manifesta sua vontade de anular, digitando na urna eletrônica um número que não seja correspondente a nenhum candidato ou partido político oficialmente registrados. No caso de uso de cédula de papel, é nulo o voto quando o eleitor faz qualquer marcação que não identifique de maneira clara o nome, ou o número do candidato, ou o número do partido político. São nulos, igualmente, os votos cujas cédulas contenham elementos gráficos estranhos ao ato de votar. O voto nulo é apenas registrado para fins de estatísticas e não é computado como voto válido, ou seja, não vai para nenhum candidato, partido político ou coligação. 
https://www.tse.jus.br/eleitor/glossario/termos-iniciados-com-a-letra-v acesso em 13/07/2021



5-Voto nulo  é pior do que voto contra o adversário?
Resposta:
Se argumenta que se deve votar no "menos pior" ao invés de nulo ou em branco, mas  o voto contra o adversário expressa a antipatia ou rejeição a um candidato ou ideologia, um voto emotivo, pouco racional, além do fato de achar que o voto de um indivíduo vai mudar a eleição. Um voto em A, B  ou nulo ou em branco não muda uma eleição, pois o peso estatístico é baixo

 Os indivíduos votam como torcem no estádio. Eles sabem que não mudarão o resultado em campo, mas, de forma um pouco mais emotiva que racional, querem participar, se sentir parte de um grupo, gritar contra o adversário. Não se vota para receber um benefício e não se vota para o candidato que concede mais benefício, mas para se mostrar um bom cidadão, que está cumprindo seu dever cívico, para expressar pertencimento a um partido, a um grupo, a uma ideologia, a uma causa, ao próprio círculo de amigos etc. 
A Ciência da Política. Adriano Gianturco, Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2018,
p. 326



Em 1951, Anthony Downs demonstrou em um trabalho seminal que, saindo  para ir votar, há mais probabilidades de morrer em um acidente de carro que mudar o resultado. Isso porque o número de pessoas que votam é enorme, logo cada voto tem um peso ínfimo. Para seu voto poder afetar o resultado, deveria haver um empate perfeito, exceto seu veto; nesse caso, um voto faria a diferença. Obviamente isso é altamente improvável. Maior é o número de pessoas que votam, mais é improvável; menor é o peso de cada voto, menor é a chance de você mudar o resultado. É claro que, se ninguém votasse, seu voto pesaria estatisticamente mais. A Ciência da Política. Adriano Gianturco, Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2018, p. 326


 6- E se todos ou a maioria votassem nulo?

Resposta: 

Com certeza traria uma grande repercussão internacional trazendo uma reflexão sobre a qualidade dos candidatos, não mudaria o resultado da eleição pois votos nulos ou brancos são votos não válidos. Mas na verdade os votos nulos e brancos são minoria.



Quando votar nulo ou em branco?
  • Quando se faz por convicção  e não por indecisão
  • Quando se faz por escolha racional e não por emoção.
  • Quando se faz por investigação e não por indiferença




segunda-feira, 14 de junho de 2021

Antropologia da Religião

 

Introdução à Antropologia da Religião.

 


Para conhecer uma introdução ANTROPOLOGIA GERAL CLICK  http://averacidadedafecrista.blogspot.com/2021/05/antropologia-introducao.html


"Como qualquer outro aspecto da existência humana, tanto físico quanto cultural, as religiões são notavelmente diversas. É tarefa da antropologia estudar a diversidade humana. E, como acontece com o estudo de outros aspectos da diversidade cultural, como a linguagem ou o parentesco, não é tarefa da antropologia julgar a religião, menos ainda mostrar sua falsidade ou autenticidade." Introdução à antropologia da religião. São Paulo: Vozes.2018. p. 22


Qual  a tarefa da antropologia da religião?

·         Não emitir julgamentos sobre a veracidade ou não das religiões

 Estudar Diversidade das religiões.

·         Elementos comuns das várias religiões

·         Diversidade interna de uma mesma religião (Islamismo, Cristianismo,etc.)

·         Relação existente entre a religião e a sociedade

 

Princípios da  antropologia da religião:


1- Descrição comparativa ou intercultural/ multiculturalismo em oposição a uma descrição superficial

Relato minucioso, detalhado, das maneiras de pensar, agir, sentir das pessoas de uma religião (por um observador residente).


2- Visão holística ou integral / em oposição a uma visão parcial, isolada do resto da cultura

Vai analisar a religião e sua integração com os aspectos econômicos, políticos, sociais, psíquicos, afetivos, familiares, de parentesco, etc.



3- Relativismo cultural/ em oposição ao etnocentrismo (eurocentrismo) do sec. XIX

Cada cultura tem suas peculiaridades, características. posto que ela reflete o entendimento que cada cultura tem seus próprios padrões de compreensão e julgamento.

 

Funções da religião - religare/relegere:

1-      Satisfazer necessidades individuais ( financeiras, afetivas,  emocionais, físicas, etc.)

2-      Satisfazer carência espiritual

3-      Sentido existencial

4-      Fortalecer a obediência às normas morais básicas por meio de punições definitivas (punição pós-morte)

 

 

TEORIAS ANTROPOLÓGICAS DA RELIGIÃO

" Os antropólogos e outros estudiosos da religião forneceram uma variedade de perspectivas teóricas, cada qual fecunda e cada qual limitada à sua maneira. Provavelmente nenhuma perspectiva teórica sozinha, como nenhuma definição sozinha, pode jamais captar toda a essência ou natureza da religião. Acima de tudo deveríamos evitar o reducionismo, a atitude de que um fenômeno como a religião possa ser explicado em termos de (“reduzido a”) uma causa ou base não religiosa única, quer essa causa ou base seja psicológica, biológica ou social. Ao mesmo tempo, não podemos deixar de observar que as teorias científicas/antropológicas da religião encontram a “razão” ou explicação para a religião na não-religião."  Introdução à antropologia da religião. São Paulo: Vozes.2018,p. 36

1-  Históricas/evolucionistas


E. B. Tylor acreditava que a religião surgiu do animismo. Animismo-deuses tribais- politeísmo- henoteísmo- monoteísmo.

Augusto Conte- a humanidade passa por estágios: teológico-filosófico- cientifico ou positivo.

Hebert Spencer- religião começa pela superstição. Da superstição até o monoteísmo.

*Freud- religião começou como totem (totemismo), o assassinato do pai, que se tornou deus, pois os filhos queriam as mulheres do pai. (teoria psicanalítica)

*Karl Marx- religião iria desaparecer ao se extinguir a luta de classes. ( Teoria do materialismo histórico).

 James Frazer – acreditava que a religião começou como magia.

 

 

2-  Teorias psicológicas

2.1 Teoria Emocionalista

Max Mueller, Rudolf Otto . Acreditavam que a religião começa com emoção avassaladora e termina com erro linguístico.  Divinização do sentimento de temor, espanto e admiração da natureza.

 

2.2 Teoria Psicanalítica

Freud.(ver acima)

 

2.3- Teorias intelectualistas

E. B. Tylor – os antigos tinham uma interpretação confusa entre sonho/visões/ alucinações/ realidade e um sentimento de saudade dos mortos, daí inventaram o conceito de alma/espírito imaterial, e dai surgiu o animismo e que depois evoluiu até chegar ao monoteísmo.

 

James Frazer – acreditava que a religião começou como magia (raciocínio imperfeito) até chegar no monoteísmo. Defendia que a interpretação dos fenômenos tinham causas sobrenaturais e não naturais.

 2.4- Teoria da mentalidade primitiva / unidade psíquica

Adolf Bastain- Acreditava que existe uma unidade psíquica da humanidade (arquétipo), ideias fundamentais básicas, ou seja, mentalmente iguais (anseios, necessidades, sentimentos, etc.). O que diferencia o homem antigo do atual seria apenas uma formulação local destes arquétipos. Para ele as religiões deveriam ser analisadas por estes arquétipos universais, pois seriam construídas com base nestes arquétipos.

 

Lucien Levy-Bruhl- Acreditava que o homem atual e o da antiguidade tinham maneiras diferente de pensar, pois os antigos  eram pré-lógicos’ (mentalidade primitiva). Como exemplo uma estátua poderia ser um objeto e ao mesmo tempo um deus. Ele posteriormente rejeitou este ponto de vista.

 2.5-Teoria Estruturalista

Esta teoria defendida por Levi-Strauss  (1908-2009) dizia que um mito deve ser interpretado dentro de um contexto onde o totem, o culto, o símbolo tenham um significado que dê sentido ao todo, sendo cada um deles complementares e interpretados dentro de um contexto em analogia de significação de uma palavra numa frase, e de uma frase em em meio a outras frases (contexto maior).

 

2.6  Teoria Neurológica

Newberg, dÁquili e Rause (2002)- observou que místicos (em meditação) tem intensa atividade cerebral no lóbulo temporal esquerdo, ele concluiu que o estímulo cerebral ra proveniente de algum fenômeno ou força real.

 

Michel Persinger (1987) estimulou áreas do cérebro e conseguiu reproduzir experiência religiosa, e daí concluiu que a religião é resultado da atividade cerebral e não de algo exterior ao cérebro.

 

3- Teorias Sociais

3.1- Funcionalismo-

Para a teoria funcionalista a religião tem a função de coesão social, dita normas de convivência social, impõe regras, costumes. Para Durkheim a religião é a sociedade divinizada. Nos momentos de efervescência social surge a ideia religiosa.

 

3.2- Materialismo Histórico- Socialismo

Teoria de Marx e Engels que diz que a luta de classe é o que move a história, sendo que a classe dominante impõe sua ideias sobre as classes dominadas, e a religião é uma expressão dessas ideias. Portanto a religião é consequência da luta de classes e uma vez extinguida essa luta, a religião desaparece. A religião é ópio do povo, suspiro da criatura oprimida, consolo contra a opressão das classes sociais dominantes.

3.3- Funcionalismo estrutural

Teoria afirma que a religião desempenha uma papel de criação e manutenção da sociedade (coesão social).

Ela defende também que a religião  alivia o medo, tensão e outras tensões negativas.

 

3.4 Antropologia simbólica ou interpretativa

E´uma abordagem da religião com ênfase na interpretação dos símbolos, ligada à ordem social e à experiência individual. Defensores Victor Turner e Clifford Geertz.

 

4- Teorias Modulares

Estas teorias veem a religião como composta por módulos, ou seja, um composto de elementos, que constituem um religião.

4.1- Abordagem por elementos modulares de Wallace (1923)

Elementos modulares de Wallace (não estão em todas as religiões, mas a maioria tem alguns desses elementos):

·         Oração

·         Musica , dança, canto

·         Exercícios (substancias e privações físicas)

·         Exortações, ordens, estímulos e ameaças

·         Mito

·         Magia, bruxaria , ritual

·         Mana ou poder por contato

·         Tabu ou proibição de contato

·         Festas

·         Sacrifícios

·         Assembleia e atividade de grupo

·         Inspiração, alucinação e misticismo

·         Símbolos


4.2 A abordagem evolucionária cognitiva: Guthrie, Boyer e Atran 

Essa teoria ensina que a religião é um subproduto de módulos emotivos ( medo, surpresa, raiva, náusea), módulos afetivos ( angústia, culpa e amor) e módulos conceituais. [Soctt Atran] Os agentes sobrenaturais (deus, anjos,demônios, gnomos, espíritos, etc)  são uma extrapolação da capacidade de julgamento (agencia humana)  de detectar agentes como predadores, protetores ou presas.

 


 Alguns observadores notaram, desde o tempo de Xenófanes, que as entidades religiosas tendem a ter traços semelhantes aos traços humanos, um fenômeno chamado antropomorfismo. Em 1993 Stewart Guthrie apresentou sua “nova teoria” da religião baseada numa séria aplicação da ideia antropomórfica. Contudo, a partir de sua perspectiva, o antropomorfismo quanto ao mundo sobrenatural (e ao mundo natural) não era um equívoco, mas antes uma “boa aposta”: “É uma aposta porque o mundo é incerto, ambíguo e necessitado de interpretação. É uma boa aposta, porque as interpretações mais valiosas são geralmente aquelas que desvendam a presença de tudo o que é mais importante para nós. Isto geralmente são outros seres humanos” (1993: 3). 

Evidentemente, as entidades sobrenaturais não são exatamente como os humanos: elas são muitas vezes maiores ou mais poderosas ou invisíveis ou imortais, mas ainda assim elas são extensões ou negações de qualidades humanas (seres humanos mortais, seres sobrenaturais imortais). A chave para a humanidade não está, em última instância, nos nossos corpos ou em nossa mortalidade, mas em nossa intencionalidade, em nossas mentes e vontades.


O projeto de Pascal Boyer para “explicar a religião” começa com a hoje familiar premissa de que o pensamento humano não é uma coisa unitária e homogênea, mas o resultado de módulos de pensamento interoperantes, uma “confederação” de expedientes explicativos, que ele chama de “sistemas de inferência”. Entre estes sistemas estão três de particular importância – a formação de conceitos, a atenção à exceção e a agência

O pensamento procede através da criação de conceitos e até “moldes” mais abstratos; os moldes são como formulários em branco com certos campos a serem preenchidos, e os conceitos são a maneira específica como o formulário é preenchido. Por exemplo, o molde “instrumento” tem certas opções e o conceito “martelo” preenche estas opções de uma determinada maneira. De modo semelhante, o molde “animal” ou “pessoa” tem certas qualidades com um conjunto de variáveis possíveis. Uma destas qualidades das pessoas é a agência – a capacidade de empenhar-se numa ação inteligente, deliberada e mais ou menos “livre”. Por mais que nós humanos estejamos interessados em nossos conceitos, somos atraídos para exceções e violações dos mesmos. 

Os humanos são animais mortais com dois braços; um humano com três braços seria interessante, mas um humano imortal o seria muito mais. Algumas ideias, afirma Boyer, têm o potencial de “grudar” melhor em nossa mente pelo simples fato de serem bastante excepcionais: na expressão dele, um ser que é imortal tem força adesiva, mas um ser que existe apenas nas terças-feiras não a tem. Não causa surpresa que “os conceitos religiosos violam certas expectativas provenientes das categorias ontológicas, mas preservam outras expectativas” (2001: 62)

 Entre as expectativas mais críticas que a religião preserva estão a agência e a reciprocidade/permuta. As entidades sobrenaturais “não são representadas como tendo traços humanos em geral, mas como tendo mentes, o que é muito mais específico” (144), o que não é uma grande tensão para o pensamento humano, já que até os animais manifestam alguma agência, tendo seus próprios desejos e intenções. Além disso, é vantajoso, na opinião de Guthrie, atribuir uma mente à natureza e à sobrenatureza, já que (parafraseando a famosa aposta de Pascal), se estivermos certos, pode ser decisivamente importante e, se estivermos errados, não resulta nenhum dano.

Como conclui Boyer, a religião é construída com “sistemas e capacidades mentais que de qualquer maneira estão aí [...] e, portanto, a noção de religião como um território especial é não apenas infundada, mas de fato é antes etnocêntrica” (311). Nesta maneira de ver, a religião não requer absolutamente uma explicação separada, mas é antes um produto ou subproduto da maneira como a mente funciona na sociedade em todos os contextos, inclusive não religiosos. Em particular, Boyer aponta para as predisposições mentais evoluídas dos humanos, para a natureza da vida social, para os processos de troca de informação e para os processos de inferências derivantes. Se existem agentes não humanos, e eles podem ser contratados como seres sociais – como “parceiros sociais de intercâmbio” –, vale evidentemente a pena pensar e atuar sobre isto.

 

 Scott Atran amplia ainda mais esta visão e na direção dele próprio. Também ele afirma que a religião envolve “exatamente as mesmas estruturas cognitivas e afetivas como as crenças e práticas não religiosas – e não outras –, mas de maneiras (mais ou menos) sistematicamente distintas” (2002: ix). Já que “uma entidade como ‘a religião’ não existe”, não há necessidade de “explicá-la” de uma maneira única. A religião é, mais uma vez, um subproduto e epifenômeno de outros processos ou módulos, geralmente humanos, dos quais Atran aponta vários: módulos perceptuais, módulos emotivos primários (para respostas fisiológicas “sem intermediário” como medo, surpresa, raiva e náusea), módulos afetivos secundários (para reações como angústia, culpa e amor) e módulos conceituais. A agência ocupa também um local elevado em sua lista de prioridades humanas e temos processos elaborados e essenciais para detectá-la e interpretá-la, especialmente porque podemos ser enganados e tapeados por outros. Os agentes sobrenaturais são uma mera e completamente razoável extrapolação da agência humana e natural,subprodutos de um mecanismo cognitivo naturalmente selecionado para detectar agentes – tais como predadores, protetores e presas – e para lidar rápida e economicamente com situações de estímulo envolvendo pessoas e animais” (15). Não causa surpresa, conclui ele, que “a agência sobrenatural é o conceito culturalmente mais recorrente, cognitivamente mais relevante e evolucionariamente mais convincente quando se trata de religião” (57). Justin Barrett, em seu Why Would Anyone Believe in God? [Por que alguém haveria de acreditar em Deus?], de 2004, postulou um “dispositivo de detecção de agência hiperativa” (Hadd – Hyperactive Agency Detection Device) e conduziu muitos experimentos a fim de testar o pressuposto “natural” intuitivo de que os agentes estão operando ao nosso redor.



4.3 Integração social e cooperação: teoria da sinalização custosa

 

Um último fator a respeito da religião que precisa ser reconhecido é que ela muitas vezes é exigente. As religiões exigem comportamentos que são custosos, consomem tempo e muitas vezes são difíceis ou dolorosos; muitas vezes as religiões pedem que as pessoas acreditem em afirmações que são francamente difíceis de aceitar. 

Recentemente, diversos estudiosos sustentaram que a dificuldade da religião pode ser a fonte de suas realizações integrativas. Numa sociedade, os indivíduos precisam saber que eles podem confiar uns nos outros – que cada um está comprometido com o grupo e que cada um está contribuindo para o grupo, e não “vivendo à custa” dos esforços dos outros. Em 1996 William Irons propôs a “teoria da sinalização honesta [sic]” como solução para o problema do comportamento religioso, sugerindo que as exigências da religião assinalam ou demonstram compromisso social, que assim aumenta a cooperação e o bem do grupo. Desde então Richard Sosis, Candace Alcorta e Joseph Bulbulia colaboraram numa série de ensaios que promovem a “teoria da sinalização custosa” (por exemplo, SOSIS & ALCORTA, 2003; BULBULIA & SOSIS, 2011). A afirmação é que religião é socialmente integrativa precisamente porque ela é dispendiosa e desconfortável: a vida social depende da cooperação e da confiança mútua, mas existe sempre o potencial de decepção no grupo. Assim, impostores preguiçosos se encontram numa corrida armamentista evolucionária com camaradas que, como detectores de impostores, criam testes cada vez mais exigentes de honestidade compromisso, incluindo especialmente testes aparentemente impraticáveis e arbitrários como a religião. “O resultado desta escalada seriam comportamentos rituais sempre mais complexos à medida que os remetentes tentam enganar os receptores



Crenças religiosas

 

Entidades:

a-       Pessoais- deuses [Hinduísmo 33 milhoes de deuses, Deus, anjos, demônios, espíritos de mortos, espíritos guias, gnosmos, fadas, genius, etc.

b-      Impessoais- força impessoal (mana), Brahaman [Hinduísmo]

 

a-       Naturais (humanos e não humanos) -homens, gnomos, bruxos, anões, elfos, musas, duendes, etc.

b-      Sobrenaturais-Deus , deuses, anjos, demônios, fadas, gênios (Jinn)

c-       Mortos-vivos- (vampiro, zumbi)

Cosmogonia

a-       Universo primordial eterno  –deuses criados (Mitologia Mesopotâmica, Egípcia, Nórdica)

b-      Deus eterno- universo criado (Cristianismo,Islamismo, Judaísmo).

Escatologia (estudo do fim)

a-      Mundo cíclico- Maias, Hinduísmo, Religião Nórdica

b-      Mundo não cíclico- Cristianismo, Islamismo, Judaísmo.

 

Símbolos religiosos

Cada símbolo deve ser interpretado de acordo com o contexto cultural específico.

 


BIBLIOGRAFIA UTILIZADA:

Introdução à antropologia da religião. São Paulo: Vozes.2018.

















segunda-feira, 31 de maio de 2021

Antropologia Introdução



Esse texto é tirado do livro abaixo e mostra dentre muitas coisas o erro em teorizar um evolucionismo da religião que começa de formas simples como  totem e animismo, passado por politeísmo, monolatria (henoteísmo) até chegar no monoteísmo

Livro texto:

Aprender Antropologia. François Laplantine. São Paulo: Brasiliense, 2000.

 Conceito de Antropologia

 a) o estudo do homem inteiro; 

b) o estudo do homem em todas as sociedades, sob todas as latitudes em todos os seus estados e em todas as épocas. p. 16 


A antropologia não é apenas o estudo de tudo que compõe uma sociedade. Ela é o estudo de todas as sociedades humanas (a nossa inclusive 5 ), ou seja, das culturas da humanidade como um todo em suas diversidades históricas e geográficas. p. 20


Áreas da Antropologia

Só pode ser considerada como antropológica uma abordagem integrativa que objetive levar em considerar as múltiplas dimensões do ser humano em sociedade. Certamente, o acúmulo dos dados colhidos a partir de observações diretas, bem como o aperfeiçoamento das técnicas de investigação, conduzem necessariamente a uma especialização do saber. Porém, uma das vocações maiores de nossa abordagem consiste em não parcelar o homem mas, ao contrário, em tentar relacionar campos de investigação frequentemente separados. 

Ora, existem cinco áreas principais da antropologia, que nenhum pesquisador pode, evidentemente, dominar hoje em dia, mas `as quais ele deve estar sensibilizado quando trabalha de forma profissional em algumas delas, dado que essas cinco áreas mantém relações estreitas entre si. p.16

A antropologia biológica (designada antigamente sob o nome de antropologia física) consiste no estudo das variações dos caracteres biológicos do homem no espaço e no tempo. Sua problemática é a das relações entre o patrimônio genético e o meio (geográfico, ecológico, social), ela analisa as particularidades morfológicas e fisiológicas ligadas a um meio ambiente, bem como a evolução destas particularidades. O que deve, especialmente, a cultura a este patrimônio, mas também, o que esse patrimônio (que se transforma) deve `a cultura? Assim, o antropólogo biologista levará em consideração os fatores culturais que influenciam o crescimento e a maturação do indivíduo.


Ele se perguntará, por exemplo: por que o desenvolvimento psicomotor da criança africana ´e mais adiantado do que o da criança europeia? Essa parte da antropologia, longe de consistir apenas no estudo das formas de crânios, mensurações do esqueleto, tamanho, peso, cor da pele, anatomia comparada as raças c dos sexos, interessa-se em especial - desde os anos 50 - pela genética das populações, que permite discernir o que diz respeito ao inato e ao adquirido, sendo que um e outro estão interagindo continuamente. Ela tem, a meu ver, um papel particularmente importante a exercer para que não sejam rompidas as relações entre as pesquisas das ciências da vida e as das ciências humanas. p.17


A antropologia pré-histórica é o estudo do homem através dos vestígios materiais enterrados no solo (ossadas, mas também quaisquer marcas da atividade humana). Seu projeto, que se liga `a arqueologia, visa reconstituir as sociedades desaparecidas, tanto em suas técnicas e organizações sociais, quanto em suas produções culturais e artísticas. Notamos que esse ramo da antropologia trabalha com uma abordagem idêntica `as da antropologia histórica e da antropologia social e cultural de que trataremos mais adiante. O historiador é antes de tudo um historiógrafo, isto é, um pesquisador que trabalha a partir do acesso direto aos textos. O especialista em pré-história recolhe, pessoalmente, objetos no solo. Ele realiza um trabalho de campo, como o realizado na antropologia social na qual se beneficia de depoimentos vivos.3 


A antropologia linguística. A linguagem é, com toda evidencia, parte do patrimônio cultural de uma sociedade. E através dela que os indivíduos ´ que compõem uma sociedade se expressam e expressam seus valores, suas preocupações, seus pensamentos. Apenas o estudo da língua permite compreender:

  •  o como os homens pensam o que vivem e o que sentem, isto ´e, suas categorias psicoafetivas e psicocognitivas (etnolinguistica); 
  •  como eles expressam o universo e o social (estudo da literatura, não apenas escrita, mas também de tradição oral); 
  •  como, finalmente, eles interpretam seus próprios saber e saber-fazer (área das chamadas etnociências). p. 18


A antropologia linguística, que ´e uma disciplina que se situa no encontro de várias outras, 4 não diz respeito apenas, e de longe, ao estudo dos dialetos (dialetologia). Ela se interessa também pelas imensas ´áreas abertas pelas novas técnicas modernas de comunicação (mass media e cultura do audiovisual). p.19


A antropologia psicológica. Aos três primeiros polos de pesquisa que foram mencionados, e que são habitualmente os únicos considerados como constitutivos (com antropologia social e a cultural, das quais falaremos a seguir) do campo global da antropologia, fazemos questão pessoalmente de acrescentar um quinto polo: o da antropologia psicológica, que consiste no estudo dos processos e do funcionamento do psiquismo humano. De fato, o antropólogo é em primeira instancia confrontado não a conjuntos sociais, e sim a indivíduos. Ou seja, somente através dos comportamentos - conscientes e inconscientes - dos seres humanos particulares podemos apreender essa totalidade sem a qual não ´e antropologia. E a razão pela qual a dimensão psicológica (e também ´ psicopatológica) é absolutamente indissociável do campo do qual procuramos aqui dar conta. Ela é parte integrante dele. 


A antropologia social e cultural (ou etnologia). Assim sendo, toda vez que utilizarmos a partir de agora o termo antropologia mais genericamente, estaremos nos referindo `a antropologia social e cultural (ou etnologia), mas procuraremos nunca esquecer que ela é apenas um dos aspectos da antropologia. Um dos aspectos cuja abrangência é considerável, já que diz respeito a tudo que constitui uma sociedade: seus modos de produção econômica, suas técnicas, sua organização política e jurídica, seus sistemas de parentesco, seus sistemas de conhecimento, suas crenças religiosas, sua língua, sua psicologia, suas criações artísticas. Isso posto, esclareçamos desde já que a antropologia consiste menos no levantamento sistemático desses aspectos do que em mostrar a maneira particular com a qual estão relacionados entre si e através da qual aparece a especificidade de uma sociedade. E precisamente esse ponto de vista da totalidade, é  o fato de que o antropólogo procura compreender, como diz Lévi-Strauss, aquilo que os homens ”não pensam habitualmente em fixar ria pedra ou no papel”(nossos gestos, nossas trocas simbólicas, os menores detalhes dos nossos comportamentos), que faz dessa abordagem um tratamento fundamentalmente diferente dos utilizados setorial- mente pelos geógrafos, economistas, juristas, sociólogos, psicólogos. . .


História da Antropologia


A reflexão do homem sobre o homem e sua sociedade, e a elaboração de um saber são, portanto, tão antigos quanto a humanidade, e se deram tanto na Ásia como na  África, na América, na Oceania ou na Europa. Mas o projeto ´ de fundar uma ciência do homem - uma antropologia - é, ao contrário, muito recente. De fato, apenas no final do século XVIII ´e que começa a se constituir um saber científico (ou pretensamente científico) que toma o homem como objeto de conhecimento, e não mais a natureza; apenas nessa ´época ´e que o espírito científico pensa, pela primeira vez, em aplicar ao próprio homem os m´métodos até então utilizados na ´área física ou da biologia. p. 13


 Será preciso esperar o século XVIII para que se constitua o projeto de fundar uma ciência do homem, isto ´e, de um saber não mais exclusivamente especulativo, e sim positivo sobre o homem. Enquanto encontramos no século XVI elementos que permitem compreender a pré-história da antropologia, enquanto o século XVII (cujos discursos não nos são mais diretamente acessíveis hoje) interrompe nitidamente essa evolução, apenas no século XVIII ´e que entramos verdadeiramente, como mostrou Michel Foucault (1966), na modernidade. Apenas nessa ´época, e não antes, ´e que se pode apreender as condições históricas, culturais e epistemológicas de possibilidade daquilo que vai se tornar a antropologia p. 54


O final do século XVIII teve um papel essencial na elaboração dos fundamentos de uma ”ciência humana”. Não podia ir mais longe, e não poderíamos creditá-lo aquilo que só será possível um século depois. p. 60

Ora, no século XIX, o contexto geopolítico é totalmente novo: é o período da conquista colonial, que desembocará em especial na assinatura, em 1885, do Tratado de Berlim, que rege a partilha da África entre as potencias europeias ´ e põe um fim `as soberanias africanas p. 64


E no movimento dessa conquista que se constitui a antropologia moderna,  o antropólogo acompanhando de perto, como veremos, os passos do colono. Nessa época, a África, a Índia, a Austrália, a Nova Zelândia passam a ser ´ povoadas de um número considerável de emigrantes europeus; não se trata mais de alguns missionários apenas, e sim de administradores. Uma rede de informações se instala. São os questionários enviados por pesquisadores das metrópoles (em especial da Grã-Bretanha) para os quatro cantos do mundo,1 e cujas respostas constituem os materiais de reflexão das primeiras grandes obras de antropologia que se sucederão em ritmo regular durante toda a segunda metade do século. Em 1861, Maine publica Ancient Law, em 1861, Bachofen, Das Mutterrecht; em 1864, Fustel de Coulanges, La Cit´e Antique; em .1865, MacLennan, O Casamento Primitivo; em 1871, Tylor, A Cultura Primitiva-, em 1877, Morgan, A Sociedade Antiga; em 1890, Frazer, os primeiros volumes do Ramo de Ouro. Todas essas obras, que têm uma ambição considerável – seu objetivo não ´e nada menos que o estabelecimento de um verdadeiro corpus etnográfico da humanidade – caracterizam-se por uma mudança radical de perspectiva em relação `a época das ”luzes” o indígena das sociedades extra-europeias não ´e mais o selvagem do século XVIII, tornou-se o primitivo, isto ´e, o ancestral do civilizado, destinado a reencontrá-lo. A colonização atuará nesse sentido. 

Assim a antropologia, conhecimento do primitivo, fica indissociavelmente ligada ao conhecimento da nossa origem, isto ´e, das formas simples de organização social e de mentalidade que evoluíram para as formas mais complexas das nossas sociedades. Procuremos ver mais de perto em que consiste o pensamento teórico dessa antropologia que se qualifica de evolucionista. Existe uma espécie humana idêntica, mas que se desenvolve (tanto em suas formas tecnoeconômicas como nos seus aspectos sociais e culturais) em ritmos desiguais, de acordo com as populações, passando pelas mesmas etapas, para alcançar o n´nível final que ´e ´o da ”civilização”. A partir disso, convém procurar determinar cientificamente a sequencia dos estágios dessas transformacões. p. 65

O evolucionismo encontrará sua formulação mais sistemática e mais elaborada na obra de Morgan 2 e particularmente em Ancient Society, que se tornará o documento de referencia adotado pela imensa maioria dos antropólogos do final do século XIX, bem como na lei de Haeckel. Enquanto para de Pauw ou Hegel as populações ”não civilizadas” são populações que, além de se situarem enquanto espécies fora da História, não têm história em sua existência individual (não são crianças que se tornaram adultos atrasados, e sim crianças que permanecerão inexoravelmente crianças), Haeckel afirma rigorosamente o contrário: a ontogênese reproduz a filogênese; ou seja, o indivíduo atravessa as mesmas fases que a história das espécies. Disso decorre a identificação – absolutamente incontestada tanto pela primeira geração de marxistas quanto pelo fundador da psicanálise –dos povos primitivos aos vestígios da infância da humanidade3 O que é também muito característico dessa antropologia do século XIX, que pretende ser científica, ´e a considerável atenção dada: 

1) a essas populações que aparecem como sendo as mais ”arcaicas" do mundo: os aborígines australianos, 

2) ao estudo do ”parentesco”, 

3) e ao da religião. 

3Se o evolucionismo antropológico tende a aparecer hoje como a transposição ao nível das ciências humanas do evolucionismo biológico (A Origem das Espécies, de Darwin, 1859) que teria servido de justificação ao primeiro, notemos que o primeiro ´e bem anterior ao segundo. Vico elabora sua teoria das três idades (que anuncia Condorcet, Comte, Morgan, Frazer) no século XVIII, e Spencer. fundador da forma mais radical de evolucionismo sociológico, publica suas próprias teorias antes de ter lido A Origem das Espécies. 


Parentesco e religião são, nessa época, as duas grandes áreas da antropologia, ou, mais especificamente, as duas vias de acesso privilegiadas ao conhecimento das sociedades não ocidentais; elas permanecem ainda, notamo-lo, os dois n´núcleos resistentes da pesquisa dos antropólogos contemporâneos. 

1) A Austrália ocupa um lugar de primeira importância na própria constituição da nossa disciplina (cf. Elkin, l967), pois é lá que se pode apreender o que foi a origem absoluta das nossas próprias instituições.4 

2) No estudo dos sistemas de parentesco, os pesquisadores dessa época procuram principalmente evidenciar a anterioridade histórica dos sistemas de filiação matrilinear sobre os sistemas patrilineares. Por deslize do pensamento, imagina-se um matriarcado primitivo, ideia que exerceu tal Influencia que ainda hoje alguns continuam inspirando-se nela (cf. em especial Evelyn Reed, Feminismo e Antropologia, (trad. franc. 1979), um dos textos de referencia do movimento feminista nos Estados Unidos). 

3) A ´área dos mitos, da magia e da religião deterá mais nossa atenção, pois parece-nos reveladora ao mesmo tempo da abordagem e do espírito do evolucionismo. Notemos em primeiro lugar que a maioria dos antropólogos desse período, absolutamente confiantes na racionalidade científica triunfante, são não apenas agnósticos mas também deliberadamente anti-religiosos. Morgan, por exemplo, não hesita em escrever que ”todas as religiões primitivas são grotescas e de alguma forma ininteligíveis”, e Tylor deve parte de sua vocação a uma reação visceral contra o espiritualismo de seu meio. Mas ´e certamente o Ramo de Ouro, de Frazer (trad. fr. 1981-1984),5 que realiza a melhor síntese de todas as pesquisas do século XIX sobre as ”crenças” e ”superstições” p. 65-68

Nessa obra gigantesca, publicada em doze volumes de 1890 a 1915 e que ´e uma das obras mais célebres de toda a literatura antropol´ogica,6 Frazer retraça o processo universal que conduz, por etapas sucessivas, da magia `a religião, e depois, da religião `a ciência.A magia”, escreve Frazer, ”representa uma fase anterior, mais grosseira, da história do espírito humano, pela qual todas as raças da humanidade passaram, ou estão passando, para dirigir-se para a religião e a ciência”. Essas crenças dos povos primitivos permitem compreender a origem das ”sobrevivências”(termo forjado por Tylor) que continuam existindo nas sociedades civilizadas. Como Hegel, Frazer considera que a magia consiste num controle ilusório da natureza, que se constitui num obstáculo `a razão. Mas, enquanto para Hegel, a primeira ´e um impasse total, Frazer a considera como religião em potencial, a qual dará lugar por sua vez `a ciência que realizará (e está até começando a realizar) o que tinha sido imaginado no tempo da magia. * * *

 O pensamento evolucionista aparece, da forma como podemos vê-lo hoje, como sendo ao mesmo tempo dos mais simples e dos mais suspeitos, e as objeções de que foi objeto podem organizar-se em torno de duas séries de críticas:

 1) mede-se a importância do ”atraso "das outras sociedades destinadas, ou melhor, compelidas a alcançar o pelotão da frente, em relação aos ´únicos critérios do Ocidente do século XIX, o progresso t´técnico e econômico da nossa sociedade sendo considerado como a prova brilhante da evolução histórica da qual procura-se simultaneamente acelerar o processo e reconstituir os estágios. Ou seja, o ”arcaísmo” ou a ”primitividade” são menos fases da História do que a vertente simétrica e inversa da modernidade do Ocidente; o qual define o acesso entusiasmante `a civilização em função dos valores da ´época: produção econômica, religião monoteísta, propriedade privada, família monogâmica, moral vitoriana 

2) o pesquisador, efetuando de um lado a definição de seu objeto de pesquisa através do campo empírico das sociedades ainda não ocidentalizadas, e, de outro, identificando-se `as vantagens da civilização `a qual pertence, o evolucionismo aparece logo como a justificação teórica de uma prática: o colonialismo. Livingstone, missionário que, enquanto branco, isto é, civilizado, não dissocia os benefícios da t´técnica e os da religião, pode exclamar: ”Viemos entre eles enquanto membros de uma raça superior e servidores de um governo que deseja elevar as partes mais degradadas da família humana”.

A antropologia evolucionista, cujas ambições nos parecem hoje desmedidas, não hesita em esboçar em grandes traços afrescos imponentes, através dos quais afirma com arrogância julgamentos de valores sem contestação possível. A convicção da marcha triunfante do progresso é tal que, juntando e interpretando fatos provenientes do mundo inteiro (`a luz justamente dessa hipótese central), julga-se que será possível extrair as leis universais do desenvolvimento da humanidade. Assim, encontramo-nos frente a reconstituições conjunturais que têm, pelo volume dos fatos relatados, a aparência de um corpus científico, mas assemelham-se muito, na realidade, `a filosofia do século anterior; a qual não tinha porém a preocupação de fundamentar sua reflexão na documentação enorme que será pela primeira vez reunida pelos homens do século XIX. 

Essa preocupação de um saber cumulativo visa na realidade a demonstrar a veracidade de uma tese mais do que a verificar uma hipótese, os exemplos etnográficos sendo frequentemente mobilizados apenas para ilustrar o processo grandioso que conduz as sociedades primitivas a se tornarem sociedades civilizadas. Assim, esmagados sob o peso dos materiais, os evolucionistas consideram os fenômenos recolhidos (o totemismo, a exogamia, a magia, o culto aos antepassados, a filiação matrilinear. . .) como costumes que servem para exemplificar cada estágio. E quando faltam documentos, alguns (Frazer) fazem por intuição a reconstituição dos elos ausentes; procedimento absolutamente oposto, como veremos mais adiante, ao da etnografia contemporânea, que procura, através da introdução de fatos minúsculos recolhidos em uma ´única sociedade, analisar a significação e a função de relações sociais. Isso colocado, como ´e fácil – e até irrisório – desacreditar hoje todo o trabalho que foi ralizado pelos  pesquisadores - eruditos da época evolucionista. Não custa muito denunciar o etnocentrismo que eles demonstraram em ralção aos povos 'atrasados' 68-71

Os Pais Fundadores Da Etnografia: Boas e Malinowski

Se existiam no final do século XIX homens (geralmente missionários e administradores) que possuíam um excelente conhecimento das populações no meio das quais viviam – ´e o caso de Codrington, que publica em 1891 uma obra sobre os melanésios, de Spencer e Gillen, que relatam em 1899 suas observações sobre os aborígines australianos, ou de Junod, que escreve A Vida de uma Tribo Sul-africana (1898) – a etnografia propriamente dita só começa a existir a partir do momento no qual se percebe que o pesquisador deve ele mesmo efetuar no campo sua própria pesquisa, e que esse trabalho de observação direta ´e parte integrante da pesquisa. 

A revolução que ocorrerá da nossa disciplina durante o primeiro terço do século XX é considerável: ela põe fim `a repartição das tarefas, até então habitualmente divididas entre o observador (viajante, missionário, administrador) entregue ao papel subalterno de provedor de informações, e o pesquisador erudito, que, tendo permanecido na metrópole, recebe, analisa e interpreta – atividade nobre! – essas informações. O pesquisador compreende a partir desse momento que ele deve deixar seu gabinete de trabalho para ir compartilhar a intimidade dos que devem ser considerados não mais como informadores a serem questionados, e sim como hóspedes que o recebem e mestres que o ensinam. Ele aprende então, como aluno atento, não apenas a viver entre eles, mas a viver como eles, a falar sua língua e a pensar nessa língua, a sentir suas próprias emoções dentro dele mesmo. Trata-se, como podemos ver, de condições de estudo radicalmente diferentes das que conheciam o viajante do século XVIII e até o missionário ou o administrador do século XIX, residindo geralmente fora da sociedade indígena e obtendo informações por intermédio de tradutores e informadores: este ´ultimo termo merece ser repetido. Em suma, a antropologia se torna pela primeira vez uma atividade ao ar livre, levada, como diz Malinowski, ”ao vivo”, em uma ”natureza imensa, virgem e aberta”. 75-76


Os Primeiros Teóricos Da Antropologia: Durkheim e Mauss


Boas e Malinowski, nos anos que antecederam a Primeira Guerra Mundial, fundaram a etnografia. Mas o primeiro, recolhendo com a precisão de um naturalista os fatos no campo, não era um teórico. Quanto ao segundo, a parte teórica de suas pesquisas é provavelmente, como acabamos de ver, o que há de mais contestável em sua obra. A antropologia precisava ainda elaborar instrumentos operacionais que permitissem construir um verdadeiro objeto científico. E precisamente nisso que se empenharam os pesquisadores franceses dessa época, que pertenciam `a chamada ”escola francesa de sociologia”. Se existe uma autonomia do social, ela exige, para alcançar sua elaboração científica, a constituição de um quadro teórico, de conceitos e modelos que sejam próprios da investigação do social, isto é, independentes tanto da explicação histórica (evolucionismo) ou geográfica (difusionismo), quanto da explicação biológica (o funcionalismo de Malinowski) ou psicológica (a psicologia clássica e a psicanálise principiante). p. 87-88

Durkheim e Mauss, ...– que forneceram `a antropologia o quadro teórico e os instrumentos que lhe faltavam ainda. 

Durkheim, nascido em 1858, o mesmo ano que Boas, mostrou em suas primeiras pesquisas preocupações muito distantes das da etnologia, e mais ainda da etnografia. Em As Regras do Método Sociológico (1894), ele opõe a ”precisão” da história `a ”confusão” da etnografia, e se dá como objeto de estudo ”as sociedades cujas crenças, tradições, hábitos, direito, incorporaram-se em movimentos escritos e autênticos”. Mas, em As Formas Elementares da Vida Religiosa (1912), ele revisa seu julgamento, considerando que é não apenas importante, mas também necessário estender o campo de investigação da sociologia aos materiais recolhidos pelos etnólogos nas sociedades primitivas. Sua preocupação maior é mostrar que existe uma especificidade do social, e que convém consequentemente emancipar a sociologia, ciência dos fenômenos sociais, dos outros discursos sobre o homem, e, em especial, do da psicologia. Se não nega que a ciência possa progredir por seus confins, considera que na sua ´época ´e vantajoso para cada disciplina avançar separadamente e construir seu próprio objeto. ”A causa determinante de um fato social deve ser buscada nos fatos sociais anteriores e não nos estados da consciência individual”

Durkheim não procura de forma alguma questionar a existência desta, nem a pertinência da psicologia. Mas opõe-se `as explicações psicológicas do social (sempre ”falsas”, segundo sua expressão). Assim, por exemplo, a questão da relação do homem com o sagrado não poderia ser abordada psicologicamente estudando os estados afetivos dos indivíduos, nem mesmo através de alguma psicologia ”coletiva”. Da mesma forma , que a linguagem, também fenômeno coletivo, não poderia encontrar sua explicação na psicologia dos que a falam, sendo absolutamente independente da criança que a aprende, ´é-lhe exterior, a precede e continuará existindo muito tempo depois de sua morte. Essa irredutibilidade do social aos indivíduos (que ´e a pedra-de-toque de qualquer abordagem sociológica) tem para Durkheim a seguinte consequência: os fatos sociais são ”coisas” que só podem ser explicados sendo relacionados a outros fatos sociais. Assim, a sociologia conquista pela primeira vez sua autonomia ao constituir um objeto que lhe ´e próximo, por assim dizer arrancado ao monopólio das explicações históricas, geográficas, psicológicas, biológicas. . . da época. Esse pensamento durkheimiano – que, observamos, é tão funcionalista quanto o de Malinowski, mas não deve nada ao modelo biológico – vai através de suas novas exigências metodológicas, renovar profundamente a epistemologia das ciências humanas da primeira metade do século XX, ou, mais exatamente, das ciências sociais destinadas a se separar destas. Vai exercer uma influência considerável sobre a pesquisa antropológica, particularmente na Inglaterra e evidentemente na França, o país de Durkheim, onde, ainda hoje. nossa disciplina não se emancipou realmente da sociologia. p. 88-89

Marcel Mauss (1872-1950) nasceu, como Durkheim, em Epinal, quatorze anos após este, de quem é sobrinho. Suas contribuições teóricas respectivas na constituição da antropologia moderna são ao mesmo tempo muito próximas e muito diferentes. Se Mauss faz, tanto quanto Durkheim, questão de fundar a autonomia do social, separa-se muito rapidamente do autor de As Regras do Método Sociológico a respeito de dois pontos essenciais: o estatuto que convém atribuir `a antropologia, e uma exigência epistemológica que hoje qualificaríamos de pluridisciplinar. Durkheim considerava os dados recolhidos pelos etnólogos nas sociedades ”primitivas” sob o ângulo exclusivo da sociologia, da qual a etnologia (ou antropologia) era destinada a se tornar uma ramo. 

Mauss vai trabalhar incansavelmente, durante toda sua vida (com Paul Rivet), para que esta seja reconhecida como uma ciência verdadeira, e não como uma disciplina anexa. Em 1924, escreve que ”o lugar da sociologia” está ”na antropologia” e não o inverso,. Um dos conceitos maiores forjados por Mareei Mauss é o do fenômeno social total, consistindo na integração dos diferentes aspectos (biológico, econômico, jurídico, histórico, religioso, estético. . .) constitutivos de uma dada realidade social que convém apreender em sua integralidade. ”Após ter forçosamente dividido um pouco exageradamente”, escreve ele, ”´e preciso que os sociólogos se esforcem em recompor o todo”. Ora, prossegue Mauss, os fenômenos sociais são ”antes sociais, mas também conjuntamente e ao mesmo tempo fisiológicos e psicológicos”. Ou ainda: ”O simples estudo desse fragmento de nossa vida que ´e nossa vida em sociedade não basta”. Não se pode, ainda, afirmar que todo fenômeno social ´e também um fenômeno mental, da mesma forma que todo fenômeno mental ´e também um fenômeno social, devendo as condutas humanas ser apreendidas em todas as suas dimensões, e particularmente em suas dimensões sociológica, histórica e psicofisiológica.


Cinco polos teóricos da Antropologia Contemporânea

1) A antropologia simbólica. 

Seu objeto ´e essa região da linguagem que chamamos símbolo e que ´e o lugar de m´múltiplas significações,5 que se expressam em especial através das religiões, das mitologias e da percepção imaginária do cosmos. Esse primeiro eixo da pesquisa caracteriza-se mais, como veremos, por um tipo de preocupações do que por um método propriamente dito. Trata-se de apreender o objeto que se pretende estudar do ponto de vista do sentido. O que significam as instituições ou os comportamentos que encontramos em tal sociedade? O que se pode dizer a respeito daquilo que uma sociedade expressa através da lógica de seus discursos? p. 105


Foi a antropologia que se empenhou essencialmente em mostrar a lógica precisa dos sistemas de pensamento mitológicos, teológicos, cosmológicos, que são os das sociedades qualificadas de ”tradicionais”. Toda uma corrente de pesquisas aparece na França, particularmente representativa dessas preocupações: ´e a que, a partir dos anos 30, leva Mareei Griaule e seus colaboradores a efetuar estudos sistemáticos, primeiro da mitologia dos Dogons, e depois, da religião dos Bambaras. Esses trabalhos1 vão marcar duradouramente, não apenas o africanismo francês, mas também a prática etnológica dos pesquisadores franceses.p. 111

Como estamos longe do tempo era que Morgan considerava que ”todas as religiões primitivas são grotescas e de alguma forma ininteligíveis”. Mas como estamos longe também das apreciações que são no entanto as de muitos pesquisadores contemporâneos de Griaule. De Frazer, por exemplo, que, interrogando-se sobre os mitos e as práticas rituais aos quais havia no entanto dedicado sua vida, escreve: ”loucuras, vãos esforços, tempo perdido, esperanças frustradas”. Ou de L´evy-.Bruhl, que anota em seus Carnets: os mitos são ”estórias estranhas, para não dizer absurdas e incompreensíveis”, e acrescenta: ”É preciso um esforço para se interessar por eles”. p. 113


Toda essa tendência do pensamento antropológico de que procuramos aqui dar conta coloca-se (a partir de observações minuciosas) contra esses julgamentos. Da mesma forma, opõe-se totalmente `a busca de uma determinação pela economia, que explicaria a função dos mitos dentro do sistema social. As práticas simbólicas em questão não tem de ser fundamentadas sociologicamente, pois são, pelo contrário, fundadoras da ordem cósmica e social. São elas que devem ser tomadas como fundamentais, se aceitarmos finalmente compreende-las de dentro, impregnando-nos de sua sabedoria, recolhendo o mais fielmente possível o discurso dos iniciados, e não projetando, de fora, categorias caracteristicamente ocidentais. Percebe-se então que o conjunto do edifício das sociedades africanas baseia-se numa filosofia (cf., por exemplo, Tempels, 1949) e até numa ”ontologia” que comanda a concepção toda que se tem do mundo e das relações dos homens na sociedade. p. 114


2) A antropologia social. Seu objeto situa-se claramente no campo epistemológico oriundo da economia (cf. acima M. Foucault). Nada distingue realmente seu território do território do sociólogo. Um dos conceitos operatórios a partir do qual essa perspectiva de início se instaurou, ´e o de função (Malinowski, mas também Durkheim), frequentemente ligado ao estudo dos processos de normalização destas funções (= as instituições). E um eixo ´ de pesquisa que não se interessa diretamente para as maneiras de pensar, conhecer, sentir, expressar-se, em si, e mais para a organização interna dos grupos, a partir da qual podem ser estudados o pensamento, o conhecimento, a emoção, a linguagem. Qual a finalidade de tal instituição? Para que serve tal costume? A que classe social pertence aquele que tem tal discurso, e qual ´e o n´nível de integração dessa classe na sociedade global?  p. 106

Uma outra característica desse segundo eixo de pesquisa, estreitamente vinculada ao que acabamos de dizer, merece ser sublinhada: um certo número de autores, e não dos menores (Radcliffe-Brown (1968), Evans-Pritchard (1969), ou ainda na Franca, para o período contemporâneo, Rogei Bastide (1970), Henri Desroche (1973), Georges Balandier (1974), Louis-Vincent Thomas (1975)), recusam-se a conceder uma pertinência `a distinção entre a antropologia social e a sociologia. A antropologia social não ´e profundamente diferente da sociologia, considera Radcliffe-Brown. E uma ”sociologia comparativa”.p. 116-117 

3) A antropologia cultural. Seja o modelo utilizado, biológico, psicológico (Kardiner, 1970), ou linguístico (Sapir, 1967), ´e uma antropologia frequentemente empírica, que se situa do lado da função ou, mais ainda, do sentido, em detrimento da norma e do sistema. Mas o que permite essencialmente caracterizar essa tendência de nossa disciplina ´e o critério da continuidade ou descontinuidade entre a natureza e a cultura de um lado, e entre as próprias culturas, de outro.

 a) Enquanto autores como Bateson ou Lévi-Strauss, de quem falaremos adiante, esforçam-se em pensar a continuidade (ou, mais exatamente, no caso de Lévi-Strauss, a articulação) entre a ordem da natureza e a da cultura, os que chamamos ”aculturalistas”, com autores de quem estão, no que diz respeito ao essencial, muito afastados, como Evans-Pritchard ou Devereux, privilegiam claramente a solução da descontinuidade.

 b) Enquanto um grande número de antropólogos salienta a universalidade da cultura (para Morgan, as sociedades só são pensáveis porque pertencem a um tronco comum, para Malinowski, há uma permanência das funções, e para Devereux uma ”universalidade da cultura”), os culturalistas mais uma vez, sobretudo a respeito disso, privilegiam a descontinuidade, isto ´e a coerência interna e a diferença irredutível de cada cultura.p. 106

A passagem da antropologia social (particularmente desenvolvida na França e mais ainda na Inglaterra) para a antropologia cultural (especialmente americana) corresponde a uma mudança fundamental de perspectiva. De um lado, a antropologia se torna uma disciplina autônoma, totalmente independente da sociologia. De outro, dedica-se uma atenção muito grande menos ao funcionamento das instituições do que aos comportamentos dos próprios indivíduos, que são considerados reveladores da cultura `a qual pertencem p.119


A antropologia social e a antropologia cultural têm portanto um mesmo  campo de investigação. Além disso, utilizam os mesmos m´métodos (etnográficos) de acesso a este objeto. Finalmente, são animadas por um objetivo e uma ambição idênticos: a análise comparativa.1 Mas, o que se compara no primeiro caso ´e o social enquanto sistema de relações sociais, sendo que, no segundo, trata-se do social tal como pode ser apreendido através dos comportamentos particulares dos membros de um determinado grupo: nossas maneiras específicas, enquanto homens e mulheres de uma determinada cultura, de pensar, de encontrar, trabalhar, se distrair, reagir frente aos acontecimentos (por exemplo, o nascimento, a doença, a morte).p. 120 

1) A antropologia cultural estuda os caracteres distintivos das condutas dos seres humanos pertencendo a uma mesma cultura, considerada como uma totalidade irredutível `a outra. Atenta `as descontinuidades (temporais, mas sobretudo espaciais), salienta a originalidade de tudo que devemos `a sociedade `a qual pertencemos. 

2) Ela conduz essa pesquisa a partir da observação direta dos comportamentos dos indivíduos, tais como se elaboram em interação com o grupo e o meio no qual nascem e crescem estes indivíduos. Procurando compreender a natureza dos processos de aquisição e transmissão, pelo indivíduo, de uma cultura, sempre singular (a forma como esta não apenas informa, mas modela o comportamento dos indivíduos, sem que estes o percebam), encontra várias preocupações comuns aos psicólogos, psicanalistas e psiquiatras. Utiliza portanto frequentemente os modelos conceituais destes, bem como suas t´técnicas de investigação (por exemplo, os testes projetivos, utilizados pela primeira vez em etnologia por Cora du Bois). Assim, esse campo de pesquisa, designado pela expressão ”cultura e personalidade”, extremamente desenvolvido nos Estados Unidos e relativamente negligenciado na França e Gr˜a-Bretanha, impõe-se, a partir dos anos 30, como uma das ´areas da antropologia na qual a colaboração pluridisciplinar se torna sistemática. 

3) Finalmente, a antropologia cultural estuda o social em sua evolução, e particularmente sob o ângulo dos processos de contato, difusão, interação e aculturação, isto ´e, de adoção (ou imposição) das normas de uma cultura por outra. p. 121-122


 4) A antropologia estrutural e sistêmica. 


Para a antropologia cultural, cada cultura particular, caracterizada por um conjunto de tendências tais como aparecem empiricamente ao observador, ´e um pouco comparável `as peças de um quebra-cabeça. São entidades parceladas, frutos de uma prática parceladora. E nessas condições, a cultura é concebida como uma espécie de mosaico, um traje de Arlequim. Na perspectiva na qual nos situaremos agora, as culturas são apreendidas, ou melhor, tratadas, em um nível que não é mais dado, e sim construído: o do sistema. Não se trata mais de estudar tal aspecto de uma sociedade em si, relacionando-o ao conjunto das relações sociais (antropologia social),’e muito menos tal cultura particular na lógica que lhe é própria (antropologia cultural, mas também simbólica): trata-se de estudar a lógica da cultura. Ou seja, além da variedade das culturas e organizações sociais, procuraremos explicar a variabilidade em si da cultura: o que dizem e inventem os homens deve ser compreendido como produções do espírito humano, que se elaboram sem que estes tenham consciência disso. p. 129


Estudaremos aqui não só uma, mas várias correntes do pensamento antropológico. Uns utilizam um modelo psicanalítico; outros um modelo proveniente do que Foucault designa como o campo epistemológico da economia (Mauss elabora, como vimos, as regras explicativas da troca); outros finalmente, os mais numerosos, escolhem um modelo linguístico, matemático, cibernético (L´evi-Strauss, Bateson). Mas qualquer que seja o modelo adotado, ele realiza uma passagem do consciente para o inconsciente: passagem da função para a norma (Roheim), do conflito para a regra (Mauss), do sentido para o sistema (Lévi-Strauss). 

Enquanto nos situávamos por exemplo do lado da função, o alteridade sempre corria o risco de ser considerada (e rejeitada) no espaço da extraterritorialidade: ao lado, fora. isto ´e, para sempre diferente. Assim, para a psicologia pre-freudiana, o normal e o anormal não têm nada em comum. Para a etnologia de L´evy-Bruhl (1933), existe uma ”mentalidade primitiva” exclusiva de tudo que ´e próprio do homem da lógica. Para Griaule, finalmente (1966), `as instituições e mitologias plenamente significantes da África tradicional,  opõe-se a insignificância do Ocidente industrial. Inversão de perspectiva neste caso, em relação ao anterior, mas que se inscreve no mesmo horizonte epistemológico. Ao contrário, quando a atividade epistemológica começa a situar-se do lado da norma (e não mais da função), da regra (e não mais do conflito), do sistema (e não mais do sentido), não ´e mais possível pensar que os doentes mentais são ”loucos”, a ”mentalidade primitiva”, ”absurda”, e os mitos ”insignificantes”. O que desmorona, então, é a pertinência dos pares antinômicos do normal e do patológico, do lógico e do ilógico, do sentido e do não sentido. Se insistimos tanto desde já sobre esse quarto polo da pesquisa, ´e porque, com ele, o campo epistemológico do sabei sobre o homem muda radicalmente pela segunda vez desde o final do século XVIII (cf. p. 53 deste livro). E ´e, de fato, em torno das obras de Freud (o inconsciente explicativo do consciente), Saussure, e depois Jakobson (a língua explicativa da palavra), de Lévi-Strauss e dos estruturalistas (a prioridade dada ao sistema sobre o sentido), que se reorganizará o conhecimento antropológico contemporâneo. 

Na antropologia psicanalítica, como na antropologia estrutural, estima-se que além da surpreendente diversidade das formações psicológicas ou das produções culturais localizadas a nível empírico existe o que Bastian já chamava de ”unidade psíquica da humanidade”. Mas esta deve doravante ser pensada, não mais ao nível das significações vividas, mas ao nível do sistema (inconsciente). Uma das principais questões que se colocará então ´éa seguinte: quais são as estruturas inconscientes do espírito que atuam, tanto nas formas elementares e complexas do parentesco, quanto no mito, na obra de arte?. . . p. 107-108



5) A antropologia dinâmica. Reunimos nesse termo um eixo da pesquisa antropológica contemporânea que se situa no horizonte do que Foucault6 chama de campo sociológico, e que procura estudar as relações de poder.

As interrogações dos autores dos quais trataremos não estão distantes das da sociologia, e alguns inclusive preferem qualificar-se de sociólogos. Uma das características de suas contribuições para a antropologia do século XX, e mais especificamente, da segunda metade do século XX, consiste, a meu ver, em reorientar a antropologia social, operando uma ruptura total com o funcionalismo em seus pressupostos, ao mesmo tempo a históricos (sociedades imóveis que podem ser estudadas como se a colonização não existisse) e finalistas (instituições visando satisfazer as necessidades). Para esses autores, pelo contrário, convém não isolar essa ´área particular do homem que seria a história. Esta ´e parte integrante do campo antropológico. Por isso, as questões colocadas são as seguintes: qual é a dinâmica de tal sistema social? De onde vem? Quais são as modalidades atuais de suas transformações? Esses cinco polos em torno dos quais se organiza a antropologia contemporânea não têm nada de exclusivo. São convém de pesquisa que podem coexistir dentro de uma mesma escola de pensamento, ou mesmo de um ´único pesquisador.7


O que caracteriza essencialmente as diferentes tendências dessa antropologia que qualificamos aqui de dinâmica, é sua reação comum frente `a orientação, do seu ponto de vista conservadora, que pode ser encontrada dentro dos quatro polos de pesquisa que, para maior clareza, acabamos de distinguir. Praticamente, de fato, todas as perspectivas etnológicas que se elaboram a partir dos anos 30 (a antropologia social, simbólica, cultural) e que conhecem, para muitas, uma renovação durante os anos 50, com o impulso particularmente da análise estrutural, estão animadas por uma abordagem claramente antievolucionista. p. 141

https://pedropeixotoferreira.files.wordpress.com/2010/03/laplantine_aprender-antropologia.pdf