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sábado, 25 de agosto de 2018

Promoção e Defesa dos Direitos LGBT- Curso com comentários


o curso está disponível no LInk:

https://evg.gov.br/curso/128

Atenção. Esta postagem tem a intenção de disponibilizar o conteudo do curso de Promoção e Defesa dos Direitos LGBT.

As notas de comentário não estão no texto original, e estão destacadas em vermelho e entre colchetes [ ]



1. Apresentação

O curso Promoção e Defesa dos Direitos LGBT foi desenvolvido em 2018, para compor o Programa Nacional de Educação Continuada em Direitos Humanos (PNEC_DH), uma iniciativa da Secretaria Nacional de Cidadania, por meio da Diretoria de Promoção e Educação do Ministério dos Direitos Humanos, em parceria com a Escola Nacional de Administração Pública (Enap).
O PNEC_DH tem como objetivo ofertar cursos a distância, sobre diversos temas voltados aos Direitos Humanos, disponibilizados na plataforma da Escola Virtual de Governo (EV.G) para profissionais que atuam com grupos vulneráveis, servidores públicos, educadores, conselheiros, lideranças comunitárias e demais interessados que buscam conhecimento sobre a temática dos Direitos Humanos.
O curso investe na aproximação com a vivência de pessoas LGBT para compreensão dos principais desafios colocados à garantia de seus direitos. A partir de suas experiências, faz uma revisão em aspectos específicos de exclusão, discriminação ou desigualdade vividos por pessoas LGBT, com ênfase em estratégias para a garantia e promoção de seus direitos.
Buscando fortalecer uma cultura de direitos humanos e respeito à diversidade, curso oferece conteúdo com o objetivo de sensibilizar e mobilizar pessoas que atuam na efetivação, promoção e defesa dos direitos humanos para os desafios vivenciados por pessoas LGBT.

2. Público-alvo

O curso Promoção e Defesa dos Direitos LGBT destina-se a pessoas que atuam ou possam vir a atuar na garantia, defesa e promoção dos direitos de pessoas LGBT. Servidores públicos, profissionais da iniciativa privada e integrantes de movimentos sociais vinculados a instituições, serviços e organizações que atendem ou são demandados pela população LGBT.
Demais cidadãos interessados no tema também estão convidados a fazer o curso.

3. Carga Horária

O curso possui carga horária de 30 horas, com duração de semanas.
Considerando o conteúdo do curso e as atividades a serem realizadas, sugere-se que o participante se dedique ao curso, em média, 8 horas por semana. Reforça-se a importância dessa indicação para que todas as atividades possam ser cumpridas com qualidade, atingindo-se, assim, os objetivos propostos dessa capacitação.

4. Objetivos

O objetivo do curso é instrumentalizar pessoas que atuam na efetivação, promoção e defesa dos direitos humanos – além da sociedade como um todo – para questões relacionadas aos direitos de pessoas LGBT.

5. Metodologia

Este curso será realizado via internet, utilizando a plataforma Moodle disponível na Escola Virtual ENAP, tanto para apresentação do conteúdo quanto para gerenciamento das atividades avaliativas.
Este curso é sem tutoria. Não há presença do tutor para tirar dúvidas de conteúdo nem a interação com outros participantes por meio de salas de bate papo informais (chats) ou fóruns de discussão.

Os recursos utilizados serão:
  • Check List: ferramenta que permite ao participante listar seus progressos nas atividades realizadas.
  • Glossário: ferramenta semelhante a um dicionário, que permite a cada participante criar e manter uma lista de termos e definições. 
  • Conteúdos disponíveis em livro: ferramenta que oferece conteúdos interativos com o intuito de propiciar uma aprendizagem mais dinâmica. 
  • Exercícios avaliativos: disponíveis em formato de questionário. 
  • Avaliação de Satisfação do Curso: Estratégia de coleta de opiniões do participante, visando ao aperfeiçoamento de ações educacionais ofertadas.

6. Atividades e Avaliações

O quadro abaixo apresenta as atividades do curso e suas respectivas pontuações. 
ATIVIDADES
NOTA MÁXIMA
Módulo 1 - Identidade de Gênero
Leitura Módulo 1
Atividade não pontuada
Exercício Avaliativo  1
15 pontos
Módulo 2 - Orientação Sexual e Afetiva
Leitura Módulo 2
Atividade não pontuada
Exercício Avaliativo 2
15 pontos
Módulo 3 - Cultura e Políticas Públicas para LGBT: Avanços e Desafios
Leitura Módulo 3
Atividade não pontuada
Exercício Avaliativo 3
15 pontos
Módulo 4 - Direito ao Corpo e à Saúde
Leitura Módulo 4
Atividade não pontuada
Exercício Avaliativo 4
15 pontos
Módulo 5 - Direito à Educação
Leitura Módulo 5
Atividade não pontuada
Exercício Avaliativo 5
20 pontos
Módulo 6 - Direito a Trabalho e Renda
Leitura Módulo 6
Atividade não pontuada
Exercício Avaliativo 4
20 pontos
Módulo de Encerramento
Avaliação de Satisfação com o Curso Atividade não pontuada
Total de pontos do curso100 pontos

7. DESLIGAMENTO

Após a data de início do curso, o cancelamento somente poderá ser realizado na Escola Virtual.Gov, e o participante será considerado desistente, mesmo apresentando justificativa. A desistência em cursos a distância é considerada para fins de seleção e poderá prejudicar a participação do servidor em cursos com tutoria.

8. Certificado

Início de destaque.
Para ser considerado concluinte, o participante deste curso precisa obter aproveitamento mínimo de 60% no conjunto de atividades avaliativas.
Fim de destaque.
O certificado estará disponível aos concluintes 15 minutos após atender os requisitos para aprovação, e deverá ser obtido por meio do recurso presente na seção de encerramento do curso, no Ambiente Virtual de Aprendizagem.

A validade do certificado poderá ser verificada na Escola Virtual de Governo (https://evg.gov.br/documentos/validacao), bastando selecionar o menu Validar Certificado e seguir as instruções da página. Para realizar esse procedimento, não é necessário possuir senha de acesso à EVG.

No caso de necessidade de averbação das horas de capacitação junto a alguma instituição, a veracidade do certificado poderá ser atestada por meio da página inicial da EVG, mais especificamente no campo Validação de Documentos. Para realizar esse procedimento, não é necessário possuir senha de acesso à EVG.

9. Equipe Responsável

Alexandre Bortolini ( Conteudista, 2018)
Secretaria Nacional de Cidadania do Ministério dos Direitos Humanos:
Juciara Rodrigues (Diretora, 2018)
Adriana Escorse de Moraes (Coordenadora-Geral, 2018)
Danilo Vergani Machado (Revisor Técnico, 2018)
Thais Maria de Machado Lemos Ribeiro (Revisora Técnica, 2018)
Escola Nacional de Administração Pública:
Paulo Marques (Diretor, 2018)
Natália Teles da Mota (Coordenadora-Geral, 2018)
Thiego Carlos da Silva (Planejador Educacional, 2018)
Desenvolvimento do curso realizado no âmbito do acordo de Cooperação Técnica FUB / CDT / Laboratório Latitude e Enap. 

GLOSSÁRIO                                                       
Heteronormatividade
Imposição social da heterossexualidade como única e compulsória forma de vivência da sexualidade.

Orientação Sexual e afetiva
Conceito relacionado à atração sexual e afetiva que sentimos por outras pessoas.

Pessoa Cisgênera
Pessoa que se identifica com o gênero que lhe foi atribuído no nascimento.

Pessoa Trans
Pessoa cuja identidade de gênero é diferente daquela que lhe foi atribuída no nascimento.

Todes
TODES é uma forma de escrever a palavra todos/todas sem especificar um gênero, mas abrangendo todas as identidades de gênero, inclusive as que não se encaixam no binário masculino/feminino.

[Observação: O termo TODOS na verdade já tem esta função:

todos
substantivo masculino plural
6. A humanidadetoda a gente.


"todos", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, https://www.priberam.pt/dlpo/todos [consultado em 25-08-2018].]



(to.dos)
pr.indef.
1. Todas as pessoas, toda gente, todo mundo, o mundo inteiro

[F.: Do lat. totus]  http://www.aulete.com.br/todos ]



PROMOÇÃO E DEFESA DOS DIREITOS LGBT








Módulo 1 - Identidade de Gênero


1. Sobre meninos e meninas


Imagine a cena: duas mulheres grávidas, cada uma em uma sala de um hospital, fazendo um ultrassom. Com certeza você conhece essa cena, seja por experiência própria ou por alguém próximo. Durante o procedimento, a médica pergunta a cada mãe se elas querem saber o sexo da criança - as duas respondem que sim. A médica movimenta a imagem até encontrar um pênis ou uma vagina. Então, vêm as clássicas frases para cada uma das mães, respectivamente: “É uma menina!”; “É um menino!”. As duas mães ficam contentes com a resposta (ou talvez um pouco decepcionadas) e começam a espalhar a notícia para a família, para pessoas amigas, para o pessoal do trabalho. Cada pessoa que recebe a notícia reage de um jeito, mas essas reações têm algumas coisas em comum. A mãe do menino ouve que ele vai ser forte. A da menina, que ela vai ser linda. A família do menino começa a comprar e ganhar roupas azuis, vermelhas, com super-heróis estampados. A família da menina compra roupas rosas, amarelas, com bichinhos fofos e princesas. Os brinquedos: carrinho para ele, boneca para ela. Antes mesmo de a criança nascer, recebe um nome: masculinopara o menino; feminino para a menina. Depois do parto, mesmo que os dois bebês, enrolados na manta, sejam indistinguíveis, todas as pessoas que têm contato com as crianças falam com elas de jeitos diferentes: “ele é o garotão”; “ela é a princesinha”.
Olhando para o rosto dos bebês, não dá para diferenciar o seu sexo. E quando alguém, inadvertidamente, troca o sexo dos bebês, isso parece incomodar bastante a família da criança. Então, cada família vai se esforçar, desde muito cedo, em marcar essa diferença, especialmente, pelas roupas e também pelo corpo: cabelo, brincos, jeito de sentar, tom de voz. Mãe, família, pessoas conhecidas e desconhecidas; todos começam a ensinar para essas crianças qual é a “caixa” delas: cada uma será educada para se reconhecer e agircomo uma menina ou como um menino, conforme as pessoas que as educam entendem que um menino ou uma menina deve se comportar.
Em pouco tempo, cada criança vai ter aprendido que é um menino ou uma menina, que isso é parte fundamental de quem é e que ser uma menina ou um menino lhe coloca em lugares bastante diferentes no mundo. Vai aprender que, na sua família, comunidade, na cultura, ser mulher significa tal conjunto de coisas, enquanto ser homem significa um conjunto diferente. Além disso, as diferenças entre homens e mulheres perpassam por quase todos os aspectos: o jeito de se vestir, a relação com o próprio corpo, a divisão do trabalho.... As crianças aprenderão que ser homem é não ser mulher e vice-versa. Que há coisas no universo feminino que são proibidas para os homens e coisas no universo masculino que as mulheres não podem acessar. Que ser mulher e ser homem são experiências diferentes, opostas e mutuamente excludentes.
De acordo com o sexo identificado no nascimento, nossa sociedade organiza as pessoas em homens e mulheres, criando expectativas de como vão crescer, quem serão, como viverão e se comportarão. Essas expectativas são acompanhadas de práticas que ensinam as diferenças entre ser homem e ser mulher e que vão inserindo as pessoas, desde crianças, no universo feminino ou masculino.


Essa correlação entre sexo e identidade-comportamento é tão reiterada na nossa cultura que chega a parecer natural, espontânea e até mesmo inata. Será? Há algo na biologia do cabelo da mulher que lhe torne mais propenso a ficar comprido que o cabelo dos homens? Há algo na anatomia do quadril do homem que o impeça de usar uma saia? Se essas diferenças existem, não são inatas, não estão relacionadas à nossa condição física- nem são um comportamento que se manifesta espontaneamente. Se essas distinções existem, foram (e são) culturalmente construídas.
Há bastante conhecimento acumulado pela História (quando olhamos para o passado da nossa sociedade) e pela Antropologia (quando olhamos para outras sociedades) que permite afirmar que o modo como compreendemos e vivemos o feminino e o masculino não são universais nem atemporais, mas se transformam ao longo do tempo e das culturas. Portanto, se há uma diferença na configuração dos nossos corpos, relacionada ao modo sexuado da reprodução humana, a forma como percebemos e lidamos com essa diferença, criando identidades, divisões e padrões de comportamento, é socialmente construída.
Para falar dessa dimensão social e histórica da produção do masculino e do feminino em diferentes sociedades, usamos a palavra: GÊNERO.


2. A origem do conceito de gênero


Muitas pesquisadoras e pesquisadores perguntam-se, há bastante tempo, se essas diferenças entre homens e mulheres são mesmo “naturais”. Margaret Mead, uma antropóloga norte-americana, que estudou os povos Arapesh, Mundugumor e Tchambuli, em Nova-Guiné, nos anos 1930, tentando entender diferenças de “temperamento” entre homens e mulheres, se surpreendeu ao perceber que cada povo criava formas diferentes de definir o masculino e o feminino. Formas muito distintas entre si e de como a a cultura ocidental os definia. A conclusão da pesquisadora foi que, se é possível encontrar formas tão diferentes de entender o feminino e o masculino nas diversas sociedades, então os temperamentos que atribuímos a homens e mulheres não estão determinados pelo sexo, mas são definidos pela cultura.
Alguns anos depois, Simone de Beauvoir, escritora e ativista francesa, lançou, no seu livro “O segundo sexo”, em 1949, a ideia de que não se nasce mulher, torna-se mulher. Essa afirmação chamou atenção para a dimensão social da experiência feminina, remetendo a uma distinção entre como nascemos e quem nos tornamos, a partir da vivência na nossa cultura.
Contudo, foi o psicólogo John Money, neozelandês radicado nos Estados Unidos, o primeiro a usar a palavra "gênero" para se referir à dimensão social da distinção entre homens e mulheres. Money trabalhava com crianças intersexuais, cuja formação corporal apresentava características que tornavam difícil enquadrá-las, binariamente, em um dos sexos. No seu trabalho, ele percebeu que as pessoas identificavam-se e comportavam-se mais de acordo com a maneira que foram criadas, do que com o sexo ao qual efetivamente pertenceriam. Essa distinção entre a anatomia e o comportamento foi traduzida conceitualmente como uma diferença entre sexo (dimensão física) e gênero (dimensão social).
O termo “gênero” foi rapidamente apropriado por várias teorias que buscavam demosntrar a experiência das mulheres e as desigualdades entre os sexos. Gênero passou a ser - e segue sendo - um vocábulo recorrente no pensamento científico, usado de formas variadas, mas sempre para se referir à dimensão social, cultural e histórica da construção do masculino/feminino.
Gênero é um conceito utilizado para pensar sobre a construção dos nossos corpos e da nossa identidade, mas que também extrapola a experiência individual e nos ajuda a compreender como se organizam nossas relações e nossa sociedade: a divisão do trabalho, a distribuição da riqueza e da propriedade, o sistema político, a educação, a saúde, a violência, entre outras questões. A nossa própria linguagem, a forma como pensamos o mundo e sobre nós mesmos estão profundamente marcadas por ideias e distinções entre masculino e feminino. Isso acaba orientando também o modo como as pessoas agem e interagem , que expectativas criam, como percebem a relação entre si e o outro.

3. Educação generificante

O que a ciência nos diz hoje é que as ideias que temos sobre masculino e feminino, tão incorporadas à nossa vida cotidiana, que orientam a construção da nossa identidade e nossas interações sociais, não podem ser creditadas simplesmente à natureza. A forma como nossa sociedade define um homem e uma mulher - e mesmo a necessidade de se fazer essa distinção - é algo socialmente construído, próprio de cada tempo e de cada cultura. Cada sociedade, ao longo da sua história, vai definir, de forma mais ou menos rígida, os termos dessa distinção e organizar as relações sociais por meio do gênero.
Esta “ordem de gênero” não é espontânea, mas produzida. Justamente por isso, este conjunto de ideias, valores, expectativas e normas, que organizam o mundo a partir do masculino e do feminino, precisa ser (re)ensinado a cada nova geração. Em nossa cultura não é diferente. Crianças são ensinadas e relembradas do que é masculino e do que é feminino a todo momento e nos grupos sociais aos quais pertence: família, escola, comunidade, redes sociais, entre outros.
Quando essas crianças crescerem, a maior parte desses conceitos terá sido incorporado. Então, ser homem e ser mulher vai parecer o destino natural daqueles dois bebês. Será?
Saiba Mais!
A entrada no universo feminino ou no universo masculino - determinada a partir de como percebemos as diferenças dos nossos corpos - não é opcional: as pessoas serão ensinadas e cobradas a se posicionarem em um lado ou outro, de acordo com o sexo que lhe foi assignado no nascimento.
Este, no entanto, não é um processo que acontece sem resistência, afinal, cada ser humano, embora viva e cresça imerso numa determinada sociedade, estabelecerá uma relação própria com a sua cultura. Se a nossa sociedade tem um jeito de ensinar o que é ser homem e o que é ser mulher, cada um de nós, a partir da sua vivência, desenvolverá uma relação particular com o universo masculino/feminino e construirá a sua própria identidade de gênero.
Identidade de gênero é a compreensão pessoal que cada sujeito constrói sobre si em relação às definições sociais de masculinidade e feminilidade, fazendo com que cada um se localize dentro desse universo de gênero.
Não é muito difícil de entender. Pense no seu próprio caso: você recebeu uma série de ensinamentos da sua família, da sua comunidade, da sua sociedade, mas construiu uma relação própria com tudo isso e definiu o seu jeito específico de ser homem ou mulher (ou nada disso): a sua identidade de gênero.
Saiba Mais!

4. Cisgênero e transgênero


Muitas vezes nossa identidade de gênero corresponde, em maior ou menor grau, às expectativas sociais que depositaram sobre a pessoa, a partir do sexo que atribuíram a ela quando nasceu. Quando isso acontece, dizemos que esta pessoa é cisgênera. Isso mesmo! Cisgênera, ou simplesmente cis, trata-se de uma pessoa cujo pertencimento de gênero, que a sociedade projeta para que ela assuma, e a identidade/compreensão que ela tem de si mesma coincidem. Uma criança que disseram ser do sexo masculino, ensinada a ser um homem, entende-se e identifica-se como homem. Uma criança, que disseram ser do sexo feminino, ensinada a ser uma mulher, entende-se e identifica-se como mulher.
Ainda que possam existir, numa mesma sociedade e ao mesmo tempo, formas diferentes de ser mulher e de ser homem, se o gênero que lhe identificaram no nascimento coincide com a identidade de gênero que você construiu para si, então você é uma pessoa cisgênera.
Saiba Mais!
Algumas vezes, o sexo que nos atribuíram no nascimento, as expectativas sociais quanto ao nosso pertencimento ao universo masculino/feminino e a percepção e a identidade que construímos de nós mesmos são bastante diferentes. Há pessoas, por exemplo, que não se identificam de maneira alguma com a identidade masculina ou feminina que lhe atribuíram no nascimento e constroem uma identidade de gênero diametralmente oposta. Há pessoas que se posicionam entre ou fora dessas categorias. Há pessoas que transitam entre elas, sem necessariamente se identificarem com uma ou outra. A esse grupo diverso de pessoas, chamamos transgêneras ou, simplesmente, pessoas trans.
Pessoas trans é um termo amplo usado para falar de uma diversidade de pessoas cujas histórias, corpos e formas de se reconhecer podem ser bem diferentes, mas que compartilham o fato de não se identificarem com o gênero que lhes foi atribuído no nascimento.

5. Cisnormatividade

Do mesmo jeito que as pessoas cisgêneras, cada pessoa trans vive uma experiência própria de vida, constrói uma identidade única, que não se reduz, de forma alguma, ao seu pertencimento de gênero. Mas há algo que todas elas compartilham, de formas e intensidades diferentes: toda pessoa, trans ou cis, tem que lidar com o fato de viver numa sociedade cisnormativa.
Dizemos que nossa sociedade é cisnormativa porque pressiona toda e cada pessoa, a partir do sexo que lhe foi atribuído no nascimento, a uma determinada e correspondente identificação como homem ou mulher. A crianças com pênis, atribui-se uma identidade, espera-se e ensina-se um comportamento masculino. A crianças com vagina, atribui-se uma identidade, espera-se e ensina-se um comportamento feminino.
Na lógica cisnormativa, quem tem pênis - e só quem tem pênis - deve ser homem. Quem tem vagina – e só quem tem vagina – deve ser mulher. E ser homem e ser mulher significa um conjunto de coisas pré-definidas pela cultura.
Uma sociedade cisnormativa (como a nossa) impele todas as pessoas a serem cisgêneras, e organiza-se como se todas as pessoas fossem de fato cisgêneras. Dessa forma, a sociedade discrimina, não reconhecendo, ou até mesmo violentando, quem não corresponde às expectativas sociais.
A cultura cisnormativa estabelece uma série de obstáculos a pessoas trans: lhes negar a identidade, erotizar seus corpos, discriminá-las no que diz respeito ao acesso a direitos básicos, como educação e saúde, restringir suas possibilidades de trabalho e, até mesmo, ameaçar a sua própria vida. Resistência, portanto, é a palavra que guia a experiência de vida de muitas pessoas trans. Resistência para serem donas do seu próprio corpo, para definirem sua própria identidade, para terem seus direitos garantidos e respeitados. São histórias de luta e de muitas conquistas, muitas vivências e diferentes formas de se identificar: mulheres trans e travestis, homens trans, pessoas não binárias. São diferentes relações com o próprio corpo, diferentes modos de enfrentar uma sociedade cisnormativa.
Se você não é uma pessoa trans, com certeza traz consigo algumas ideias, imagens e, possivelmente, preconceitos. A intenção aqui não é explicar o que é uma pessoa trans - como se fosse possível encaixar tantas pessoas em um esquema didático - mas colocar você em contato com diferentes vivências. Assim, você será capaz de entender mais e melhor a experiência desses sujeitos e de superar estigmas, estereótipos e preconceitos tão arraigados. O mais importante é despertar em você a empatia, a capacidade de se colocar no lugar do outro e compartilhar um tanto das suas batalhas diárias.



6. Vivências e experiências de pessoas trans


Para começar, vamos conhecer um pouco da vivência de mulheres trans e travestis - pessoas que, classificadas como do sexo masculino quando nasceram, na maioria das vezes foram criadas e educadas para se identificarem e se comportarem como homens, mas construíram uma identidade de gênero feminina. Pessoas que precisam enfrentar uma série de desafios para terem sua identidade reconhecida, desde a autoaceitação até a discriminação na família, na escola e no mercado de trabalho.
Saiba Mais!
Outro grupo do conjunto de pessoas trans, cuja visibilidade tem crescido nos últimos tempos, são os homens trans - homens que, identificados como do sexo feminino quando nasceram, construíram uma identidade masculina.
Saiba Mais!
No universo de pessoas trans, há também aquelas que não se definem nem como homens nem como mulheres, mas constroem sua identidade fora dessas caixas de gênero: as pessoas não-binárias. O termo não-binário é um termo “guarda-chuva", que abarca várias formas de identificação fora do binário de gênero. Estas pessoas enfrentam o desafio de viver numa sociedade binária, que classifica praticamente tudo - das roupas aos gestos - em masculino ou feminino e que insiste em lhes encaixar também. Muitas vezes o binarismo está tão arraigado ao nosso pensamento que é difícil até mesmo imaginar a possibilidade de uma pessoa viver sem se definir como mulher ou homem. Mas o fato é que pessoas não-binárias existem, estão aí enfrentando os desafios da vida e fazendo valer sua identidade.
Saiba Mais!


Conectar-se com a vivência de pessoas trans pode ser difícil para pessoas cisgêneras. Padrões cisnormativos estão muito arraigados à nossa cabeça: mulher é quem tem vagina e quem tem vagina é mulher; homem é quem tem pênis e quem tem pênis é homem não existe outro jeito de ser humano que não seja dentro de uma dessas categorias.
Por isso, é importante nos perguntarmos: por que algumas diferenças entre nossos corpos - como o órgão genital ou a cor da pele - tornam-se um fator de distinção tão forte, definindo quem somos, nos colocando em grupo específico de pessoas e determinando qual lugar podemos (ou não podemos) ocupar na sociedade? Por que nós percebemos tanto essas diferenças e não outras? Por que é tão difícil para nossa sociedade lidar com o fato de que determinada pessoa não se sente pertencente ao universo masculino ou feminino que lhe foi atribuído quando nasceu? Por que é tão incompreensível que uma pessoa não se encaixe nas expectativas que criaram sobre ela e que construa sua identidade fora dessas caixas?
O fato é que as pessoas trans existem, estão aí vivendo suas vidas e merecem respeito, reconhecimento e acesso a todos os direitos que são compartilhados por todas as pessoas. A começar pelo direito à personalidade, pelo direito de definirem, elas mesmas, quem são e como querem viver, pelo direito de construírem sua trajetória, sem terem que se submeter a imposições arbitrárias sobre seu corpo ou sua identidade.
Saiba Mais!

7. Resumo


Ao longo deste módulo, você aprendeu que nossa sociedade se organiza a partir de uma definição binária de gênero, formando as pessoas como homens e mulheres a partir do sexo identificado no nascimento. Esta “ordem de gênero” atravessa não só a formação do nosso corpo e da nossa identidade, mas também o modo como se organiza toda a sociedade, da economia à linguagem. Você pode conhecer a origem do conceito de gênero e como esse é um conceito fundamental usado pela ciência para compreender a sociedade atual.
Você aprendeu, também, que embora a sociedade imponha determinados padrões de identificação e comportamento, cada pessoa constrói sua própria identidade de gênero. Para isso, foi apresentada a diferença entre pessoas cisgêneras e transgêneras, mostrandoo quanto a nossa sociedade cisnormativa cria barreiras para quem não segue as expectativas sociais.
Por fim, você teve contato com as especificidades e desafios da vivência de pessoas trans e pode conhecer um pouco sobre como elas enfrentam o preconceito e constroem sua vida e sua identidade em uma sociedade discriminatória e violenta como a nossa.





Módulo 2 - Orientação Sexual e Afetiva



1. Sexualidade: Dado da natureza ou construção social?


A maioria de nós aprendeu a pensar a sexualidade como uma coisa “que vem de dentro”, um instinto (natural?), uma pulsão (inconsciente?), uma manifestação biológica gravada no nosso código genético para garantir a sobrevivência da espécie. A sexualidade estaria localizada no nosso corpo e, por isso, seria algo natural, que existe “independente da cultura”. Como um destino divino ou uma determinação biológica, a sexualidade seria essa força interior que “se desenvolve” e “aflora” em algum momento. Seria uma potência que emerge do íntimo do nosso corpo (ou da nossa “alma”) e que à sociedade caberia apenas reconhecer, respeitar ou, ao contrário, conter, reprimir, censurar.
Se, obviamente, a sexualidade envolve o corpo, não se restringe a ele nem é uma simples derivação do seu funcionamento. Boa parte da experiência da sexualidade se dá através do corpo, mas também a partir de outros lugares e práticas, e de como essas práticas definem a nossa relação com o corpo.
A sexualidade está na lei, na regulação das relações conjugais, dos modelos de família, das práticas sexuais que são permitidas ou proibidas. Está também nas políticas de natalidade, nos cartórios de registro civil, na proibição ao aborto e na polêmica sobre educação sexual nas escolas.
A sexualidade está na ciência, que se dedica a investigar suas origens, que define as etapas do seu “desenvolvimento”, que cria categorias para explicar suas várias expressões e, a partir daí, definir o que é normal ou anormal, precoce ou tardio, saudável ou patológico. Várias palavras e conceitos que usamos para pensar e falar sobre sexualidade derivam do pensamento científico. É possível dizer, com pouca margem de dúvida, que hoje a ciência - especialmente a biologia e a psicologia - é o discurso mais acionado (que mais gente usa) e mais legitimado (que mais gente reconhece como válido) para falar da sexualidade.
A sexualidade está na religião, nos seus mitos de origem, nas regras que estabelecem, nos comportamentos que induzem, definindo o limite do moral e do imoral, do pecado e da virtude, do “natural” e do “”antinatural” segundo alguma doutrina. E, mesmo que você não professe qualquer religião, seu modo de pensar sobre o sexo, o amor, a família, o casamento, certamente é influenciado, em alguma medida, pelo pensamento religioso.
sexualidade está nos meios de comunicação, na produção cultural que acessamos todos os dias, nos corpos “perfeitos” que se exibem na TV, nos casamentos de novela, na polêmica do “beijo gay”, na erotização de crianças, na construção de modelos estéticos que definem o que é bonito e o que é feio, o que é desejável ou repulsivo, o que pode ser visto e o que precisa ser censurado.
sexualidade está no “mercado”, empacotada para vender, da indústria pornográfica à família “modelo” do comercial de margarina. Está na indústria farmacêutica, do anticoncepcional ao viagra, dos remédios para perder peso aos que aumentam a massa muscular. Está nas campanhas “ousadas” que transformam a transgressão sexual em estratégia de marketing, na imagem anoréxica das capas de revista e na publicidade infantil. Está nos processos seletivos do pessoal dos recursos humanos, definindo quem entra e quem ascende (ou não) no mercado de trabalho.
Assim, embora o corpo seja o território privilegiado da sexualidade, ela não se resume a um aspecto do seu funcionamento, nem é uma expressão “natural” da sua fisiologia. Mais que isso, a sexualidade é uma das formas pelas quais trazemos o corpo para a cultura. Inserimos o corpo nas relações de poder, tornamos o corpo pensável e compreensível por meio da linguagem, formamos esse corpo nos discursos e nas práticas sociais.
A sexualidade não é um dado da natureza que a ciência tenta desvendar, um impulso interior que a religião tenta conter ou que a lei aparece para regular. A sexualidade, tal qual nós a vivemos, é justamente o produto de todas essas práticas e discursos científicos, religiosos, legais, morais, estéticos, entre tantos outros. Práticas e discursos que, mais do que descobrir, proibir ou controlar, vão efetivamente produzindo a nossa sexualidade. A sexualidade é uma produção social e, como tal, é construída de formas distintas em diferentes sociedades e momentos históricos. Portanto, o que percebemos, entendemos e experienciamos como sexualidade tem a ver com o corpo e como construímos esse corpo na cultura e nas relações em que estamos inseridos, no tempo histórico em que vivemos.
Se a sexualidade é um produto histórico, construído socialmente, isso significa que a forma como a compreendemos e experienciamos se transforma de cultura para cultura e ao longo do tempo. A sexualidade já recebeu muitos nomes, já foi vivida de muitas maneiras ao passar dos séculos, de forma que é possível pensarmos mesmo em uma “história da sexualidade”. Uma história de como cada sociedade, ao longo do tempo, foi construindo e reconstruindo formas de viver e pensar a sexualidade. Um movimento de conservação e subversão em que o tradicional e o novo se encontram, recorrentemente se confrontam e vão, sucessivamente, dando novas formas a isso a que chamamos sexualidade. Isso significa que a forma como vivemos hoje o afeto, as relações, o prazer e o corpo não é a única, nem a primeira, nem a última. E o que parece constante e imutável pode estar se transformando radicalmente nesse exato momento.

2. Orientação sexual e afetiva

A partir dessa perspectiva histórica e sociológica, como pensamos e vivemos a sexualidade na nossa sociedade, nos dias de hoje? Há uma única forma “natural” de vivenciar a sexualidade? Ou múltiplas formas? Certamente, em quase todas as sociedades, há regras e normas que tentam se impor e definir modelos, ao mesmo passo que há muitas vivências que escapam, transbordam e até contradizem essas normas.
Afinal, dizer que a sexualidade é socialmente construída não significa que uma entidade abstrata chamada “sociedade” simplesmente impõe aos indivíduos uma determinada forma de viver a sexualidade. É mais que isso, significa que a sexualidade é construída pelas nossas relações sociais e pela forma como nos posicionamos nessas relações. Não somos autônomos descolados da vida social, nem meros objetos a serem moldados pela sociedade. Nós somos sujeitos ativos na construção do nosso corpo, dos nossos afetos e do nosso prazer e fazemos isso a partir do lugar social e do momento histórico em que vivemos.
Exatamente para dar conta dessa diversidade de possibilidades de vivências da sexualidade, precisamos introduzir aqui um conceito chamado ORIENTAÇÃO SEXUAL E AFETIVA.
Orientação sexual e afetiva diz respeito às várias formas como se constrói o desejo e o afeto, ao modo como nos sentimos atraídos por outras pessoas e como nos relacionamos com elas. É um conceito que chama atenção para o fato de que não existe uma única forma de afeto ou de prazer, mas múltiplas. Embora geralmente se classifiquem as orientações sexuais em homo, hétero e bissexual, o desejo e o afeto são mais complexos e envolvem outras dimensões para além de sexo e gênero, de forma que há muitas (certamente mais que três) formas de viver a nossa sexualidade.
É bom lembrar que essas categorias não foram criadas num movimento de crítica ao modelo binário de gênero, nem numa perspectiva de empoderamento ou reconhecimento de grupos subalternizados. Essas categorias – acompanhadas do “ismo” no final – vão surgir no século XIX, dentro de um processo de construção de uma sexualidade medicalizada, psiquiatrizada e, em grande parte, para marcar cientificamente a diferença entre o que era considerado saudável e patológico, normal e anormal. Então, podemos entender que essas categorias (homossexualidade, heterossexualidade e bissexualidade) foram, como todo conhecimento humano, produzidas em um determinado contexto histórico e político. Não são categorias neutras – como nenhuma é – e não apenas descrevem uma realidade que está no mundo, mas fazem essa realidade, compondo um jogo de relações de poder que vem, desde há alguns séculos, construindo a sexualidade como a entendemos hoje.
Estas categorias, assim como todas as classificações, não dão conta da enorme diversidade de experiências humanas. E o fato de estarmos numa mesma categoria não significa que vivemos a sexualidade do mesmo jeito. Podemos então pensar de fato que existem heterossexualidades, homossexualidades, bissexualidades, etc. Além disso, podemos pensar também que essas práticas e desejos sexuais e afetivos não são algo sólido e monolítico o qual, uma vez construído, se mantém rígido por toda a vida. Nossa sexualidade, nosso modo de amar e de nos relacionarmos é algo em permanente construção e transformação.

3. Heteronormatividade


Não há um consenso sobre como se forma a orientação sexual de uma pessoa, mas não é difícil perceber como nossa sociedade, por meio de várias práticas sociais, legitima a heterossexualidade como norma. Apesar de algumas vozes dissonantes, a lição que todos e todas nós aprendemos, desde cedo e todos os dias, é que a heterossexualidade é o destino natural de todas as pessoas. Os modelos de família estampados na televisão ou nos livros didáticos são heterossexuais. As histórias de afeto, na literatura, no cinema ou na telenovela, são, em sua esmagadora maioria, heterossexuais. O desejo sexual da pornografia, massivamente representado pela publicidade, é heterossexual. Os padrões de moralidade de grande parte das religiões praticadas no Brasil ainda sustentam a heterossexualidade como única orientação sexual válida e condenam quaisquer outras possibilidades.
Não há no Brasil qualquer lei que estabeleça a heterossexualidade como orientação sexual a ser seguida, praticada ou ensinada. Mas, como nos modelos de gênero, existe uma forte pressão social para que as pessoas sejam heterossexuais. Este é o modelo de relacionamento exibido e ensinado a todo momento, em praticamente todos os espaços sociais. Todas as práticas sexuais e formas de relacionamento que fogem do modelo heterossexual sofrem algum tipo de discriminação. É o que chamamos de heteronormatividade.
Há uma série de ideias e discursos, que circulam na nossa cultura, que dizem sobre como homens e mulheres sentem (ou deveriam sentir) prazer, como lidam (ou deveriam lidar) com seus sentimentos e como e com quem se relacionam (ou deveriam se relacionar). Se quando nasceu você foi colocado na caixa dos homens, provavelmente você aprendeu que homens devem reprimir suas emoções, que homens podem e devem dar vazão à sua libido e que o objeto de desejo do homem é a mulher. Se a caixa foi a das meninas, desde cedo você foi ensinada que mulheres são mais sentimentais, destinadas à maternidade e que fazer-se bonita é fundamental para conquistar seu objeto de desejo afetivo-sexual: os homens. Dentre o conjunto de coisas que definem socialmente o que é ser mulher ou homem está a dimensão sexual e afetiva. Em uma sociedade heteronormativa há um intenso e cotidiano investimento em promover a heterossexualidade como norma, impô-la como prática compulsória, naturalizá-la como inata, marcando todas as outras possibilidades de vivência do afeto e do desejo como desvio, doença, anormalidade.
Ainda que as várias áreas do conhecimento científico, da medicina à psicologia, da psiquiatria às ciências sociais, já tenham ratificado que não há qualquer caráter patológico na homo ou na bissexualidade, o estigma persiste e é cotidianamente alimentado por discursos e práticas que insistem em caracterizar de forma negativa vivências não-heterossexuais.
A despeito de todo esse esforço social em promover e ensinar a heterossexualidade, várias pessoas fogem a essas expectativas e vivem sua sexualidade e seu afeto de formas muito diferentes.
 Lésbicas, gays, bissexuais, assexuais, pansexuais são algumas possibilidades de vivência e identificação que compõe esse largo espectro de orientações sexuais.
 Esses grupos e sujeitos, cada qual dentro de sua especificidade, lidam com uma sociedade heteronormativa que lhes cria barreiras para o acesso a direitos básicos, como saúde, educação e segurança. Além disso, enfrentam pesados processos de estigmatização, invisibilidade, discriminação, até mesmo violência. Vamos então conhecer um pouco da vivência desses sujeitos a partir dos seus próprios relatos?

4. Do homossexualismo à homossexualidade

O termo homossexualismo foi criado no final do século XIX por médicos, como a classificação de uma doença. O sufixo ismo é de origem grega e carrega dois sentidos principais: a ideia de uma doutrina, seita ou conjunto de ideias (Cristianismo, Judaísmo, Marxismo) ou a ideia de doença (tabagismo, alcoolismo, botulismo). Já o sufixo dade traz um sentido de expressão, manifestação humana (identidade, felicidade, espontaneidade, sexualidade). Assim, o termo homossexualismo carrega um estigma que enxerga pessoas homossexuais como doentes ou desviantes. Já a palavra homossexualidade nos remete à ideia de que ela é apenas mais uma expressão da sexualidade ou da identidade humana.
Nas últimas décadas do século XX, os códigos de doenças (CID-X e DSM IV) retiraram a homossexualidade de suas classificações e, em 1990, a Organização Mundial de Saúde (OMS) aboliu a homossexualidade como doença de todas suas listas. Além disso, em 2001 o Conselho Federal de Psicologia do Brasil proibiu todos os profissionais da área de realizarem qualquer tipo tratamento que vise redefinir a orientação sexual do/a usuário/a. O profissional que fizer isso pode até mesmo ter seu registro cassado.
Nos últimos anos, uma série de avanços somaram-se a essas conquistas, como a regulamentação da união estável e do casamento entre pessoas do mesmo sexo, o reconhecimento dessa união como uma entidade familiar, assim como a extensão do direito à adoção para casais homossexuais. Essas conquistas reiteram direitos, garantindo mais equidade e diminuindo desigualdades sociais (materiais e simbólicas), deixando gays, lésbicas e bissexuais mais protegidos e empoderados para confrontarem os desafios de viver em uma sociedade (ainda em muitos aspectos) heteronormativa.
[OBSERVAÇÃO: O SUFIXO ISMO TEM 18 SIGNIFICADOS, UM DELES É COMPORTAMENTO. Sendo assim o termo HETEROSSEXUALISMO por exemplo significa comportamento sexual com pessoa do sexo oposto, e homossexualismo o comportamento com pessoas do mesmo sexo!!!

Ou seja, a informação acima está incorreta] 

http://averacidadedafecrista.blogspot.com/2013/02/homossexualismo-ou-homossexualidade.html




5. Bissexualidade


Há um recorrente equívoco - e preconceito - de se entender bissexuais como se fossem pessoas mal resolvidas, homossexuais que não se aceitam ou heterossexuais indecisos. É difícil para muitas pessoas entenderem a bissexualidade de fato, porque a gente ainda trabalha muito com uma ideia dicotômica da sexualidade. Ninguém precisa se encaixar nesse ou naquele lugar, nem decidir por qualquer lado que seja. Uma pessoa simplesmente pode sentir atração por homens e mulheres. E isso não quer dizer que uma pessoa bissexual precisa estar permanentemente se relacionando com ambos. Isso significa que essa pessoa é capaz de se relacionar afetiva e sexualmente com pessoas de ambos os gêneros.
Compreender e aprender a respeitar a diversidade sexual humana não é apenas incluir mais alguns modelos de relacionamento na nossa “caixinha de aceitáveis”, mas compreender que a sexualidade e o afeto são experiências muito diversificadas, múltiplas e que podem produzir uma série de possibilidades.
É importante lembrar que orientação sexual e identidade de gênero são coisas diferentes. Identidade de gênero diz respeito a como você se percebe, se entende, se identifica. Orientação sexual tem a ver com a atração que você sente por outras pessoas. Isso significa que tanto pessoas cisgêneras quanto pessoas trans podem vivenciar sua sexualidade de formas diversas.

6. Para além dos binarismos

Se você prestar atenção, todas as classificações mais conhecidas para a orientação sexual e afetiva (homo, hétero e bi) estão baseadas em gêneros binários, ou seja, são variadas combinações entre homens e mulheres, entre masculino e feminino. Mas e quando a identificação da pessoa está fora dessas duas caixas? Como podemos pensar a orientação sexual de pessoas não-binárias?


Além disso, quando discutimos vivências da sexualidade, em geral, partimos do pressuposto de que todas as pessoas querem, ainda que de diferentes formas, relacionar-se sexual e afetivamente com outras. Mas essa também é uma ideia socialmente construída e, em certa medida, imposta a todas as pessoas. Não fazer, ou mais, não querer fazer sexo ainda é enxergado, pela maioria de nós, como um problema. E se alguém simplesmente não tem vontade de estabelecer uma relação sexual ou romântica? Por que o sexo ou uma relação romântica tem de ser um desejo de todas as pessoas?

7. Resumo

Depois de ler e de assistir tudo isso , você provavelmente consegue perceber que a sexualidade humana pode ser vivida de formas bastante diversas e que reduzi-la apenas à sua expressão heterossexual é, além de um equívoco, um desrespeito a todas as outras formas de viver o sexo e o afeto.
Mais ainda, impor a heterossexualidade a sujeitos que não desenvolveram essa orientação sexual é uma violência que produziu e segue produzindo muito sofrimento. Essa imposição não acontece só de forma direta, mas também quando invisibilizamos ou estigmatizamos a homo, a bi ou a assexualidade e todas as orientações sexuais que se constroem fora do binarismo de gênero.
Impedir que as pessoas tenham acesso à informação sobre práticas não-heterossexuais - como impedir que se discuta sobre homossexualidade na escola ou censurar uma obra de arte que fala do assunto - é também uma forma heteronormativa de impor determinada orientação sexual às pessoas.
A Constituição federal nos garante liberdade e direito à personalidade. Esses são direitos básicos garantidos a todos e todas nós, seja qual for a forma que temos de amar ou de nos relacionar.




Módulo 3 - Cultura e Políticas Públicas para LGBT: Avanços e Desafios

SUMÁRIO

  • 1. Panorama brasileiro
  • 2. Avanços e desafios
  • 3. O reconhecimento das famílias homoafetivas
  • 4. Reconhecimento civil da identidade de Gênero
  • 5. Quatro letras, muitas histórias
  • 6. Para seguir avançando

1. Panorama brasileiro


Nas últimas décadas, tem ganhado espaço, no debate público brasileiro, questões ligadas a como vivemos, expressamos e regulamos nossas relações afetivas e sexuais e nossa identidade de gênero. Embora novos sentidos tenham sido elaborados, persiste um ordenamento que define um número bastante restrito de identidades e práticas como norma, enquanto aqueles que não atendem o padrão ficam sujeitos à invisibilidade social, ao estigma, à discriminação e à violência.
O Brasil mantém, no comparativo com outros países, posição frágil quanto à superação da violência e à garantia dos direitos de pessoas LGBT. Como mostra a pesquisa por Venturi e Bokani, intitulada Diversidade Sexual e Homofobia no Brasil – Intolerância e Respeito às Diferenças Sexuais, realizada pela Fundação Perseu Abramo em todo o país, o estigma ainda marca as percepções de grande parte da população brasileira. No levantamento, cerca de um terço dos respondentes admitem ter preconceito contra pessoas LGBT, um percentual bastante elevado na comparação com levantamentos semelhantes sobre outros grupos, como negros e idosos, considerando-se o constrangimento de admitir-se preconceituoso. Quando indagada sobre a existência ou não de preconceito contra as pessoas LGBT no Brasil, quase a totalidade da população responde que sim: o preconceito existe.
Embora a Associação Internacional de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Trans e Intersex (ILGA) enquadre o Brasil entre os países que garantem direitos ligados à orientação sexual e desenvolvem políticas de reconhecimento e enfrentamento à violência, segundo relatório da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, só em 2012 foram registradas pelo poder público, em um contexto de acentuada subnotificação, 3.084 denúncias de 9.982 violações relacionadas a pessoas LGBT, envolvendo 4.851 vítimas e 4.784 suspeitos.
Para a Transgender Europe, associação europeia que coordena um monitoramento internacional sobre a situação de pessoas transgêneras, o Brasil está entre os países que não reconhecem uma série de direitos quanto à identidade de gênero e é apontado, em levantamento próprio, como campeão mundial no assassinato de pessoas trans, com mais de 800 casos reportados entre 2008 e 2015.
Esse estado de coisas vem sendo enfaticamente questionado nas últimas décadas, a partir da ação de instâncias internacionais, organizações não-governamentais, pesquisadores das mais diversas áreas e diferentes movimentos sociais - entre eles o ativismo LGBT, que romperam a dicotomia público-privado e investiram em desvelar e atuar na dimensão política do sexo. Um questionamento público que demanda respostas do Estado e da iniciativa privada e se articula a um conjunto mais amplo de microatuações cotidianas realizadas por uma diversidade de pessoas nos mais diferentes espaços sociais.

2. Avanços e desafios

Desde o processo de reabertura democrática, vem ganhando espaço, no campo das políticas públicas, iniciativas voltadas para o reconhecimento e enfrentamento de desigualdades produzidas a partir do modo como nossa sociedade regula as relações de gênero-sexualidade. Nas últimas décadas, foram postas em curso pelo governo federal (com repercussões regionais e locais) políticas voltadas especificamente para a promoção dos direitos desses grupos.
Se nos anos 80 elas ainda se restringiam às políticas de saúde, especialmente as voltadas ao enfrentamento da epidemia de HIV/Aids, nos anos 90 elas começaram a alcançar outros campos. Embasadas pela Constituição de 1988 e fortalecidas pelo Ciclo Social da ONU dos anos 1990, essas políticas vão se expandir ao longo dos anos 2000 com a criação de estruturas no Estado dedicadas especificamente a elas. Nesses anos, ampliaram-se as políticas voltadas ao reconhecimento da diversidade sexual e de gênero, com foco na promoção dos direitos de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais e no combate à discriminação e à violência por orientação sexual ou identidade de gênero.
Em 2002 [GOVERNO FERNANDO HENRIQUE] foi aprovada a segunda versão do Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-II), onde já se pode encontrar tópicos, dentro dos capítulos sobre "garantia do direito à livre expressão" e "garantia do direito à igualdade", dedicados especificamente a "Gays, Lésbicas, Travestis, Transexuais e Bissexuais – GLTTB". 
O PNDH-II propôs ações em diferentes áreas da política pública, desde produção de dados sociodemográficos, passando pelo enfrentamento à violência e chegando a políticas de formação de profissionais de educação. Orientação sexual ainda aparece em outros tópicos do documento, como em tópicos sobre adoção, mercado de trabalho e políticas de enfrentamento ao HIV. O documento já propunha também o apoio à regulamentação de uma "lei de redesignação de sexo e mudança de registro civil para transexuais". A versão mais recente do Programa, o PNDH III ampliou o conjunto de ações voltadas a pessoas LGBT, tornando a promoção dos seus direitos uma política transversal.
Em 2004 foi lançado pelo governo federal o Programa “Brasil sem Homofobia (BSH)”, com o objetivo de “promover a cidadania de gays, lésbicas, travestis, transgêneros e bissexuais, a partir da equiparação de direitos e do combate à violência e à discriminação homofóbicas”. O programa mobilizou instituições públicas e privadas em diferentes campos, da saúde pública ao mercado de trabalho, da segurança à educação. Algumas ações realizadas a partir do BSH:
  • criação dos Centros de Referência em Direitos Humanos de Combate à Homofobia;
  • realização de duas Conferências Nacionais LGBT;
  • criação da Coordenação Nacional de Promoção dos Direitos LGBT;
  • estabelecimento do Dia Nacional de Combate à Homofobia (17 de maio);
  • formulação da Política Nacional da Saúde LGBT;
  • parecer da Advocacia-Geral da União favorável ao reconhecimento da união estável homoafetiva para o pagamento de benefícios previdenciários;
  • resolução acerca do tratamento a pessoas LGBT em situação de privação de liberdade;
  • ampliação de cirurgias de redesignação e tratamento hormonal seguro para pessoas trans no Brasil;
  • lançamento do Relatório de Assassinatos e Violência contra LGBTs no país;
  • inclusão de denúncias de violência contra LGBTs no Disque Direitos Humanos;
  • estabelecimento da obrigatoriedade do cadastro de violência homofóbica e transfóbica no Sistema Único de Saúde;
  • reconhecimento pelo MEC da identidade de gênero de pessoas trans na educação básica e no ensino superior.
Toda essa atuação do Estado, a partir do governo federal e em parceria com estados e municípios, precisa ser contextualizada no processo de disputa cultural na qual se realiza e do qual participa. Os preconceitos e desigualdades ainda arraigados na nossa sociedade são o alvo e um dos maiores desafios para a própria execução de políticas públicas voltadas a pessoas LGBT.

3. O reconhecimento das famílias homoafetivas

Avaliar o impacto dessas políticas é difícil, especialmente na sua dimensão simbólica, mas algumas transformações parecem evidentes. As relações homoafetivas, por exemplo, estão hoje mais reconhecidas e protegidas juridicamente que antes. Provocado pela Procuradoria Geral da República e pelo governo do Estado do Rio de Janeiro, em maio de 2011, o Supremo Tribunal Federal reconheceu como entidade familiar a união estável entre pessoas do mesmo sexo, garantindo-lhes os mesmos direitos conferidos às uniões heterossexuais.
 Em 2013 o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou a resolução que obriga todos os cartórios do país a celebrar casamentos entre pessoas do mesmo sexo, removendo os obstáculos administrativos à efetivação da decisão do Supremo. O Censo de 2010, que pela primeira vez abriu a oportunidade de registrar um cônjuge do mesmo sexo da pessoa responsável pelo domicílio, identificou cerca de 58 mil residências ocupadas por casais homossexuais.
No Brasil, desde 2011, duas pessoas do mesmo sexo já podem se casar e adotar filhos, e sua união é reconhecida como uma família.
Esse avanço no campo jurídico não corresponde, no entanto, às disputas na esfera legislativa. Desde as discussões sobre a regulação da união civil entre pessoas do mesmo sexo nos anos 1990, até o atual debate acerca do casamento civil igualitário, nenhum projeto de lei ou emenda constitucional foi, até o momento, posto em votação no plenário da Câmara ou do Senado.

4. Reconhecimento civil da identidade de Gênero

O reconhecimento de diferentes identidades de gênero é hoje tema em franco debate público. Pessoas transgêneras têm experimentado maior visibilidade positiva nos meios de comunicação e conquistado mais espaço na disputa política. O reconhecimento do nome, a mudança do registro civil e o tratamento de acordo com sua identidade de gênero vêm sendo reconhecido na administração pública e no setor privado, não sem considerável resistência. Ao mesmo tempo, a exclusão civil e social, a dificuldade em acessar os serviços públicos e o mercado formal de trabalho, a desigualdade socioeconômica e a violência física - recorrentemente fatal, inclusive - ainda marcam a experiência de pessoas trans no Brasil.
Identidade de gênero é a dimensão da identidade de um sujeito que diz respeito a como ele ou ela se relaciona com as representações de masculinidade e feminilidade presentes em cada cultura e momento histórico, e como isso se traduz na autopercepção que tem de si, na sua expressão e identificação social. A construção dessa dimensão da identidade é um processo permanente, complexo e dinâmico realizado por todos os sujeitos - mesmo que não seja evidente -, o que significa que todas as pessoas têm uma identidade de gênero. A identidade de gênero não necessariamente guarda relação com o sexo atribuído no nascimento e não tem nenhuma relação com orientação sexual.
Essa identidade pode ou não corresponder à expectativa da maioria das pessoas e instituições com quem um sujeito tem de se relacionar na vida em sociedade, o que, aliado a processos históricos de hierarquização nas relações sociais de gênero, faz com que a identidade de gênero de algumas pessoas seja reconhecida, enquanto a de outras não. Esse não reconhecimento se materializa inclusive em processos de normalização violentos. O conceito de identidade de gênero permite que se possa reconhecer o direito de cada pessoa à livre construção da sua personalidade na relação com as concepções de masculinidade e feminilidade disponíveis na cultura. Além disso, reitera o direito ao próprio corpo e se constitui no conceito fundamental para compreender a experiência de pessoas travestis e transexuais - embora não se restrinja a elas.
No processo de construção de sua identidade de gênero, grande parte das pessoas trans assumem um nome que vem substituir, em suas relações sociais, o nome de registro civil. A assunção desse nome social não é mera superficialidade, mas, pelo contrário, está intimamente ligada à afirmação de sua identidade. Quando alguém ou alguma instituição não se dirige a uma pessoa trans usando o nome com o qual ela se identifica e que reflete sua identidade de gênero, estão negando o reconhecimento de sua própria identidade. A ausência desse reconhecimento é um dos fatores que contribui para tornar pessoas trans mais vulneráveis a situações de violência e discriminação.
Ser diariamente interpeladas ou interpelados com um nome que não reflete a construção subjetiva de si constitui uma experiência humilhante e constrangedora com um claro impacto emocional e motivacional sobre pessoas trans.

Embora ainda não haja lei que regulamente o reconhecimento da identidade de gênero, em março de 2018, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, por unanimidade, autorizar pessoas transgêneras a alterarem o nome no registro civil. Com a decisão, qualquer pessoa trans poderá se dirigir diretamente a um cartório e solicitar a mudança, atestada por autodeclaração, sem precisar de laudos médicos e sem necessidade de qualquer intervenção cirúrgica.

5. Quatro letras, muitas histórias

Esses avanços não foram vividos da mesma forma por toda a comunidade LGBT, e grupos diferentes dentro dessa comunidade se deparam hoje com desafios por vezes distintos. Existem disparidades significativas entre pessoas LGBT quanto ao acesso a direitos, aos serviços públicos e ao mercado de trabalho, tanto pela distinção inerente a esse grupo, quanto pela interseção da identidade de gênero e da orientação sexual com outras dimensões sociais, como raça, classe e geração.
Embora as vivências de pessoas trans e homo-bissexuais questionem o mesmo grande sistema cis-heteronormativo, fazem isso a partir de argumentações e de ações distintas - o que gera experiências, demandas e desafios diferentes. A homossexualidade coloca em questão a naturalização da heterossexualidade, os modelos tradicionais de família e os tabus relacionados a práticas sexuais e a outras formas de conjugalidade, além de tocar nas hierarquias entre masculinidade e feminilidade. A vivência de pessoas trans questiona a cisnormatividade, a imposição de um gênero a partir de um determinado corpo, os limites entre os sexos e as definições do que é ser homem e ser mulher.
No entanto, entender a diferença conceitual entre orientação sexual e identidade de gênero é o início, mas não é suficiente para compreender as diferenças que marcam a experiência de pessoas LGBT. O primeiro movimento é entender que isso a que chamamos de “comunidade LGBT” é um grupo muito amplo, não homogêneo, que reúne pessoas cuja vivência é muito diversa. Não existe, em verdade, uma “pessoa LGBT". Existem pessoas trans, pessoas lésbicas, gays, assexuais, não-binárias, enfim, uma série de pessoas que compartilham certos aspectos nas suas vivências e que na história recente se organizaram em um ativismo conjunto.
Enquanto para gays, lésbicas e bissexuais o ponto de convergência é a sexualidade, para pessoas trans, a questão central é a identidade de gênero. Isso faz com que existam, dentro deste grande grupo LGBT, experiências e demandas às vezes bastante diferentes. Por exemplo, enquanto a possibilidade do casamento civil entre pessoas do mesmo sexo foi por muito tempo questão central para pessoas LGB, o reconhecimento da identidade de gênero e o acesso a saúde, educação e emprego já era o foco de pessoas trans.
O segundo passo é entender que, embora organizados em grupos diferentes, estes grupos não são mutuamente excludentes, mas eventualmente se entrecruzam.
Identidade de gênero e orientação sexual são dimensões distintas. Isso significa que pessoas trans (tanto quanto cis) podem ser homo/bi/pan/assexuais ou, dizendo de outro jeito, que também existem lésbicas e gays trans. Na vida concreta, as diferentes combinações possíveis entre identidade de gênero e orientação sexual produzem experiências distintas e, a depender do contexto e da situação, colocam desafios que não são simplesmente o resultado da soma dessas duas dimensões.
Homens trans gays, por exemplo, vão enfrentar o desafio de vivenciar relações afetivas e sexuais em uma comunidade gay majoritariamente cis e consideravelmente misógina e transfóbica, em que ainda proliferam discursos que vão rejeitar os seus corpos, excluí-los da possibilidade de desejo ou afeto ou exoticizá-los e objetificá-los sexualmente. Embora homens trans gays compartilhem com outras pessoas trans as dificuldades de acesso ao mercado de trabalho ou às terapias de transição e possam, tal qual gays cis, serem alvo de violência homofóbica na rua, há vivências que são produzidas especificamente na intersecção de ser gay e trans - e que não são compartilhadas por outros gays ou por outras pessoas trans.
O terceiro passo é perceber que esses grupos também não são homogêneos no seu interior. Trans é um termo muito abrangente para várias formas de romper com a cisnormatividade. Gay, lésbica e bi são algumas das possibilidades de identificação que não dão conta de todas as experiências não-heterossexuais, homoafetivas ou homoeróticas. E há sempre novas formas de expressão e identificação surgindo, o que faz com que o reconhecimento seja um exercício permanente.
O quarto e último movimento é entender que identidade de gênero e orientação sexual se interseccionam com outras dimensões da nossa vida em sociedade. O fato de as experiências de pessoas LGBT coincidirem em uma dimensão (a orientação sexual ou a identidade de gênero, por exemplo), não significa que elas coincidem em outros aspectos, como o pertencimento racial ou condição econômica. E estas outras dimensões podem ser mais significativas na experiência de uma pessoa do que sua orientação sexual ou identidade de gênero, ou melhor, estes outros pertencimentos, em conexão, vão produzir vivências específicas, que não podem ser entendidas se olhamos apenas orientação sexual/identidade de gênero isoladas.
A experiência de ser lésbica é consideravelmente distinta se você for uma lésbica negra ou branca, uma mulher cis ou trans, adolescente, adulta ou idosa, nascida numa família rica ou pobre, vivendo numa área rural ou na periferia de uma grande cidade. Uma pessoa trans com alto poder econômico pode acessar terapias corporais de transição que talvez sejam mais difíceis ou mesmo inviáveis para quem não tem recursos financeiros suficientes para tal. Para uma travesti que cresce longe dos centros urbanos, a falta de acesso a informação ou a serviços especializados de saúde pode significar a diferença entre um tratamento seguro e o uso de técnicas agressivas e danosas (como injetar silicone industrial ou tomar hormônios sem orientação médica), o que pode trazer consequências ainda mais severas para a saúde.
Como você pode ver, não existe UMA experiência LGBT, mas várias. E quando pensamos de uma forma “universal”, em verdade estamos é lançando luz sobre UMA ENTRE VÁRIAS vivências possíveis e, nisso, invisibilizando e excluindo outras.
Se quando pensamos em homossexualidade a única imagem que nos vem à cabeça é a de um casal de homens gays brancos, jovens, malhados de academia, com emprego e bom salário, vivendo na área nobre da cidade, na verdade estamos alcançando apenas a vivência de um percentual muito pequeno do universo de pessoas homossexuais. Imagine quantas outras vivências não ficaram de fora.
Se você agora conhece melhor os avanços na garantia dos direitos de pessoas LGBT nos últimos anos, tenha em mente que esses avanços e desafios são vividos de formas diferentes por essa grande comunidade, e que há vivências diferenciadas que precisam ser consideradas quando pensamos em ações e políticas para seguir avançando na promoção dos direitos dessas pessoas.

6. Para seguir avançando

A partir de tudo o que lemos, é possível perceber que vivemos um histórico de avanços no que diz respeito aos direitos de pessoas LGBT, embora ainda permaneça um quadro contraditório. Se estes grupos e sujeitos estão, hoje, mais protegidos e reconhecidos, persistem percepções negativas sobre práticas e identidades que fujam à cis-heteronorma, e têm se organizado e mobilizado movimentos sociais contrários às recentes mudanças nesse campo. Ao mesmo tempo, os acontecimentos das últimas décadas produziram transformações estruturais no campo da cultura e das relações sociais que nos colocam em um outro patamar no que diz respeito às relações de gênero e sexualidade. Se na comparação com um quadro ideal de acesso a direitos ainda há muito o que percorrer, na comparação com o ambiente cultural, político e jurídico do século XX, avançamos consideravelmente no reconhecimento das diferenças de orientação sexual e identidade de gênero. E é desse novo patamar, com grupos sociais historicamente marginalizados mais reconhecidos e empoderados, que iniciamos um novo período de intensa disputa cultural.

A afirmação da diversidade e da igualdade, em articulação, tem sido princípio orientador das políticas públicas no Brasil, nas últimas décadas. O processo de superação de hierarquizações, discriminações e desigualdades traz consigo, invariavelmente, algum tensionamento, na medida em que afeta privilégios e hegemonias no campo material, político e simbólico. Nesse sentido é fundamental que as instituições públicas continuem progredindo na direção de garantir os direitos de todos os sujeitos, em igualdade de condições, como preconiza a Constituição Brasileira.

Na contramão dessas iniciativas, avançam propostas como o Estatuto da Família, Projeto de Lei n. 6583/2013, de autoria do deputado federal Anderson Ferreira, que reafirma a restrição do conceito de família apenas à “entidade familiar formada a partir da união entre um homem e uma mulher, por meio de casamento ou de união estável, e a comunidade formada por qualquer dos pais e seus filhos”, excluindo da proteção especial do Estado todas as outras configurações familiares já identificadas na sociedade brasileira.

Módulo 4.

Direito ao Corpo e à Saúde

SUMÁRIO



1. Saúde integral de pessoas LGBT
2. Para começar: Respeito e reconhecimento
3. Corpo e transição
4. Visibilidade e respeito a mulheres lésbicas
5. HIV/AIDS
6. Violência contra LGBT

1. Saúde integral de pessoas LGBT

Quando se pensa em saúde das pessoas LGBT, é comum que venham à cabeça questões como doenças sexualmente transmissíveis, principalmente HIV/Aids. Mas a sexualidade - e os problemas de saúde a ela relacionados - é apenas uma parte das suas vidas. Apesar de parecer óbvio, vale lembrar que as pessoas LGBT também enfrentam problemas de saúde como todas as outras. Homens gays e bissexuais cisgêneros, mulheres trans e travestis precisam fazer exames preventivos para o câncer de próstata. Homens trans, como mulheres cis lésbicas e bissexuais, podem precisar de atendimento ginecológico. E toda pessoa LGBT tem que se preocupar com viroses, diabetes, hipertensão etc.
Os cuidados de saúde voltados a homens gays e bissexuais não se resumem a HIV/aids, hepatites virais e outras infecções sexualmente transmissíveis. A relação de pessoas trans com a saúde não se limita a hormonioterapia e redesignação sexual: as pessoas LGBT precisam ser vistas na sua integralidade.
Se há questões específicas de saúde que demandam políticas e serviços especializados, é preciso garantir o acesso de pessoas LGBT aos serviços de saúde como um todo. Por isso é importante que profissionais de todas as unidades, áreas e tipos de serviço tomem em conta que há usuários/as de diferentes identidades de gênero e orientações sexuais, os quais têm direito à saúde, a um atendimento humanizado e livre de preconceitos e discriminações.

2. Para começar: Respeito e reconhecimento

Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais, instituída pelo Ministério da Saúde por meio da Portaria nº 2.836/2011, reafirma o direito das pessoas LGBT à saúde integral, humanizada e de qualidade no Sistema Único de Saúde (SUS), tanto na rede de atenção básica como nos serviços especializados.
E o primeiro passo para a garantia do direito à saúde de pessoas LGBT é o reconhecimento. Desde 2009 é garantida, a pessoas trans, a identificação pelo nome com o qual se reconhecem – que a legislação chama de nome social - no Sistema Único de Saúde (Portaria nº 1.820/2009). Esse direito independe do registro civil ou de decisão judicial: é direito de toda pessoa usuária do SUS ser identificada e atendida nas unidades de saúde pelo nome de sua preferência. Desde 2012 o Sistema de Cadastramento de Usuários do SUS permite a impressão do Cartão SUS somente com o nome social. Quando um/a profissional da saúde não reconhece a identidade de gênero de pessoas trans, além de desrespeito e constrangimento, está criando uma barreira para o acesso de homens e mulheres trans e travestis aos serviços de saúde.
O mesmo vale para orientação sexual: é preciso superar uma perspectiva heteronormativa, que pressupõe que todas as pessoas são heterossexuais. Os serviços de saúde devem ser capazes de atender e orientar pessoas das mais diferentes orientações sexuais. Ao/à profissional de saúde não cabe qualquer julgamento ou lição moral, mas apenas o respeito à autodeterminação do/a usuário/a.

3. Corpo e transição

Muitas pessoas trans, ao assumirem sua identidade de gênero, dão início a um processo de transição. Esse processo de transição é vivenciado de modo particular por cada pessoa trans e pode incluir mudanças na sua expressão de gênero e no seu corpo. Hoje já existem tecnologias que permitem que pessoas trans transformem seu corpo de modo a alcançarem uma imagem corporal mais próxima do que desejam. Desde tratamento hormonal até cirurgias de redesignação sexual, são muitas as possibilidades.
Mas atenção: submeter-se a determinadas transformações corporais não é, de modo algum, o que define uma pessoa trans. Muitos homens e mulheres trans e travestis hoje não têm interesse em intervenções cirúrgicas ou mesmo no tratamento hormonal. Entre as pessoas trans atendidas pelo Transcidadania, por exemplo, apenas 2% afirmam já ter realizado a cirurgia de redesignação sexual e só 26% afirmam ter interesse em realizá-la.
Pesquisadores/as e ativistas trans tem chamado atenção para o quanto o processo de transição muitas vezes se dá sob uma perspectiva cisnormativa, convertendo-se em uma busca por um ideal de corpo masculino ou feminino que tem por padrão o corpo cisgênero. Reconhecer a autonomia de cada pessoa para definir sua identidade de gênero significa reconhecer que é possível a uma pessoa com qualquer corpo se identificar com qualquer gênero. Não há UM corpo feminino, mas vários corpos de várias mulheres. Há homens que não tem pênis e mulheres que sim. E é preciso reconhecer e respeitar esta diversidade de corpos, especialmente se estamos preocupados em cuidar da sua saúde.
Para pessoas trans que desejam fazer modificações corporais, há uma diversidade de técnicas que produzem diferentes efeitos na interação com cada corpo.
  • Hormonioterapia
A hormonioterapia consiste na aplicação de hormônios em homens e mulheres trans que visam alterar caracteres fenotípicos, produzindo mudanças no corpo, como alteração na voz, na quantidade e na distribuição de gordura ou mesmo no formato do rosto e da cintura. Os efeitos produzidos pela hormonioterapia são diferentes em cada corpo. Os efeitos colaterais e as consequências do uso inadequado de hormônios podem acarretar problemas graves à saúde. Por isso é imprescindível o acompanhamento médico.
  • Intervenções cirúrgicas
As intervenções cirúrgicas vão desde uma mastectomia ou o implante de silicone, até cirurgias de redesignação sexual. Muitas pessoas trans chegam às unidades de saúde já tendo realizado algum tipo de modificação no corpo por conta própria ou em serviços particulares em condições pouco adequadas.
Entre mulheres trans e travestis, ainda é comum a aplicação de silicone industrial. Entre homens trans pode haver danos ao tecido mamário e à musculatura por conta do uso prolongado de faixas compressoras dos seios. Em ambos os casos, é recorrente o uso de hormônios sem acompanhamento médico.
Em um levantamento feito junto a pessoas trans atendidas pelo programa Transcidadania, de São Paulo, 68% afirmaram ter colocado silicone líquido e 45% prótese de silicone. Além disso, 96% dos/as participantes já fizeram uso de hormônio alguma vez na vida, 49% estão fazendo uso de hormônio atualmente, mas só 25% estão em acompanhamento hormonal em algum serviço de saúde.
  • O processo transexualizador no SUS
O chamado Processo Transexualizador foi instituído pelo SUS em 2008 (Portarias nº 1.707 e nº 457 de agosto de 2008) e ampliado pela Portaria nº 2.803, de 19 de novembro de 2013. Ele garante o atendimento integral de saúde a pessoas trans que desejam acessar tecnologias de modificação corporal, incluindo desde a hormonioterapia até cirurgias.
Segundo o Ministério da Saúde, a Atenção Especializada a pessoas trans inclui as seguintes modalidades:
  • Ambulatorial: acompanhamento clínico, hormonioterapia e, quando for o caso, acompanhamento pré e pós-operatório.
  • Hospitalar: realização de cirurgias e acompanhamento pré e pós-operatório.
Estes serviços não estão mais restritos a hospitais universitários. Pessoas trans podem acessar ambas ou apenas uma das modalidades.
Um aspecto importante e nem sempre levado em consideração é que as cirurgias de redesignação sexual são esterilizantes. É importante que as pessoas trans que desejam se submeter à cirurgia estejam cientes e, na medida do possível, sejam informadas quanto à possibilidade de conservação de óvulos ou esperma, com vistas a uma futura reprodução assistida. Pessoas trans devem ter seus direitos reprodutivos respeitados.

4. Visibilidade e respeito a mulheres lésbicas

O maior desafio para a saúde das mulheres lésbicas é a visibilidade. Muitos profissionais da saúde lidam com mulheres pressupondo-as como heterossexuais. E muitas vezes acabam não orientando ou atendendo adequadamente uma mulher lésbica.
prática sexual entre mulheres também pode transmitir infecções como herpes, sífilis, hepatite e mesmo HIV. Além disso, mulheres que não interrompem seu ciclo menstrual e não engravidam podem estar mais suscetíveis a alguns tipos de câncer.

5. HIV/AIDS

Os dados epidemiológicos têm demonstrado que, no Brasil, a epidemia de HIV/aids é concentrada, com maior recorrência em grupos considerados mais vulneráveis. Para a população em geral, a prevalência de HIV/aids tem se mantido estável em 0,4%; a população de homens que fazem sexo com outros homens (HSH) tem taxas da ordem de 10,5%. E já se identifica uma tendência de crescimento de HIV/aids entre os jovens, em especial jovens HSH na faixa etária entre os 15 a 19 (um aumento de 120%) e de 20 e 24 anos de idade (75,9%), de 2003 a 2014.
As principais ações para o enfrentamento da epidemia são:
  • Distribuição de preservativos masculinos e femininos em larga escala.
O Ministério da Saúde disponibiliza preservativos masculinos e femininos nas unidades de saúde e em outras instituições, além da distribuição em ações específicas.
  • Testagem rápida
O SUS disponibiliza testes rápidos capazes de detectar anticorpos contra o HIV em até 30 minutos com 30 dias de janela imunológica usando uma gota de sangue ou fluído bucal. Veja aqui onde você pode fazer o teste rápido: http://www.aids.gov.br/pt-br/acesso_a_informacao/servicos-de-saude
  • Profilaxia Pós Exposição (PEP)
No caso da exposição a uma situação de risco, como uma relação sexual desprotegida, em até 72h a pessoa pode procurar uma unidade de saúde para acessar a Profilaxia pós-exposição. A PEP é uma medida de prevenção com o uso de medicamentos para reduzir o risco de transmissão do HIV. Mas atenção: a PEP não substitui a camisinha!
  • Tratamento
Se o diagnóstico for positivo para HIV, toda pessoa tem direito ao acompanhamento e tratamento gratuito pelo SUS. A indicação é que se comece o tratamento imediatamente após a detecção do vírus.

Módulo 5 - Direito à Educação

SUMÁRIO


1. LGBT na escola
2. Educação: Direitos de todas, todos e todes
3. Transfobia e homofobia na escola
4. Virando o jogo: Construindo uma escola que respeita a diversidade
5. Pode falar sobre gênero e sexualidade na escola?

1. LGBT na escola

Como as nossas escolas lidam com a diversidade sexual e de gênero? Se não se pode dizer que nas escolas brasileiras há um único jeito de ensinar sobre orientação sexual e identidade de gênero, não faltam pesquisas que mostram ambientes escolares marcados pelo sexismo, misoginia, transfobia, homofobia e heteronormatividade.
Diversos estudos apontam que estudantes LGBT, em especial aqueles e aquelas que transgridem mais fortemente as expectativas de comportamento de gênero, enfrentam processos de discriminação e exclusão em sua trajetória escolar que prejudicam seu desempenho, quando não inviabilizam seu direito à educação.
A experiência educacional desses sujeitos é descrita em diferentes estudos como atravessada por várias formas de violência física e simbólica (agressões físicas e verbais, discriminação, isolamento, negligência, assédio) que acontecem dentro do espaço escolar, perpetradas não só por estudantes, como também por gestores e profissionais da educação.
Entre 2006 e 2009, foi desenvolvida, pelo Ministério da educação e pela Universidade de São Paulo, uma pesquisa nacional sobre discriminação no ambiente escolar. Orientação sexual era uma das temáticas investigadas, ao lado das discriminações étnico-racial, geracional, socioeconômica, territorial, por deficiência e por gênero. A pesquisa, aplicada em 501 escolas de 27 estados, com a participação de 18.599 pessoas (estudantes, responsáveis, professores e professoras, diretores e diretoras e outros profissionais), mediu o distanciamento social de diretores, professores, funcionários, estudantes e responsáveis em relação a determinados grupos. Entre pobres, negros, indígenas, ciganos, moradores de periferia/favela, moradores de áreas rurais e pessoas com deficiência, foi em relação a pessoas homossexuais os maiores percentuais de preconceito: 93,5% dos/das entrevistados/as apresentaram algum nível de preconceito com relação a gênero e 87,3% quanto a orientação sexual.
A pesquisa mostrou também uma relação entre a discriminação no ambiente escolar e o rendimento das escolas na Prova Brasil. Segundo o estudo, “escolas em que os escores que medem o preconceito e o conhecimento de práticas discriminatórias apresentam valores mais elevados tendem a apresentar médias menores para as avaliações na Prova Brasil”. Ou seja, quanto mais discriminatório é o ambiente escolar, pior o rendimento da escola. O preconceito, além de atingir diretamente suas vítimas, acaba prejudicando o aprendizado de todo o conjunto de estudantes.
[penso eu que quanto mais ignorante é a pessoa, ,mais preconceituosa ela será,. Ou seja, preconceito é consequencia e não causa] 
Saiba Mais!
Se é recorrente que estudantes gays, lésbicas e bissexuais vivenciem situações de discriminação dentro da escola, pessoas trans vão viver um processo intenso de exclusão que recorrentemente lhes expulsa do espaço escolar e interrompe a sua escolarização. Em pesquisas realizadas durante as paradas do orgulho LGBT, por exemplo, identificamos um nível de escolaridade inferior entre pessoas travestis e transexuais em relação aos outros grupos sociais que compõem o universo presente nas marchas. Em levantamento realizado entre as pessoas trans atendidas pelo Programa Transcidadania, ação da Prefeitura de São Paulo, em 2016, 71% pararam de estudar com mais de 15 anos de idade, 24% entre 11 e 14 anos e 5% deixaram os estudos entre 7 e 11 anos. Destas, 55% pararam de estudar entre o quinto e nono ano do Ensino Fundamental, 23% entre o primeiro e quarto ano do Ensino Fundamental e 22% no Ensino Médio. A transfobia foi o motivo apontado pela evasão dos estudos por 45% das/os participantes, seguido de trabalho (33%) e conflito familiar (17%). Mas é possível supor que estes outros motivos estejam também associados a dinâmicas transfóbicas, que retiram da pessoa o apoio familiar e forçam uma entrada prematura no mundo do trabalho; situações em que a escola poderia se constituir como um espaço de apoio, mas, muitas vezes, acaba sendo mais um lugar de exclusão.
Esses dados, ainda que não alcancem a totalidade da população de pessoas travestis e transexuais, configuram claramente uma situação de vulnerabilidade deste grupo quanto à garantia do seu direito à educação.

2. Educação: Direitos de todas, todos e todes

Embora não faça menção explícita aos conceitos de gênero e orientação sexual, a Constituição Federal é enfática na garantia das liberdades individuais e da igualdade de direitos. O texto constitucional indica recorrentemente o enfrentamento a toda forma de discriminação.
A CF/88 fala explicitamente em preconceitos de origem, raça, sexo, cor e idade e soma a esses “quaisquer outras formas de discriminação”. Sexismo, misoginia, transfobia e homofobia são hoje formas de discriminação já suficientemente identificadas e compreendidas, reconhecidas no campo acadêmico, jurídico e das políticas públicas.
É, portanto, obrigação constitucional do Estado (a partir de todos os seus agentes) desenvolver ações para enfrentar discriminações que se conectam de diferentes maneiras e ameaçam os invioláveis direitos à liberdade, à igualdade, à segurança, à propriedade e à própria vida. Diante de processos discriminatórios e violentos que carregam dimensão simbólica tão significativa quanto esses, é difícil imaginar estratégias integrais de enfrentamento que dispensem políticas educacionais.
O Brasil possui, hoje, um dos maiores sistemas de educação do mundo. Quase cinquenta milhões de estudantes e cerca de dois milhões de profissionais de educação entram todos os dias em cerca de 200 mil escolas, distribuídas em todo o território nacional. A educação pública brasileira é, sem dúvida, pelo seu tamanho, distribuição e finalidade, espaço privilegiado e imprescindível no enfrentamento às desigualdades, discriminações e violências que a Constituição Federal afirma que precisam ser superadas e dos princípios que ela estabelece. A universalidade do direito à educação é evidente tanto no texto constitucional quanto na lei que define suas bases.
Pode parecer óbvio, mas é importante reforçar: a lei não garante o direito à educação apenas a pessoas de determinada orientação sexual ou identidade de gênero. Lésbicas, gays, bissexuais e pessoas trans possuem o mesmo direito à educação que quaisquer outros cidadãos e cidadãs brasileiras, em “igualdade de condições para o acesso e permanência na escola”. A educação é direito de todas, todos e todes!
[obervação: O termo TODOS em português É abrangente. Inclui pessoas independentemente de seu gênero ou orientação sexual ]
Mas atenção: muitas vezes se confunde direito à educação com direito a se matricular na escola. A matrícula é um procedimento relativamente rápido, que se faz no início do ano, antes mesmo de começarem as aulas. Ela, por si, não garante nada. O desafio é permanecer na escola. E, permanecendo, aprender, progredir e alcançar cada vez níveis mais avançados de escolarização.

3. Transfobia e homofobia na escola

A discriminação e a violência contra LGBT na escola podem se manifestar de várias maneiras. Vamos pensar especificamente sobre algumas delas:

Estudantes e profissionais muitas vezes vão olhar pessoas LGBT a partir dos seus preconceitos. Isso faz com que esses estudantes sejam mais recorrentemente percebidos como indisciplinados, problemáticos, agressivos, menos capazes ou até mesmo uma ameaça para outros/as alunos/as. Por conta do estigma, LGBTs vão ser mais culpabilizados/as em situações de conflito, e as ações disciplinares sobre eles/as tendem a ser mais severas.
Esse avanço no campo jurídico não corresponde, no entanto, às disputas na esfera legislativa. Desde as discussões sobre a regulação da união civil entre pessoas do mesmo sexo nos anos 1990, até o atual debate acerca do casamento civil igualitário, nenhum projeto de lei ou emenda constitucional foi, até o momento, posto em votação no plenário da Câmara ou do Senado.
Na contramão dessas iniciativas, avançam propostas como o Estatuto da Família, Projeto de Lei n. 6583/2013, de autoria do deputado federal Anderson Ferreira, que reafirma a restrição do conceito de família apenas à “entidade familiar formada a partir da união entre um homem e uma mulher, por meio de casamento ou de união estável, e a comunidade formada por qualquer dos pais e seus filhos”, excluindo da proteção especial do Estado todas as outras configurações familiares já identificadas na sociedade brasileira.
Esse avanço no campo jurídico não corresponde, no entanto, às disputas na esfera legislativa. Desde as discussões sobre a regulação da união civil entre pessoas do mesmo sexo nos anos 1990, até o atual debate acerca do casamento civil igualitário, nenhum projeto de lei ou emenda constitucional foi, até o momento, posto em votação no plenário da Câmara ou do Senado.
Na contramão dessas iniciativas, avançam propostas como o Estatuto da Família, Projeto de Lei n. 6583/2013, de autoria do deputado federal Anderson Ferreira, que reafirma a restrição do conceito de família apenas à “entidade familiar formada a partir da união entre um homem e uma mulher, por meio de casamento ou de união estável, e a comunidade formada por qualquer dos pais e seus filhos”, excluindo da proteção especial do Estado todas as outras configurações familiares já identificadas na sociedade brasileira.
Esse avanço no campo jurídico não corresponde, no entanto, às disputas na esfera legislativa. Desde as discussões sobre a regulação da união civil entre pessoas do mesmo sexo nos anos 1990, até o atual debate acerca do casamento civil igualitário, nenhum projeto de lei ou emenda constitucional foi, até o momento, posto em votação no plenário da Câmara ou do Senado.
Na contramão dessas iniciativas, avançam propostas como o Estatuto da Família, Projeto de Lei n. 6583/2013, de autoria do deputado federal Anderson Ferreira, que reafirma a restrição do conceito de família apenas à “entidade familiar formada a partir da união entre um homem e uma mulher, por meio de casamento ou de união estável, e a comunidade formada por qualquer dos pais e seus filhos”, excluindo da proteção especial do Estado todas as outras configurações familiares já identificadas na sociedade brasileira.
Esse avanço no campo jurídico não corresponde, no entanto, às disputas na esfera legislativa. Desde as discussões sobre a regulação da união civil entre pessoas do mesmo sexo nos anos 1990, até o atual debate acerca do casamento civil igualitário, nenhum projeto de lei ou emenda constitucional foi, até o momento, posto em votação no plenário da Câmara ou do Senado.
Na contramão dessas iniciativas, avançam propostas como o Estatuto da Família, Projeto de Lei n. 6583/2013, de autoria do deputado federal Anderson Ferreira, que reafirma a restrição do conceito de família apenas à “entidade familiar formada a partir da união entre um homem e uma mulher, por meio de casamento ou de união estável, e a comunidade formada por qualquer dos pais e seus filhos”, excluindo da proteção especial do Estado todas as outras configurações familiares já identificadas na sociedade brasileira.



“Anda como homem”, “se comporta como uma menina”, “que coisa ridícula”, “você é um menino e eu vou te tratar como um menino”. Esses são alguns exemplos de como professoras/es e outros/as profissionais da escola podem criar situações de constrangimento público para pessoas LGBT.
Vale lembrar que o direito à personalidade é um direito básico de todas as pessoas. Constranger alguém pela sua orientação sexual ou sua identidade de gênero, ainda mais em espaços públicos, não só produz sofrimento no ato, mas aumenta a vulnerabilidade desse sujeito, deixando-o mais suscetível a outras violências.




Que professora nunca ouviu alguém sendo chamado de “veado” ou “sapatão” na hora do recreio? Que professor nunca presenciou as mesmas palavras sendo usadas por colegas para se referir a estudantes na sala dos professores? Agressões LGBTfóbicas infelizmente ainda são bastante comuns nas nossas escolas. Muitas vezes nós subestimamos o poder ofensivo dessas palavras e o sofrimento que elas podem produzir. Agressão verbal não é brincadeira nem uma forma aceitável de tratamento entre pares, muito menos entre educadores/as e educandos/as



Não são raros os casos de agressão física motivada por LGBTfobia que acontecem dentro da escola ou no seu entorno imediato, muitas vezes protagonizadas por grupos contra uma única vítima. Não basta encarar essas situações apenas como um desentendimento entre crianças ou adolescentes. A violência física não faz parte da “natureza” dos meninos, nem das meninas. A escola precisa agir de forma firme para garantir a segurança e integridade física da sua comunidade (inclusive dos/as profissionais da educação) e encarar também as raízes da LGBTfobia que motivam essas agressões.




O bullying é uma agressão entre pares, geralmente motivada por preconceitos e discriminações já arraigadas na sociedade, como racismo, o capacitismo e também, a homo-lesbo-transfobia, que acontece de forma sistemática. São agressões cotidianas, recorrentes, tanto verbais quanto, não raro, físicas, que produzem isolamento e sofrimento psíquico para suas vítimas. Muitas vezes a equipe de profissionais é omissa, subestima essas agressões ou acaba por responsabilizar a vítima, aumentando o seu sofrimento. É preciso perceber e interromper o bullying sempre que ele estiver acontecendo, não importa em que espaço e em que momento. A prioridade deve ser a proteção da vítima e a reeducação dos agressores.




Muitas vezes a equipe de profissionais da escola percebe situações de discriminação ou mesmo violência em curso e prefere não interferir. “Ah, eu estou aqui para dar a minha aula, não para resolver conflito entre estudantes”. Grande engano. Toda a equipe de profissionais da escola é legalmente obrigada a intervir diante de situações que violam os direitos de crianças e adolescentes. E a escola e seus/suas gestores/as têm responsabilidade sobre o que acontece dentro da sua instituição. Omitir-se é tornar-se cúmplice.




O preconceito de profissionais pode motivar práticas discriminatórias que chegam mesmo a excluir pessoas LGBT, em especial estudantes trans. Há caso em que profissionais criam dificuldades na matrícula para travestis e transexuais - vagas que existiam e de repente não existem mais - ou sugerem a transferência para o noturno ou para a educação de jovens e adultos. A percepção é de que aquela pessoa representa uma ameaça ou um problema para a escola.



A invisibilidade acontece quando a escola se nega a falar sobre o assunto, quando não reconhece a identidade de gênero ou condena a orientação sexual de um/a estudante, quando obriga profissionais a “se manterem no armário”, quando ignora a diversidade de famílias e impõe apenas um modelo cis-heteronormativo a todas as pessoas. Ainda que uma pessoa LGBT não seja diretamente vítima de alguma violência, ela precisa se sentir reconhecida pela sua escola, seus pares e pela equipe de profissionais. Invisibilizar sujeitos e suas histórias é também uma forma de violência, que aumenta a vulnerabilidade e alimenta outras práticas de discriminação.

Essas são apenas algumas formas (dentre várias) de como a LGBTfobia se materializa na escola. Essas dinâmicas de discriminação e exclusão produzem graves danos à trajetória escolar de pessoas LGBT e constituem verdadeira barreira ao seu direito à educação. Ser capaz de perceber e identificar essas formas de violência é o primeiro passo para superá-las.


4. Virando o jogo: Construindo uma escola que respeita a diversidade


Mas, então, o que fazer? Como transformar um ambiente escolar discriminatório (e violento) em um espaço acolhedor, inclusivo e que respeite o direito à educação e ao aprendizado de toda a comunidade?
Saiba Mais!
O enfrentamento destas desigualdades se torna mais eficaz quanto maior for o entendimento de que não cabe responsabilizar determinados sujeitos ou grupos sociais pelas dificuldades que enfrentam no desenvolvimento de suas trajetórias escolares. Escolas e sistemas de ensino é que devem assumir a responsabilidade de identificar nas suas práticas aquilo que produz obstáculos à efetivação do direito educacional desses sujeitos e grupos – e, a partir daí, se reestruturarem para se tornarem capazes de garantir esse direito a todas as pessoas.
Veja, a seguir, algumas atitudes que a escola pode tomar:
Respeitando a personalidade de cada pessoa
Cada profissional de educação traz consigo um conjunto de representações sobre masculinidade e feminilidade que interfere na forma como desenvolvem o seu trabalho pedagógico com cada estudante. Há expectativas (de gênero) distintas, conduzidas muitas vezes por estigmas e estereótipos, que produzem efeitos negativos no desenvolvimento escolar de estudantes. Há modelos de comportamento atribuídos a homens e mulheres que, embora não instituídos por nenhuma diretriz pedagógica, são recorrentemente reforçados.
Não há qualquer lei ou diretriz que proíba ou obrigue modos de falar, de vestir, de mexer o corpo, muito menos distinguindo homens e mulheres. Portanto, quando uma professora constrange uma aluna coibindo suas expressões de gênero e lhe impondo modo outro que não o dela, está lhe tolhendo o direito constitucional à liberdade. E sim, a despeito do que muitos pensem ou desejem, crianças e adolescentes gozam dos mesmos direitos fundamentais que estão escritos na Constituição brasileira.
Também não cabe à escola interferir na orientação sexual de estudantes, nem tomar como seu objetivo didático ensinar as pessoas a serem heterossexuais. Essas práticas pedagógicas atentam diretamente à Constituição, por impingir, em sujeitos livres, valores e comportamentos predeterminados.
Reconhecendo todas as famílias
Crianças que vivem só com a mãe ou só com o pai. Criadas pelos avós. Convivendo com filhos/as do padrasto ou da madrasta. Com dois pais ou duas mães. Filhos/as de pais ou mães trans. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o modelo tradicional formado por um casal cis-heterossexual com filhos representa hoje menos da metade (42,9%) das famílias brasileiras. Essa pluralidade já chegou à escola e, hoje, profissionais da educação precisam ser capazes de lidar com essa diversidade de configurações familiares.
Muitas escolas já perceberam que impor um modelo único de família contraria a própria realidade das crianças e pode inclusive produzir sofrimento naquelas cujas famílias não se encaixam nesse padrão. Famílias homoparentais, de pais e mães trans, assim como todas as outras famílias, têm o direito de serem reconhecidas e respeitadas pela escola onde suas crianças estudam. O caminho é o reconhecimento de todas as famílias, sem distinção. Um reconhecimento que precisa acontecer tanto nas relações entre a escola e as famílias, quanto no currículo, nas atividades escolares, nos livros didáticos.
Dá uma olhada nesta matéria sobre escolas que começaram a comemorar o "dia da família" como forma de incluir todas as configurações familiares dos/as seus/suas estudantes: http://emais.estadao.com.br/blogs/familia-plural/escolas-celebram-dia-da-familia-em-substituicao-ao-dia-das-maes-e-dos-pais/
Quando a direção propõe trocar o dia dos pais pelo dia da família, para garantir que todas as famílias, nas suas diferentes configurações, sejam reconhecidas e valorizadas, ela não está sendo transgressora. Quando uma professora ou professor lê para sua turma um livro que fala sobre os diferentes tipos de família, incluídas aí famílias com dois pais e duas mães, ou sem pai nem mãe, ela não está cometendo um ato repreensível. Ambas estão afinadíssimas com o que dizem as diretrizes educacionais que orientam o seu trabalho. Quem segue impondo um modelo único de família, de sexualidade ou de comportamento é que está descumprindo as diretrizes pedagógicas vigentes.
[Observação: Não existe dia da familia heterossexual. No dias dos pais e das mães, as crianças que não tem o pai ou a mãe são orientadas a honrar quem as criam. Assim não vejo necessidade de se abolir dia dos pais e das mães]
Reconhecendo a identidade de gênero na escola
Em outubro de 2009, o Conselho Universitário da Universidade Federal do Amapá deliberou pela primeira vez sobre o reconhecimento do nome social. Hoje diversas Instituições Públicas de Ensino Superior do país já possuem alguma regulamentação que vise facilitar a permanência desses e dessas estudantes por meio da possibilidade de utilização do nome social. Outras instituições de ensino superior estão, neste momento, em processo de normatização do uso do nome social. Na educação básica, das 27 unidades federativas, dezesseis já regulam, através dos conselhos e secretarias estaduais de educação, a implementação do nome social em suas redes de ensino. Vale também destacar que, em 2014, pela primeira vez, travestis e transexuais puderam usar seu nome social no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).
Em janeiro de 2018, foi homologada resolução do Conselho Nacional de Educação que autoriza o uso do nome social de travestis e transexuais nos registros escolares da educação básica. Com o documento, maiores de 18 anos podem solicitar que a matrícula nas instituições de ensino seja feita usando o nome que reconhecem como seu, independente do registro civil. No caso de estudantes menores de idade, a solicitação deve ser apresentada pelos seus representantes legais. Mas já há precedentes que indicam, em caso de conflito com os responsáveis, a prioridade à decisão do/a adolescente.

Reconhecer o nome é um passo importante, mas apenas o começo. Em 2015, o Conselho Nacional LGBT publicou uma resolução com orientações aos sistemas e instituições de ensino para a garantia das condições de acesso e permanência de pessoas travestis e transexuais - e todas aquelas que tenham sua identidade de gênero não reconhecida em diferentes espaços sociais, formulando orientações amplas quanto ao reconhecimento institucional da identidade de gênero e sua operacionalização. As recomendações da resolução já descrevem detalhadamente as principais ações que precisam ser tomadas para garantir que a instituição de ensino seja efetivamente um espaço seguro e de reconhecimento para pessoas trans. Vamos ver o que recomenda a Resolução:
Art. 1° Deve ser garantido pelas instituições e redes de ensino, em todos os níveis e modalidades, o reconhecimento e adoção do nome social àqueles e àquelas cuja identificação civil não reflita adequadamente sua identidade de gênero, mediante solicitação do próprio interessado.
Art. 2° Deve ser garantido, àquelas e àqueles que o solicitarem, o direito ao tratamento oral exclusivamente pelo nome social, em qualquer circunstância, não cabendo qualquer tipo de objeção de consciência.
Art. 3° O campo "nome social" deve ser inserido nos formulários e sistemas de informação utilizados nos procedimentos de seleção, inscrição, matrícula, registro de frequência, avaliação e similares.
Art. 4° Deve ser garantido, em instrumentos internos de identificação, uso exclusivo do nome social, mantendo registro administrativo que faça a vinculação entre o nome social e a identificação civil.
Art. 5° Recomenda-se a utilização do nome civil para a emissão de documentos oficiais, garantindo concomitantemente, com igual ou maior destaque, a referência ao nome social.
Art. 6° Deve ser garantido o uso de banheiros, vestiários e demais espaços segregados por gênero, quando houver, de acordo com a identidade de gênero de cada sujeito.
Art. 7° Caso haja distinções quanto ao uso de uniformes e demais elementos de indumentária, deve ser facultado o uso de vestimentas conforme a identidade de gênero de cada sujeito.
Art. 8° A garantia do reconhecimento da identidade de gênero deve ser estendida também a estudantes adolescentes, sem que seja obrigatória autorização do responsável.
Art. 9° Estas orientações se aplicam, também, aos processos de acesso às instituições e sistemas de ensino, tais como concursos, inscrições, entre outros, tanto para as atividades de ensino regular ofertadas continuamente quanto para atividades eventuais.
O reconhecimento da diversidade de identidades de gênero é um processo que dificilmente acontece sem alguma resistência. É importante que gestão e equipe, seja da escola, da universidade ou da secretaria de educação, estejam preparadas para enfrentar o debate junto à comunidade, disseminando informação, desconstruindo preconceitos e estereótipos e, mais importante, posicionando-se na defesa e proteção dos direitos das pessoas trans que são alvo dessa política.
Respeitando a diversidade na equipe
A diversidade sexual e de gênero não está apenas entre estudantes. Nós também temos professoras/es, técnicos/as, gestores/as que não são cisgêneros/as ou heterossexuais. Esses/as profissionais podem ser vítimas de agressões, discriminações e mesmo violência, por parte de aluno/as, famílias ou colegas de trabalho. Recorrentemente são impelidos/as pela direção ou por colegas a se manterem no armário. Não são poucos os relatos de professores/as afastados/as de escolas particulares que afirmam que a homo/transfobia foi o principal motivo da demissão. Demitir um/a profissional por sua orientação sexual ou identidade de gênero constitui violação de direitos garantidos pela Constituição e cabe recurso à justiça.
Saiba Mais!
Formando a equipe de profissionais da educação
Para poder desenvolver ações contínuas que enfrentem a homofobia e a transfobia na escola, é fundamental que a equipe de profissionais esteja capacitada para entender e trabalhar esses temas. É a formação que permite perceber e repensar práticas pedagógicas cis-heteronormativas que restringem as possibilidades identitárias, estigmatizam ou invisibilizam sujeitos e reforçam discursos e práticas machistas, misóginas, homofóbicas, lesbofóbicas e transfóbicas.
Trabalhando junto com as famílias
Enfrentar a homofobia e a transfobia na escola é uma ação que precisa ser construída junto com (todas) as famílias e toda a comunidade escolar. Essas discussões mexem com questões que têm o apoio da maior parte das famílias, mas eventualmente se chocam com valores morais de algumas. Escola e família não são antagonistas nesse processo. Pelo contrário, é imprescindível envolver os/as responsáveis nesse debate, inclusive os/as que são resistentes, estabelecer um diálogo construtivo e encontrar um denominador comum que permita respeitar crenças e visões de mundo, ao mesmo tempo em que se constrói um ambiente escolar livre de preconceitos e que valorize a diversidade.

5. Pode falar sobre gênero e sexualidade na escola?

Sexualidade é assunto na escola pelo menos desde a década de 1920. Desde os anos 1980, já existem políticas públicas, projetos e ações que levam a discussão sobre gênero e sexualidade de forma sistemática para a escola. Seja em aulas sobre a realidade das mulheres, seja em projetos de educação sexual, seja numa discussão sobre identidade de gênero, faz tempo que esses são temas presentes nas nossas escolas. E, verdade seja dita, esse nunca foi um debate fácil e sempre suscitou resistências. Fato é que essas questões fazem parte do cotidiano escolar e, querendo ou não, elas precisarão ser enfrentadas.
“Mas o Plano Nacional de Educação não retirou esses temas?”. Não. O texto final do PNE, aprovado em 2014, embora não faça menção explícita, mantém a obrigatoriedade de se enfrentar todas as formas de discriminação. E não há como enfrentar a discriminação sem falar dela; sem evidenciar os preconceitos, os estigmas, os estereótipos e as práticas injustas que eles alimentam; sem discutir os processos (históricos) que lhes produzem. Não há como falar de discriminação sem falar das pessoas que são discriminadas.
Como acabar com a violência sem falar na violência, nas suas tantas formas, nas pessoas que são violentadas e nas que violentam? Ignorar esses temas, ou pior, propositalmente restringir sua abordagem na escola, constitui não apenas negligência, mas franco desrespeito aos princípios que regem a educação brasileira, fundamentados na Constituição e em leis específicas.
Vale lembrar que mesmo a ausência dos termos gênero ou orientação sexual em um plano de educação não exime o poder público municipal, estadual ou distrital, suas redes de ensino e respectivas escolas de seguirem as recomendações e normativas descritas nas diretrizes nacionais para a educação básica que incluem, sim, a abordagem destes temas e o enfrentamento a toda e qualquer forma de discriminação.






Módulo 6 - Direito a Trabalho e Renda

SUMÁRIO


1. Pessoas LGBT no mercado de trabalho
2. Homofobia: Quando o preço do emprego é o "Armário"
3. Transfobia e exclusão de pessoas trans do mercado de trabalho


1. Pessoas LGBT no mercado de trabalho


Pensar a inserção de pessoas LGBT no mercado de trabalho é pensar em múltiplas trajetórias. A discriminação e exclusão por orientação sexual e identidade de gênero marcam de forma bastante distintas cada um dos grupos que compõem essa comunidade.
Enquanto lésbicas, gays e bissexuais cisgêneres sofrem homofobia dentro do ambiente de trabalho, pessoas trans enfrentam um processo de discriminação tão intenso são excluídas de praticamente todo o mercado formal e informal. Além disso, na combinação com outras dinâmicas sociais - como o racismo ou a desigualdade econômica - vão se produzindo trajetórias diferenciadas que nos colocam uma série de desafios específicos.
Você consegue se imaginar sem ter como gerar renda pagar suas despesas?  É difícil, não é mesmo? O trabalho possui papel central nossas vidas. É nele onde reside nossa fonte de renda que, numa sociedade como a nossa, é o que garante necessidades básicas, como alimentação e moradia. A não ser que você seja um sujeito com fontes privilegiadas de renda, você terá de exercer algum trabalho, seja autônomo, seja empregado, para garantir sua subsistência. Quanto menos preparo você tiver, ou quanto menos opções dentro do mercado você puder acessar, maiores as chances de você ter de se submeter a condições precárias, a ambientes discriminatórios ou mesmo a violências para poder trabalhar e gerar seu sustento.

2. Homofobia: Quando o preço do emprego é o "Armário"

Em um levantamento feito pelo Center for Talent Innovation, que ouviu mais de 12 mil profissionais de países como China, Rússia, África do Sul, Estados Unidos e Brasil, 61% dos/as funcionários/as LGBT brasileiros/as disseram esconder sua sexualidade para colegas e gestores nas empresas em que trabalham. Outros 49% disseram que não escondem sua orientação sexual, mas não falam abertamente sobre o assunto no ambiente de trabalho e alteram o próprio comportamento para se integrar entre os colegas.
Embora o levantamento esteja restrito a determinadas empresas, essa é uma realidade que se repete em muitas organizações. No setor privado, identificar-se como homossexual pode diminuir as chances de contratação ou promoção e aumentar o risco de demissão. A homofobia, às vezes explícita, às vezes velada, também está na causa de várias situações de assédio moral. E não são poucos os casos em que, denunciada a discriminação, as vítimas não encontram apoio ou pelo contrário, são mesmo hostilizadas ou culpabilizadas pelas chefias. 
Já no setor público, embora estejam mais protegidas do risco de não serem admitidas ou de serem demitidas em razão de sua orientação sexual, servidores e servidoras gays e lésbicas não estão livres da discriminação. Se a entrada por concurso diminui as chances de exclusão no processo de admissão, e o regime jurídico do funcionalismo público garanta certa estabilidade no emprego, a homofobia pode se manifestar de outras formas. Por exemplo: no assédio moral homofóbico praticado por colegas ou chefes, no isolamento do restante da equipe em razão do preconceito e em dificuldades na progressão para cargos de chefia.  Ademais, vale lembrar que instituições públicas hoje contam cada vez mais com trabalhadores e trabalhadoras contratados e contratadas via outros regimes de trabalho, como CLTistas ou terceirizados/as, que estarão mais expostos/as e menos protegidos/as da discriminação e do assédio homofóbico.
Diferente de colegas heterossexuais, que cotidianamente expõem sua orientação sexual - seja em um bate papo informal ou colocando a foto da esposa e esposo sobre a mesa - identificar-se abertamente como homossexual é uma decisão que pode trazer consequências negativas para gays e lésbicas.
Alguns campos profissionais parecem mais receptivos a pessoas gays e lésbicas, como áreas ligadas à estética ou às artes, enquanto em outros ainda persistem ambientes extremamente homofóbicos, como a área da segurança pública ou privada ou em funções de cuidado e educação de crianças, por exemplo. 
Na educação infantil, homens em geral, e gays especificamente, vão sofrer com estigmas que os enxergam como um perigo para crianças pequenas. A orientação sexual pode ser fator de discriminação em cargos executivos e em trabalhos precarizados. Algumas áreas do mercado de trabalho consideravelmente masculinizadas vão combinar práticas misóginas e homofóbicas, que afastam tanto mulheres, quanto homens gays. Em muitas áreas, lésbicas e gays serão orientados/as a manter discrição quanto aos seus relacionamentos ou mesmo obrigados a manter-se no armário para continuar no emprego.

3. Transfobia e exclusão de pessoas trans do mercado de trabalho


Não existem dados nacionais, ou mesmo regionais, que possam retratar com precisão a participação de pessoas trans no mercado de trabalho. No entanto, é possível recorrer a algumas fontes específicas que, embora não espelhem todo o universo de pessoas trans, dão indícios da realidade vivida por elas. O que não é difícil de perceber é a existência de uma transfobia generalizada no mercado formal e informal de trabalho, que exclui pessoas trans da quase totalidade das possibilidades de emprego.
Dentre as pessoas trans atendidas pelo Programa Transcidadania da Prefeitura de São Paulo em 2016, em sua maioria mulheres trans e travestis de baixa renda que evadiram da escola ainda no ensino fundamental, 80% afirmaram ter trabalhado como profissionais do sexo, tendo ali sua principal fonte de renda. Mesmo depois de participar do Programa, embora tenham se inserido em outra atividade profissional, 60% seguiram praticando a prostituição para complementar renda.
Em um levantamento feito pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) durante um de seus encontros, estima-se que 90% das pessoas trans trabalhem como profissionais do sexo. Ainda que os números variem, o que esses dados sugerem é que a prostituição ainda é uma realidade na vida de grande parte das pessoas trans hoje. 
Saiba Mais!
Se o exercício da prostituição não pode ser pensado só como uma fatalidade - e muitas/os profissionais afirmam que escolheram ou estão satisfeitas/os com esse trabalho - a recorrência de pessoas trans que se tornam profissionais do sexo não pode ser pensada como uma questão individual. Ao contrário, é um fenômeno social, que atinge pessoas trans como grupo, produzido por uma série de dinâmicas de exclusão que vão sucessivamente expulsá-las da quase totalidade do mercado formal e informal de trabalho. 
transfobia generalizada, associada à ausência de recursos materiais, a uma formação precária (em muitos casos consequência de uma interrupção nos estudos motivada pela transfobia) e à falta de suporte familiar - fatores bastante recorrentes na vivência de pessoas trans - muitas vezes impõe a travestis e transexuais a prostituição como único recurso de subsistência.
Ainda hoje é possível encontrar pessoas, inclusive jornalistas, que usam a palavra travesti como sinônimo de profissional do sexo. Esse estereótipo, mais do que evidenciar, naturaliza a exclusão, alimenta a violência, culpabiliza a vítima pela discriminação e, assim, ajuda a produzir a realidade de segregação e marginalização vivida por pessoas trans.
Mas essa já não é uma história única. Há cada vez mais pessoas trans, especialmente as que não perdem o suporte familiar, que conseguem manter-se (ou sobreviver?) na escola, e já não são raras as que acessam o ensino superior. Há também um grupo de pessoas trans que assumiram sua identidade de gênero e/ou viveram sua transição já mais adultas, o que, em muitos casos, lhes permitiu sobreviver nos espaços escolares, avançar na sua formação e consolidar sua inserção no mercado de trabalho antes de serem alvo da transfobia. 
No entanto, no momento em que a sociedade passa a percebê-las como trans, muitas dessas pessoas começam a vivenciar dinâmicas de discriminação transfóbica que, a despeito de sua formação ou experiência, vão excluí-las de uma série de oportunidades de trabalho, inclusive de oportunidades que estavam antes disponíveis. Profissionais de nível técnico, ensino superior ou com pós-graduação, com anos de experiência, também não conseguirão emprego. A transfobia institucional fica evidente nos relatos de pessoas trans que, mesmo tendo passado por longos processos seletivos, no momento em que apresentam seus documentos são dispensadas antes da contratação.

Indicar todas as referências utilizadas na elaboração do conteúdo.]
  1. FOUCAULT, Michel. História da sexualidade I: a vontade de saber; tradução de Maria Thereza da Costa Albuquerque e JA Guilhon Albuquerque. Rio de Janeiro, Edições Graal, 1988.
  2. CONNELL, Raewyn W. Gender: In World Perspectives. Polity, Cambridge, 2009.
  3. VENTURI, Gustavo; BOKANY, Vilma. Diversidade sexual e homofobia no Brasil. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2011.
  4. CARROL, Angus e ITABORAHY, Lucas Paoli. State-Sponsored Homophobia: A World Survey of Laws: criminalisation, protectionand recognition of same-sex love. ILGA, 2015.
  5. BRASIL. Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. Relatório sobre violência homofóbica no Brasil: Ano de 2012. Brasília, 2013. Disponível emhttp://www.sdh.gov.br/assuntos/lgbt/pdf/relatorio-violencia-homofobica-ano-2012.
  6. TRANSGENDER EUROPE. Comparative research data on 190 countries worldwide. Disponível em: http://transrespect.org. Acesso em: 08 de março de 2016.
  7. BRASIL. Conselho Nacional de Combate à Discriminação da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República/Ministério da Saúde. Brasil Sem Homofobia: Programa de Combate à Violência e à Discriminação contra GLTB e Promoção da Cidadania Homossexual. Brasília: Ministério da Saúde, 2004.
  8. BRASIL. Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. Relatório sobre violência homofóbica no Brasil: Ano de 2012 . Brasília, 2013. Disponível em http://www.sdh.gov.br/assuntos/lgbt/pdf/relatorio-violencia-homofobica-ano-2012. Acesso em: 12 de novembro de 2016.
  9. E. BRUNETTO, Dayana. Nome social de travestis e transexuais na escola básica: política pública afirmativa ou capricho? Anais do IX Congresso Nacional de Educação EDUCERE. III Encontro Sul Brasileiro de Psicopedagogia PUCPR, 2009.
  10. CARRARA Sérgio et al. Política, Direitos, Violência e Homossexualidade. Pesquisa 5ª Parada da Diversidade - Pernambuco 2006. Rio de Janeiro, CEPESC, 2007. Disponível em http://www.clam.org.br/uploads/arquivo/paradapernambuco_2006.PDF consultado em 09/10/2014.
  11. CARRARA Sérgio, FACCHINI Regina, SIMÕES Júlio, RAMOS Silvia. Política, Direitos, Violência e Homossexualidade Pesquisa 9ª Parada do Orgulho GLBT - São Paulo. Rio de Janeiro, CEPESC, 2006; Disponível em http://www.pagu.unicamp.br/sites/www.ifch.unicamp.br.pagu/files/julio05.pdf acesso 05/08/2014.

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